quarta-feira, 2 de maio de 2012
PAUL McCARTNEY NO ARRUDA
PAUL McCARTNEY NO ARRUDA
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Gustavo Krause
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A realeza inglesa (é rima e solução) chegou à Rua das Moças e ao coração das moças, dos moços e idosos com direito a pagar meia entrada para assistir a um espetáculo inesquecível.
Ele, Paul, integralmente aristocrático: branco, “sir”, cidadão-súdito da mais tradicional monarquia do mundo e membro da dinastia músico/cultural Beatles.
A Rua das Moças, endereço da República Independente do Arruda e com bandeira tricolor que nem a França (só para contrariar), bairro que os ingleses do século XIX chamariam de “burgos podres”, recebia o nobre visitante, tropicalmente, mestiçamente, afetuosamente e cheia de amor para dar.
E mais, com um toque de desordem sem maiores consequências, senão apenas para reconhecer a firma de um país, complexo, contraditório que mistura a chatice linear da régua e do compasso com a descontração do compasso do samba e o descompasso acrobático do frevo. A feijoada deu um sabor especial ao rosbife. Paul e a Rua das Moças se fundiram na comunhão da cultura universal.
Do espetáculo, já se disse tudo, até o inverso do que aconteceu. Coisa de gente entediada e mal-humorada. De verdade, tudo aconteceu na medida certa.
Profissionalismo. Um Paul sem a frescura de certas estrelas (?) e um artista incansável que não interrompe três horas de show para beber água, segundo ele, em respeito ao público que paga caro para vê-lo.
Emoção e participação. Atenção: Paul McCartney integrou o santíssimo quarteto, óbvio? Não. Como os grandes sucessos dos jovens de Liverpool traspassaram gerações, havia a expectativa de um repertório mais conhecido e que pudesse ser cantado pelo público. E houve. Pouco mais de uma dezena de canções. Paul tem o seu próprio e renovado repertório. Com o público, se comunicou com a música que mexe com o feixe de nervos e músculos cardíacos e, de modo simples, por meio de mensagens devidamente escolhidas e usando o mais representativo símbolo da nossa terra que toca na alma nativista: a bandeira de Pernambuco. Ao meu lado, um cara enorme, sarado, acompanhado de uma mulher escultural, repetia aos berros “Eu já posso morrer!”. Resta saber se de “susto, de bala ou vício, num precipício de luzes”, ou, gloriosamente, nos braços da companheira.
O que aconteceu no Recife nos marcantes dias 21 e 22 de abril [Tiradentes e a descoberta do Brasil (?)] não foi um espetáculo musical, interpretado por um artista genial. Foi muito mais, pois, ali estava o personagem e o intérprete de uma era.
De fato, Paul é um filho do século XX que representa os milhões de órfãos, vítimas emocionais de guerras mundiais, de guerras regionais transformadas em espetáculos cinematográficos e televisivos ou da louca ameaça dos chefes de Estados em promover guerras quentes ou frias.
Ali estava um baby boomer, nascido na década de quarenta sob o peso das tragédias passadas, carregando o fardo de heranças tirânicas e, o que é mais grave, a angústia existencial de uma vida sem sentido. Mas com ele, nascia a luz que afrontava cartilhas políticas, mandava às favas verdades estabelecidas, pregava um individualismo libertário e assumia um paradigma desafiador cujos sinais estão descritos, em admirável síntese, no romance da Vargas Llosa, “As travessuras da menina má”: “Em Londres nasceram a minissaia, os cabelos compridos e as roupas extravagantes que consagraram os musicais Hair e Jesus Christ Superstar, a popularização das drogas, a começar pela maconha indo até o ácido lisérgico, a fascinação pelo espiritualismo hindu, o budismo, a prática do amor livre, a saída do armário dos homossexuais e as campanhas de orgulho gay, assim como uma rejeição em bloco do stablishment burguês não em nome da revolução socialista, à qual os hippies eram indiferentes, mas sim de um pacifismo hedonista e anárquico, matizado pelo amor à natureza e aos animais e por uma renegação da moral tradicional”.
Na Rua das Moças, vi, vivi, revivi retalhos de lembranças, entrecortado pela nostalgia e pela esperança que outros “arretados”, como Paul e os personagens do tempo fértil da década de sessenta ressurjam, protestando em favor de “paz e amor”.
Postado por Clóvis Campêlo no Geleia General
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