segunda-feira, 9 de agosto de 2010

PATO FU /MÚSICA DE BRINQUEDO


Música de Brinquedo
Por
John Ulhoa

E se…?
O Pato Fu sempre levou a sério essa pergunta e sempre pagou pra ver. Dessa vez a pergunta foi: e se gravássemos um disco inteiro só usando instrumentos de brinquedo? Não um disco de música infantil, mas um disco de música “normal” filtrada por essa sonoridade.
A ideia pareceria absurda há poucos anos. No entanto, desde o CD Daqui Pro Futuro (2007) começamos a flertar com sons de caixinhas de música, realejos, pianos de brinquedo… Em algumas de minhas produções recentes usei muitos desses instrumentos, muitos comprados como presente à nossa (minha e de Fernanda) filha de 6 anos, mas que acabavam invariavelmente na frente de um microfone na sala de gravação do estúdio que temos em casa.
E tinha mais. Quase todos nós – e os amigos próximos – viramos papais e mamães nos últimos anos. A temática infantil passou a nos comover. Ao mesmo tempo, sentimos que seríamos capazes de fazer algo para pais e filhos que tivesse uma das características que mais gostamos na música: terem duas (ou mais) camadas de entendimento, um “Muppet Show” de carne, osso e música, diversão para os adultos, sem aborrecimento pros pequenos, e vice-versa.
Decidimos então gravar uma primeira música como um teste. Essa foi “Primavera”. Ficamos muito empolgados, parecia algo do tipo “por que não pensamos nisso antes!?”. Registramos em vídeo o processo, fizemos uma rápida edição pra mostrar pra alguns amigos. O efeito “sorriso estampado” que tínhamos na nossa cara apareceu instantaneamente na face das outras pessoas também. Chegamos à conclusão que não estávamos ficando loucos.
Isso faz mais de um ano, foi no começo de 2009. De lá pra cá, muito trabalho – e diversão. Um projeto como esse é mais complicado que um disco comum. A começar pelos próprios instrumentos. Não só são mais difíceis de se tocar, mas também de se encontrar. Nem todos os instrumentos de brinquedo são “tocáveis” e separar as tranqueiras das verdadeiras jóias é uma empreitada e tanto. Bastante pesquisa foi feita em lojas, oficinas artesanais e sites. Eu, por exemplo, em qualquer viagem que fiz nesse período, voltava com a mala cheia de cornetas de plástico, tecladinhos eletrônicos baratos e qualquer tipo de traquitana que pudesse fazer um som e tivesse um apelo infantil.
Outro fator estranho ao nosso método habitual de fazer discos foi o repertório. Estamos acostumados a ir juntando material inédito, novas composições, letras, melodias soltas ao longo de uma turnê, pra gerar um disco novo ao final. Isso nunca parou, e de fato temos um tanto de material que poderia ser justamente o ponto de partida para um novo álbum de inéditas (não, não estamos em crise criativa, antes que alguém pergunte…). Mas esses arranjos de brinquedo teriam um efeito muito mais potente se aplicados a canções conhecidas. Aí é que estava a graça, que ficou muito clara quando fizemos “Primavera”: colar essa sonoridade em clássicos do pop, recriar todas as frases melódicas de músicas que não fossem só conhecidas, mas que tivessem arranjos emblemáticos. O que procuramos é o prazer de ouvir velhas canções adultas em seus arranjos originais, tirados praticamente nota por nota, só que com instrumentos de brinquedo. E assim fizemos. Descobrimos quais seriam estas canções. Foi mais difícil do que a gente pensava. Eram muitos os pré-requisitos que as candidatas tinham que trazer. Mas estão aí, e estamos muito orgulhosos de como ficaram ao final.
Por último, o elemento surpresa: a participação das crianças cantando. Bem, nunca se sabe o que uma criança vai fazer. Às vezes ela não faz o que você quer. E às vezes o que ela faz é muito melhor do que o que você queria. Não queríamos aquela sonoridade “coral de crianças”, e sim pequenas participações, marcantes e carregadas da inocência e desafinação pura de espírito que só as crianças conseguem. Acho que conseguimos, e foi um aprendizado e tanto.
E sim, o disco foi todo gravado com instrumentos de brinquedo ou miniaturas. Também foram utilizados instrumentos ligados à musicalização infantil como flauta, xilofone, kalimba e escaleta. Um cavaquinho foi usado como violão folk e também como baixo. O piano de brinquedo, o glockenspiel de latão e o kazoo de plástico foram os reis do pedaço. Um tecladinho-calculadora Casio VL1 fez a alegria das crianças na faixa dos 40 aqui. Qualquer brinquedo valeu, seja de madeira, pelúcia ou eletrônico. Em uma ou outra raríssima ocasião, sampleamos o brinquedo para que fosse mais fácil (na verdade o certo seria dizer “possível”) tocá-lo com alguma eficiência. E chegamos ao ponto de usar um reverb de mola de brinquedo para processar alguns sons. Tudo está gravado com suas imperfeições, afinação duvidosa e barulho de articulação de peças móveis. Se você prestar atenção – como um adulto – vai perceber. Ou apenas se divirta – como uma criança.
Foi um prazer fazer esse disco, esperamos que sintam o mesmo ao ouví-lo.
Belo Horizonte, maio de 2010
Música de Brinquedo – Repertório

Primavera (Cassiano/Sílvio Rochael), clássico na voz de Tim Maia que abre o disco. Foi a primeira a ser gravada, e a escolha se deve ao arranjo cheio de nuances, numa das dinâmicas mais espetaculares da música brasileira – começo vibrante, pausa para a balada e final “lá em cima”. Manteve-se o clima, mas o vocal das crianças e os timbres dos brinquedos aqui já definem com muita propriedade o que é esse projeto.

Sonífera Ilha dos Titãs mostra que brinquedos eletrônicos também valem. A levada divertida feita com efeitos sonoros pelo baterista Xande Tamietti se mistura ao baixo decalcado nota por nota por Ricardo Koctus.

Rock And Roll Lullaby mundialmente famosa na voz de BJ Thomas, tema da novela Selva de Pedra nos anos 70 ganha um dos arranjos mais doces do disco, ao som do metalofone cheio de efeitos de Lulu Camargo.

Frevo Mulher (Zé Ramalho) também mistura brinquedos normais e eletrônicos, com destaque pro “Drawdio” tocado por John Ulhoa, uma espécie de lápis com um minicircuito de theremin acoplado, ocupando o espaço que era da sanfona no arranjo original.

O piano de brinquedo foi um instrumento fundamental nesse disco e em Ovelha Negra ele predomina, reproduzindo o arranjo clássico da canção de Rita Lee. O solo lendário de guitarra foi substituído pelo glockenspiel de brinquedo.

Saxofones de plástico, kazoos e apitos formaram a metaleira muppet de Todos Estão Surdos (Roberto Carlos/Erasmo Carlos). Acrescidos de um sax barítono feito com um antigo Genius, popular brinquedo eletrônico da década de 80. Fernanda Takai canta essa canção embalada pela parte falada pela filha Nina, com a pureza d'alma que só as crianças tem.

Live And Let Die, tema de filme de James Bond na voz de Paul McCartney, um desafio instrumental que acabou se tornando uma das mais divertidas justamente por ser tão épica e cheia de partes difíceis. Um vinil sacudido faz o som de um tímpano e uma orquestra inteira é reproduzida com camadas e camadas de brinquedos.

O ritmo eletrônico que serve de base para o hit Pelo Interfone (Ritchie/Bernardo Vilhena) é refeito com efeitos de tecladinhos e bateria infantil. E até o som de interfone é feito com um mini alto-falante de brinquedo.

O Pato Fu nunca escondeu sua admiração pelo grupo japonês Pizzicato Five e nessa versão de Twiggy Twiggy uma quantidade enorme de brinquedos é usada pra recriar o clima de colagem sonora do original.

Em My Girl (Smokey Robinson/Ronald White) o destaque é a kalimba fazendo o riff original da guitarra e o reverb de mola de brinquedo usado na caixa da bateria. A orquestrinha de Casiotone VL1 no instrumental também é parte do charme.

O kazoo impera em Ska, clássico dos Paralamas do Sucesso. É um instrumento muito fácil de ser tocado, substituto óbvio para o sax, com um efeito sempre engraçado. Na parte rítmica, uma clonagem de brinquedo da bateria virtuosa original, com viradas alucinadas no final.

E o disco se encerra com Love Me Tender. Dizem que essa música conhecida na voz de Elvis Presley é a campeã mundial de canções de ninar no mundo todo. E ela fecha o disco assim, num clima calmo, criado desde a introdução em que o acompanhamento é feito por uma caixinha de música de cartão perfurado. O baixo é uma kalimba. A bateria, uma caixa de fósforos. FOTO: NINO ANDRÉS

Nenhum comentário: