CHACINAS,
MASSACRES
E A
SOCIEDADE AMERICANA
ROBERTO
ROMANELLI
MAIA
ESCRITOR,
JORNALISTA E POETA
Quando leio ou ouço comentários sobre a evolução
do ser humano e da humanidade, não posso deixar de manifestar minha
perplexidade e discordância quanto ao fato do Homem, como espécie, ter
de
fato evoluído ou pelo menos abandonado parte do que foi uma sucessão de
violências cometidas entre irmãos.
Nessa longa lista de iniquidades, constam
guerras, revoluções, massacres, genocídios, assassinatos, roubos,
estupros,
perseguições, sob os mas torpes pretextos e todas as possíveis e
inimagináveis formas de degradação humana, na sua pior essência e
natureza.
Sem
entrar em considerações, que meus leitores poderiam analisar como
de caráter filosófico, que não é caso, nem é a pretensão do presente
artigo,
o que todos nós pudemos constatar nesses últimos dias foi a ocorrência
de
mais um massacre ocorrido nos Estados Unidos, na cidade de Newton em
Connecticut. Massacre cometido por um jovem, Adam Lanza, que
aparentemente
mesmo apresentando sintomas de uma inadaptação social, não possuía
razões
concretas, nem objetivas, para o cometimento de tal barbárie.
Registre-se que desde Columbine, em 1999,
aconteceram nos Estados Unidos outras 31 chacinas, sem que nenhuma
medida
séria, como seria o caso da proibição da venda de armas semi-
automáticas,
consideradas armas de uso na e para a guerra, fosse tomada pelos
Presidentes
americanos, nem pelo Congresso.
É do conhecimento público que ambos os poderes,
o legislativo e o executivo, leia-se em especial os Presidente dos
Estados
Unidos, estão subjugados e não desejam contrariar a poderosa NRA,
Associação
Nacional do Rifle, formada por 4 milhões de pais, de filhos, que
impedem,
através de lobbys poderosos, quaisquer mudança que sejam restritivas à
venda
e ao acesso de armas na legislação americana.
Outra poderosa Associação, a
Open Right Arms, também ativamente interessada na manutenção da
legislação
atual sobre armas, defende o direito de cada americano portar uma arma,
de
forma livre e sem restrição. Sem a
necessidade de que ela seja escondida dos outros e para tal justifica
esse
direito baseado na existência de uma emenda constitucional na Carta
Magna dos
Estados Unidos, que completou 222 anos, quando a realidade sócio-política
e econômica era totalmente
diversa dos anos que se sucederam e do mundo atual.
Chega-se ao extremo de se
permitir a entrada de armas nas escolas; o Estado de Michigan aprovou
recentemente esse direito, revelando a força dos lobbys ligados a
indústria
bélica e aquela de armas nos Estados Unidos.
Essa é
a principal razão pela qual entre os 50 estados americanos,
apenas Illinois e a cidade de Washington não permitem o uso e o porte de
arma, de forma visível ou oculta, dentro de mochilas ou do porta luvas
de
carro. (por razões claramente de segurança das autoridades
federais)
Esses
fatos comprovam ser a sociedade americana uma sociedade
permissiva, geradora de uma realidade social causadora de ações de
violência
individual e coletiva, previsíveis e esperadas, a qualquer hora.
Em
números, o quadro é dantesco, visto que dados
recentes apontam a existência de 300 milhões de pistolas, de
metralhadoras e
de revólveres, de posse dos americanos. E 69% da população revela que já
disparou uma arma em algum momento de sua vida.
Além disso, 47% dos
americanos possuem pelo menos uma arma em casa; o movimento financeiro
gerado
por essa indústria alcança a cifra inimaginável de US$ 34,1 bilhões de
dólares por ano somada a outras dezenas de bilhões de dólares,
resultantes da
pesquisa, fabricação de componentes, peças essenciais agregadas,
intermediação nas vendas, e distribuição dos armamentos.
As vendas cresceram no último
ano em 38,5% o que, em uma época de crise nos Estados Unidos e na
maioria dos
países, demonstra de forma inconteste, o crescimento da beligerância e
da
violência na sociedade americana. (último dado disponível)
Estas ações de extrema
violência, que ocorrem frequentemente nos Estados Unidos aproximam-se em
suas
motivações e causas ao terrorismo islâmico sem que, no entanto, a
sociedade
americana tenha como identificar e responsabilizar um inimigo externo,
como
no caso dos atentados cometidos por radicais e extremistas
islâmicos.
Esse
ato sacrificial de alguns americanos, que executam tais
barbáries, exprime toda um pensamento negativo de milhões de cidadãos
americanos contra a sua sociedade, consumista e alienante, em seu máximo
extremo.
Deixa
claro que se trata de uma vingança de elementos inconformados,
socialmente disfuncionais, lutando contra o que consideram o mal, porque
na
sociedade americana localizam a razão para a existência de suas
disfunções e
de seus problemas de compatibilidade e de adaptação.
Não se pode ignorar que os Estados Unidos, país
que se considera exemplo e líder do mundo, apresenta dentro de suas
fronteiras, um aumento da pobreza real, de seus
habitantes, que é patente devido ao desemprego e a
insatisfação social e econômica, só comparável à época da recessão
americana.
Nunca nos Estados Unidos
revelou-se uma crescente e real fobia, uma perseguição e uma
descriminação
contra imigrantes legais e ilegais, oriundos da Ásia, da África, da
América
Latina, e em especial dos países árabes e islâmicos, tão clara e
crescente, a
ponto de lideres comunitários dessas etnias virem a púbico para a
denunciar.
Sublinhe-se que
essa mesma
postura agressiva e perseguitória não acontece quando se trata da
entrada de
cidadãos de Israel que são, pelo contrário, bem recebidos e rapidamente
incorporados à sociedade americana.
Diante de todos esses fatos não surpreende que
tenha sido bem mais fácil apontar como causas motivadoras da chacina as
tradicionais justificativas, razões e causas indicativas do fato de que
Lanza
era filho de pais divorciados e que sua mãe, igualmente uma mulher
problemática e, também, disfuncional, tirou-o da escola, deixando-o
estudar
sozinho, sem nenhuma assistência familiar realmente digna desse nome.
Dentro
desse quadro dramático, tão a gosto dos analistas, dos
psicólogos e dos cientistas sociais, que não entendem a necessidade de
se
construir uma sociedade e uma família, onde todos ou a maioria dos pais
possam se manter unidos ou casados, as crianças, os jovens e os
adolescentes,
em um momento critico de sua existência, identificam na própria
sociedade
americana a origem de seus problemas de adaptação e de convivência
social.
Deparam-se,
e necessitam conviver e interagir no dia a dia, com uma
cultura consumista, voltada para a violência, para as armas e para a
guerra,
sem que de fato possam ver traduzidas as suas contestações e o
sentimento de
revolta contra tudo aquilo que os torna párias, dentro da aparente e
falsa
normalidade social, vigente na atual classe média americana.
A necessária e a consequente
sociabilização dos filhos deixou de acontecer, através de uma real
educação
familiar e de uma escola, onde práticas do bullying sejam de fato
proibidas e
excluídas do dia a dia escolar, na prática, em milhões de lares e de
famílias
nos Estados Unidos.
Hoje,
eles estão á solta, nas ruas, e em todos
os lugares, nas escolas, templos, cinemas, bares, etc. São jovens
revoltados
porque perderam seu espaço, seu emprego; possuem problemas de
relacionamento
com outros jovens na escola, na família ou no trabalho. Apresentam
desequilíbrio mental, quadros clínicos patológicos, sintomas de
bipolaridade
e, sem nenhuma dúvida, uma propensão
adquirida em poucos anos de vida para atos e ações violentas.
Mas acima de tudo o que já acontece em materia
de violência, há anos
nos Estados Unidos, é a certeza de que chacinas, massacres e crimes de
tal
monta, continuarão a ocorrer nesse país se, em pouco tempo, as
verdadeiras e
reais causas não forem corrigidas e encaradas de forma séria,
responsável.
Massacres
também continuarão a acontecer, semelhantes a estes que
ocorrem habitualmente nos Estados Unidos, numa frequência além de
qualquer
explicação simplista, que em geral são manifestas e expressas por
cientistas
e estudiosos, que se consideram “experts e entendidos” nessa questão.
Fato é
que não podemos esquecer que sempre que sucede uma chacina
idêntica nos Estados Unidos, os americanos da chamada "maioria
silenciosa e da classe média", sempre buscam o óbvio, para toda a
violência justificar, mas nunca as razões fulcrais, como afirmou Michel
Moore. Para ele a causa primeira desses massacres é a própria cultura
americana, já que até a arma usada por Lanza levou o nome (Bushmaster)
como
homenagem ao Ex-Presidente americano Bush.
Diante desse tipo de
homenagem, o que pensar?
Qual seu significado, senão o
de avalizar toda uma política interna e externa, voltada para a
violência,
para a guerra e para o domínio de povos, por uma superpotência que decai
ano
após ano e se esvai no sangue dos seus cidadãos.
Ainda assim, os Estados
Unidos continuam a enviar a mesma mensagem e o mesmo recado para o
mundo: nós
somos os guardiões da Terra e cabe a nós decidir por toda a humanidade
quais
os caminhos que ela deve trilhar!
Sabemos
que muitos que se deixam manipular e influenciar pela
propaganda estadunidense defendem tal postura e acreditam que de fato os
Estados Unidos são a “ terra prometida”, onde todos serão felizes, bem
sucedidos, realizados. E que esse país é o lugar ideal para que seus
filhos e
netos cresçam, alcancem o sucesso e vivam em paz!
Doce engano e triste mentira!
TELA: bosch
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