terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
LUIZ ROSEMBERG FILHO
“ A sensibilidade musical é a manifestação vital do ser humano.”
Wittgenstein
P A T R Í C I A
De certo modo a música clássica confronta a desumanização da vida moderna que se arroja a ser uma via de mão única. Mas não queremos com nosso novo trabalho, demonstrar ou anteciparmos um outro tipo de poder pois entendemos que todo poder instaurado só pode ter algum valor se levado por porcos ou charlatões. Ora, a música é uma das essências da linguagem dos deuses. Torna-se impossível visualizá-la buscando expressões no seu uso político. E só em estar muito além de si, torna-se uma expansão da Paixão, pois ao não se explicar essêncializa movimentos de prazer no dançar, no cantar e no ouvir. E enquanto os porcos chafurdam na política de interesses duvidosos, a música se eterniza purificando a existência ligando a realidade a um prolongado sonho dionisíaco.
Mas queremos esse sonho para todos! Esta é a razão de ser da Arte. E por isso é tão dificultada como sendo uma expressão impudica do Amor. Os aristocratas sifilíticos da “nota”, da burocracia e da política não suportam a defesa da beleza e da poesia da velha Grécia, pois só obedecem e entendem a circulação do seu dinheiro. Ora, como introduzir a Arte em tal espaço? O nosso “PATRÍCIA” é uma espécie contida de retorno a Dionísio, pela alegria musical de uma jovem Soprano. E da nossa parte apenas a elevamos como devoção a beleza da música de Bach ou Vila-Lobos. E como bem expressava Nietzsche::”Quem não amar com sabedoria desespera-se com o poder do amor.” É um pouco como vemos a função da música de qualidade: ao mesmo tempo interior e exterior, só que sagrada.
Eu sempre quis homenagear de algum modo a música erudita, enraizada em mim desde a juventude. Mas não sou teórico, nem profundo. Apenas me deixo levar por conceitos musicais que não domino, ao contrário da parceira e co-diretora Ana Terra. Mas é pela música que me deixo repousar. Que me procuro na representação positiva de um mundo que nunca gostamos. E ela nos ajuda como força, alimento, poesia e beleza. Talvez seja a única Arte nascida para aceitação de todos pois não necessita de nenhum tipo de interpretação como o cinema, o teatro ou a filosofia. A boa música popular ou erudita está além de convulsões comerciais e simpatias. E raramente é obscurecida como mercadoria de segunda, manipuladíssia pela TV. Televisão que só se alimenta de excremento.
Claro que se pode gostar mais de Bach que de Wagner ou Vivaldi sem que isso invalide a importância de qualquer um. Todos ultrapassaram a grandeza do discernimento imediato. Ou seja, a habilidade da boa música é uma espécie de refinamento da alma humana. Falo aí como degustador da beleza a serviço dos homens. Precipito-me na grandeza da contemplação de uma jovem Soprano, professora e Mulher apaixonadíssima pelo seu ofício. Chegamos a Patrícia Vilches me apresentada por Ana Terra com quem divido a direção deste novo trabalho sobre a música erudita e a sua representação no mundo de hoje.
“PATRÍCIA” é uma pequena classificação da vontade criativa como potência. Não é uma interprete canhesta da nossa sofrida aprendizagem da sensibilidade musical. Nos deixamos levar arrastados de um lado pelo desconhecimento profundo do tema, e do outro pela paixão aplicada ao crescimento do humano no grandioso lago da harmonia possível com o Outro. Ou seja, não fizemos cortes ou malabarismos publicitários conhecidos no mundo do baixo cinema-televisivo. “PATRÍCIA” que estávamos conhecendo e descobrindo, habilmente nos conduziu afetivamente à todos. Não como professora, mas como ser humano.
A grandeza do filme se divide entre a Soprano Patrícia Vilches e as músicas que livremente ela escolheu cantar. Mas foi além do cantar. Deu grandeza e importância aos seus compositores preferidos e a todos nós. E aí me refiro a Ana Terra, Renaud Leenhardt, José Carlos Asbeg, Sindoval Aguiar, Vivian Lacerda, Eugênio Hollanda, Dília Tosta, Tatiana Tsai e a Marcelo Ikeda. É um pequeno filme de alma grande. Uma carta de amor de todos a restituição da música como elemento de formação necessária para um povo mais sensível. De uma nação ainda jovem. Um trabalho que quer ser útil a saúde emocional de todos. Claro que estou falando em nome de todos. Outros podem pensar de maneira diferente.
É um trabalho simples, próximo, terno, afetuoso como foi o nosso “ANA TERRA” e o “ANALU”. Nos permitimos dar legitimidade ao afeto tão artificializado pela TV e pela publicidade. E talvez a graça esteja justamente aí: o de reinventarmos o essencial do nosso lado humano, o respeito, a ternura, o afeto, o humor, o saber...e por fim a vida. Uma vida mais pura, menos inventada pela técnica e mais vivida por todos. Ou seja, não estamos fechados para nada. Produzir o aparentemente comum pode ser também audacioso se nos deixarmos surpreender pelo lado afetivo da criação. E como o gozo, aí nunca nada se repete. Mesmo porque trabalhamos temas e pessoas grandiosas na liberdade da Criação.
Nos permitimos observar quietos a docilidade irresistível da música a serviço do sentimento humano. E se a atual peste do mundo chama-se poder, o seu desmembramento só será possível com o saber e a sensibilidade. Do contrário fundamentaremos como colaboradores a aceitação do horror velado que se tenta impor ao mundo. E a Arte de modo algum se identifica com a fraqueza dos muitos discursos que nada dizem. Discursos de ontem e de hoje. E as mesmas ladainhas de sempre.
Cantando a sua pequena revolução-possível a Soprano Patrícia Vilches me remeteu a Albert Camus que sabiamente dizia: “Não existe vergonha em ser feliz. Atualmente o imbecil é rei, e eu chamo de imbecil aquele que tem medo de ser feliz.” E é por onde passa a voz da Soprano: pela vida, vivida. Pelo coração esperançoso de felicidade onde tudo é permitido, menos a submissão ao mercado de inutilidades, consumo e exploração pela má-fé da música comercial descartável. E lamentavelmente é claro que não interessa a TV aberta, a sensibilidade como experiência humana do saber ser para o coletivo.
Patrícia Vilches é uma convulsão de bom humor e simpatia. Admitir a sua importância é de certo modo ultrapassar generalizações que acabam por só justificar o mercado de aberrações. E se é disso que vive o sistema, somos obrigados a questioná-lo na sua indiferença pela beleza. Daí o final como nossa habilidade, dos que preferem o inútil lado da vida: o poder do dinheiro, da avidez, dos negócios duvidosos, dos discursos que nada dizem, do oportunismo, da pilantragem, do “sucesso”, da fama... E se ainda existe alguma grandeza em remar contra tudo e todos, o seu núcleo chama-se: beleza, saber, poesia, Democracia, respeito, simplicidade, afeto, natureza, ousadia, ética, luta, vontade, leitura, criatividade, conhecimento, humor, Amor e sensibilidade; E por fim , a existência de uma guerreira chamada Patrícia Viches. Que se abram os corações para vê-la e ouvi-la! Vamos ao filme!
F I M
Luiz Rosemberg Filho/ 2012
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