segunda-feira, 31 de outubro de 2011

CARLOS LÚCIO GONTIJO


Finados é tempo de reflexão

Carlos Lúcio Gontijo

No dia 20 de outubro de 2011, recebemos uma homenagem da Loja Maçônica Mestres do Monte, que nos premiou com diploma de honra ao mérito pelo conjunto de nossa obra literária. Lá estávamos meu pai, minha esposa e eu, que acabei dominado por intensa emoção, ao ver-me rodeado de pessoas amigas (algumas delas conhecidas desde criança) e sentir, fortemente, a presença de minha mãe, que no início de minha carreira literária, além de me incentivar, não se fazia de rogada e saía com meus livros debaixo do braço, vendendo-os aos vizinhos e amigos. Confessamos, sem qualquer constrangimento, que tivemos que fazer um esforço enorme para não cair em prato diante da comunidade maçônica que nos homenageava em Santo Antônio do Monte, cidade localizada no Centro-Oeste de Minas Gerais, onde passamos nossa infância e sepultamos mãe Betty, que faleceu a 19 de dezembro de 1989.

A vida é mesmo assim: as gerações vêm e passam – é gente substituindo gente o tempo todo. Nem mesmo os endinheirados e os famosos escapam, pois a morte é o imposto da vida ao qual somos obrigados a pagar. Contudo, o draconiano tributo é quitado sem grandes reclamações ou protestos, pois é o imposto de todos. O certo mesmo é que tanto os pobres quanto os ricos e as celebridades terminam logo esquecidos, se não se deram aos amigos, à família, à convivência em sociedade. Algumas ausências se fazem tão sentidas que, em plenitude, se transformam em uma espécie de presença. São os mortos que falam por intermédio de suas boas ações e obras.

Não somos muito de visitar cemitérios, cremos que as pessoas a que estimamos continuam vivas dentro de nós, daí a razão do verso de um poema nosso grafado na lápide do túmulo de mãe Betty: “Não estás, mas estás em tudo”. Enfim, defendemos a tese de que nossa primeira eternidade espiritual é aquela que podemos erigir com os nossos próprios braços – fruto do nosso esforço e suor –, pois amar e ser solidário com os nossos irmãos, mais que carinho, exige-nos doação, perseverança, compreensão, sinceridade e capacidade de perdoar os defeitos ou imperfeições de que todos nós padecemos. Agindo dessa forma, podemos ouvir os nossos mortos e, quando morrermos, continuar falando, por meio do fio-condutor da saudade, àqueles a quem dedicamos afeição verdadeira no transcorrer de nossa vida.

O filósofo francês André Malraux, dizia que “uma vida pode não valer nada, mas nada vale uma vida”. No Dia de Finados, essa frase deve conduzir-nos à reflexão, pois a convivência em comunidade experimentada pelos brasileiros vem sendo afetada por índices de violência cada vez mais exacerbados e acompanhados de uma selvageria sem limites, como se a graça divina que nos concede a vida fosse uma benevolência celestial desprovida de valor.

Indubitavelmente, a grave crise por que passa o setor de segurança pública, que não consegue enfrentar com a desejável eficácia o avanço do crime organizado e até mesmo os pequenos delitos, alimenta a chama da impunidade e serve de estímulo ao cometimento de crimes cada vez mais violentos, levando um número imenso de pais e avós a sepultarem seus filhos e netos, uma vez que os jovens são os mais atingidos pela onda de violência que assola o Brasil, onde a corrupção política, que surrupia o dinheiro que poderia ser destinado ao atendimento médico-hospitalar, por exemplo, age como metralhadora invisível responsável por uma colossal gama de mortes.

Lamentavelmente, a sociedade humana torna o amor e a solidariedade em substantivos cada vez mais abstratos, como se houvesse optado por estender ao longo da caminhada de homens e mulheres um ambiente concreto de tempo de finados sem fim, onde perecem tanto seres humanos quanto animais, mananciais hídricos e plantas, que têm suas vidas ceifadas pela cobiça materialista em que se acha mergulhada a indispensável sensibilidade e senso coletivo de que se devem revestir todas as ações humanas, para que não nos tornemos agentes fúnebres de nosso próprio destino no planeta Terra.

Carlos Lúcio Gontijo

Poeta, escritor e jornalista
TELA: RAFAEL

www.carlosluciogontijo.jor.br

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