quarta-feira, 10 de julho de 2013

LOBÃO









Lobão contra os lobos vestidos de cordeiro

Lobão *

Título Original: CARTA ABERTA AOS QUE PARTICIPARAM DA PLS129/12
Venho por meio desta carta aberta insistir em algumas perguntas que ficaram órfãs de respostas durante o período de implementação desse urgente, instigante e misterioso projeto de lei.

Perguntas que tiveram suas respostas negadas ou, simplesmente, ignoradas por esse grupo como se o restante da classe não existisse e que,ungidos por um direito divino, tomaram para si a sagrada incumbência de, num golpe só, salvar o direito autoral no Brasil, mesmo que para isso pagassem o alto custo de evitar o debate amplo com seus colegas tratando-nos de forma desrespeitosa e truculenta, nos enfiando  reformas profundas goela abaixo, designando uma insólita interferência governamental no funcionamento das entidades privadas de classe que administram os direitos autorais do país.
Gostaria muito de saber por que essa aventura assimétrica pela nossa exclusão e irresponsável pela associação com o governo vem acontecer justamente na hora em que a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação, vinculada ao governo federal e responsável pela execução musical em várias TVs e rádios públicas) está sendo posta no Judiciário pelo ECAD, pois não paga nem jamais pagou os direitos autorais devidos? A cifra já ultrapassa 1 bilhão de reais.
Fiscalização? Todos queremos mais fiscalização e transparência, mas como ter mais fiscalização e transparência com atitudes tão intrigantes? Colegas à procura de esclarecimentos foram ao encalço da Ministra da Cultura, Marta Suplicy, do PT e do Senador Randolfe Rodrigues, do PSOL, e eles não souberam dar explicações mais detalhadas sobre a tal estatização.
Então a lógica seria essa: procurar o governo que nos é devedor e instalá-lo no nosso galinheiro para “controlar” a arrecadação? Não faz o menor sentido, principalmente sendo público e sabido termos um dos governos mais corruptos da história.
Quer dizer que a partir desse projeto, o Ministério da Cultura é que arbitrará as regras de gestão das associações, retirando dos legítimos titulares o direito de definirem como deverão ser administradas as associações que criaram? Isso é anticonstitucional!
A intervenção governamental em uma esfera privada fere a Constituição Federal que reserva ao criador intelectual, às suas associações de classe ou sindical, a exclusiva gestão e fiscalização do aproveitamento econômico de suas criações.
E toda essa festa acontecendo no momento em que o governo vem recebendo severas críticas populares, com manifestações de protesto de todos os espectros e de todos os feitios, numa queda de popularidade sem parâmetros na história brasileira. Num momento em que o governo, desesperadamente tenta enxugar seus gastos astronômicos, aparece no Ministério do Planejamento um organograma do novo órgão regulador, repleto de diretorias e com dezenas de cargos comissionados!
E tem mais... A promulgação da lei e a instituição deste critério causarão grande instabilidade no sistema de cobrança, podendo causar imprevisíveis resultados nos rendimento dos autores.
Gostaria muito de saber o que significa algo como: “...a cobrança será sempre proporcional ao grau de utilização das obras e fonogramas pelos usuários no exercício de suas atividades”. Como será aferido? O usuário vai executar primeiro e depois pedir autorização e pagar? Isso, pelo que tudo indica só favorece as rádios, TVs, telefônicas, grupos da internet.
Não sou contra modificações no ECAD, mas esse projeto nos congela como aconteceu com a famigerada OMB que não sai de cima desde 1960 (se acabarem com ela os músicos perdem direitos adquiridos na lei federal).
E não é por coincidência cósmica que um dos autores da PLS129 é Ronaldo Lemos, que trabalha na FGV, uma fundação que recebe rios de dinheiro da União e que representa no Brasil o Creative Commons e muitos outros grupos que não querem pagar nada.Todos esse grupos são muito ricos e muito agressivos, daí esse confusão toda: Como  nossos ilustres colegas vão se aliar àqueles que não querem nos pagar? Podem explicar?
Outro aspecto que não poderia deixar de nos intrigar é a ausência do jabá (propina paga aos usuários, rádios e TVS para execução massiva) nisso tudo: se existe esse ímpeto incontrolável de moralização da arrecadação, por que cargas d’água isso não acontece na seara da execução?
Sim, pois se temos uma execução fraudulenta, com 99% delas acontecendo sob a égide desse tenebroso JABÁ, como poderemos ter arrecadações não fraudulentas?
Por que esse item fundamental foi excluído? Por que o então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, acabou por engavetar um projeto de lei anti jabá que estava sendo redigido pelo deputado federal do PT (PE), Fernando Ferro, lá pelos idos de 2003? Isso faz algum sentido?
E faz algum sentido um ex-ministro da Cultura assim que deixa o ministério se beneficiar da Lei Roaunet para um projeto de um novo disco? E continuar se beneficiando ao longo desses anos com outros tantos estapafúrdios projetos assim como a maioria  esmagadora de seus colegas consagrados?
Conviver com essa realidade asquerosa é, no mínimo, constrangedor. Não é interessante perceber que o núcleo desse grupo que tomou a dianteira do PLS129/12 é justamente o mesmo que anda mamando na Lei Roaunet? Paula Lavigne, Flora Gil, Gilberto Gil, Caetano Veloso entre muitos...
É curioso verificar um grupo constituído por artistas tão chegados à Rede Globo, outra que está nos devendo milhões (o Roberto Carlos tem seu programa anual, os outros, com execuções massivas em telenovelas e alguns tantos, em negócios vários com a Globo Filmes), esteja com todo esse ímpeto de nos doar prometeicamente a alforria dos direitos autorais, quando, ao mesmo tempo, nos manda de forma imperiosa calar a boca sempre usando daquele cacoete sórdido de ridicularização do meu discurso e atacando a reputação de quem quer que venha causar algum tipo de obstáculo aos seus interesses pessoais.
E no episódio da numeração de CDs?

Recorri na época, de imediato, a Gil e Caetano por saber de nossas diferenças e por isso mesmo os coloquei a par do processo todo, obtendo a palavra dos dois em assinar o manifesto e caminharmos junto em benefício de um projeto histórico da nossa classe, de anos de luta e na semana seguinte, sem nenhum aviso, sem nenhum motivo aparente, os dois vão a público me defenestrar me chamando de maluco e.... comunista! Caetano escreveu um artigo dizendo que “não fazia parte daquela turma”. Lastimável. Isso não é atitude que se espera de um Homem.

Pois são essas mesmas figuras que protagonizam essa mais recente patuscada, que adentraram o Congresso Nacional com seus asseclas, desavisados e cupinchas, causaram frisson entre os senadores, conversaram a portas fechadas com o ilustre Renan Calheiros, posaram para a posteridade e depois foram beijar a mão de uma Dilma Rousseff que, incrédula e embevecida por receber apoio tão improvável em hora tão difícil , declara mui oportunamente ter se espelhado naquelas impolutas criaturas (no caso, Caetano Veloso e Roberto Carlos). Eles mereceram ouvir isso.
Além desse compositor que escreve essa carta, gostaria de deixar claro ao público em geral não se tratar de uma atitude isolada, solitária, como alguns podem imaginar. Somos muitos, entre veteranos e iniciantes, famosos e anônimos, todos profissionais da canção. Entre eles estão Aldir Blanc, Martinho da Vila, Paulo Cezar Pinheiro,Toquinho, Dory Caymmi, Carlos Lyra, Ferreira Gullar, Joyce, Beth Carvalho, Capinan, MPB4, Chico Cézar, Flora Purim, Airto Moreira, Maurício Einhorn, Antonio Adolfo, entre tantos outros.

E para encerrar, gostaria de dar voz a um autor anônimo que escreveu a sua contundente recomendação ao grupo:
Senhores artistas que participaram da campanha de aprovação da PLS 129:
Sou um simples músico e compositor brasileiro, não sou famoso, não apareço na tv e meu nome é apenas mais um entre milhares de outros que não fazem parte da constelação de grandes nomes da música popular brasileira que, essa noite, defenderam com tanto empenho a aprovação da PSL 129 no senado.
Quero lembrá-los, que os senhores tomaram uma decisão em nome de milhares de pais de família, trabalhadores que dependem exclusivamente da atual, insatisfatória ou não, arrecadação de seus direitos pelo ECAD. "Grandes artístas" não significa, como tentaram usar, "Todos os Artistas". Muita calma nessa hora ! Queremos mudanças. Mas também queremos SEGURANÇA !
Quero que fique bem claro que serão reconhecidos, aplaudidos e seremos eternamente agradecidos se realmente, essa luta de vocês refletirem em nossos demonstrativos. Por outro lado, serão, também, igualmente responsáveis por quaisquer prejuízos em nossos faturamentos e, consequentemente, em nossa já difícil sobrevivência. 
Hoje, no senado, foi difícil imaginar um representante legítimo da grande massa de autores e músicos que compõe o ECAD. Ali, vi grandes estrelas, grandes nomes da mídia, vi grandes ídolos. Não vi o compositor que perde noites em portas de hotel e leva tapa de seguranças brutamontes em filas de camarins; carregando o sonho debaixo do braço em forma de CD. Isso mesmo! Aquele CD com o nome e o telefone do compositor escrito na capa que vocês vivem recebendo. Não vi, ali, esse autor surrado sem visibilidade nos grandes meios de comunicação e que mesmo assim insiste no sonho de fazer música. Caros amigos, vocês não levaram para o plenário hoje, apenas suas convicções. Vocês levaram nossas famílias junto com vocês. Se apoderaram da nossa tímida voz. Então, durmam com essa responsabilidade, durmam com meus filhos, comam da minha comida e bebam da minha água a partir de hoje. Espero e rezo para que tudo melhore. Mas, se piorar, não verão o brilho de grandes estrelas como vocês. Mas sentirão na pele uma tempestade de pequenos grãos de areia que somos nós.
Boa noite.
Assinado: O primeiro grão de areia.
Bem, todos nós estaremos de olhos bem abertos em todos vocês...nós e a História.

* Artigo que o músico Lobão mandou com exclusividade para meu canal, como presente de aniversário por mim solicitado.NOTA DE AGRADECIMENTO AO  BRILHANTE ESCRITOR E ECONOMISTA RODRIGO CONSTANTINO

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