terça-feira, 29 de junho de 2010

JULIO CESAR DE CASTRO


A Pensão da Dona Loló

Ah, o mundo sempre foi/ Um circo sem igual
Onde todos representam/ Bem ou mal
Onde a farsa de um palhaço/ É natural...
Sonhos de um palhaço (Antonio Marcos/ Sérgio Sá)

Existiu no início dos anos de 1980, no bairro da Bela Vista, capital de São Paulo, uma distinta mulher, cinquentona corpulenta, tipo polaca, cabelos desalinhados, que se dizia “viúva de comunista”, deslumbrada com a eclosão de lutas sociais pela “nova esquerda”. E quando se falava em PT e CUT ainda, ela era olhos receptivos de entusiasmo só. Sobrevivia de pensão do falecido e, aparentemente, não tinha filhos. Orgulhava-se de não ter de pagar aluguel, pois possuía bem imóvel.
Dona de uma casa de cômodos grandes e arejados, sobretudo a cozinha bem-equipada, e com sanitários amplos, amava recepcionar “militantes socialistas”. Generosa e de visão romântica da transformação social por organizações populares e sindicais em curso, costumava oferecer “de grátis” refeições reforçadas àqueles/as que se identificavam por “companheiro/a”. Assim, nos horários de almoço e de janta, observava-se movimentação crescente naquela casa, quase sempre sem contrapartida alguma pelos que ali se fartavam ‘do bom e do melhor’. Os freqüentadores “socialistas”, nas esquinas das ruas ao entorno do Teatro Municipal de São Paulo (onde havia uma barraquinha de produtos promocionais do PT), se incumbiam de alardear aos ares: “Quem quiser pegar um rango esperto com direito a soneca num sofá, sem desembolsar um níquel, é só ir à Pensão da Dona Loló”. “A senha de acesso à boca livre é afixar um botom com a estrela do PT na camiseta vermelha ou usar boné do partido, e se anunciar num grito-de-guerra Pátria livre!, Salve a Classe Trabalhadora!”. “Quem souber assobiar a Internacional (hino) então, será bem-vindo lá.” “E... pronto! Estará o companheiro de estomago forrado, cafezinho quente, à vista de boa televisão; como manda o trato da Revolução”.
Ressalta-se que os ingratos aproveitadores daquela casa, em sua maioria, rudes, mal-educados, pouca formação política, boquirrotos e errantes, de vida dolce far niente (agradável ociosidade), sequer ajudavam na lavação dos utensílios de cozinha, não davam descarga no sanitário, jogavam papeis sujos e guimbas pelo chão... E exigiam “porteira aberta”, sem tranca à chave, num entra-e-sai como que casa de mãe Joana. E quando utilizavam a sala de visitas daquele imóvel, sob o pretexto de “reuniões de encaminhamento” – leia-se ‘repone’, geralmente até altas horas da noite, quando saiam, o ambiente era desolador: cheiro de cigarro, desarrumação dos móveis e sujeira por todo canto. Até as canecas de café por lavar largavam sobre os parapeitos da casa.Contudo, como era de se esperar, sem receita para as despesas de alimentação, energia elétrica, água e limpeza, aquela “revolucionária de coração” foi à decadência. Por conseguinte, aos montes e de fininho, sumiram todos os “socialistas”, ignorando a existência da Pensão da Dona Loló. Tempos depois, por bocas miúdas, soube-se que aquela hospitaleira senhora havia passado dessa para a melhor; em cujo enterro não deram o ar da graça os que juraram honrar a luta dos explorados e oprimidos. Para muitos desses velhacos, o rumo foi... “saída pela Direita”. -
Julio Cesar de Castro, Belo Horizonte/MG.

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