sexta-feira, 16 de março de 2012

ARNALDO BAPTISTA


Grande angular da vida
Camila Svenson/ Divulgação
Let it Bed, pintura de 1991, 64 x 59 cm


A Galeria Emma Thomas abre no dia 24 de março a exposição 'Lentes Magnéticas', com 120 obras plásticas de Arnaldo Baptista
Mariana Vianna/ Divulgação

O motor da criatividade de alguns artistas acelera nas mais diferentes vias, sem aceitar restrições de tráfego, de veículo, de composição ou escola. O compositor e multi-instrumentista Arnaldo Baptista participa desse rol que abriga e traduz inspirações diversas, sem fronteiras. De 24 de março a 20 de abril, a Galeria Emma Thomas promove a sua primeira grande exposição individual plástica, intitulada 'Lentes Magnéticas'. Serão exibidas nada menos do que 120 obras, com um panorama de sua produção ao longo dos últimos 30 anos. “Essa exposição vai ser algo como uma grande angular de minha vida”, pontua Arnaldo. A mostra integra um projeto que prevê ainda o lançamento de um livro em 2013, contendo fotos e fichas técnicas dos 120 trabalhos.

São desenhos e pinturas, com técnicas como acrílico sobre tela, muitas colagens, nanquim e aquarela. Eles transportam o espectador a um universo particular que se materializa através de muitos rostos, figuras animais, paisagens oníricas, veículos, temas de ficção científica, glitter, um certo tom psicodélico, palavras, frases e relevos eletrizantes. Com direito à reciclagem de muitos elementos que aparecem em colagens: de borracha de panela de pressão a penas que caem de espanadores. A intensidade é latente: é difícil ficar indiferente a essas imagens. A galerista Juliana Freire, da Galeria Emma Thomas, relaciona a pintura dele à art brut (arte bruta) feita por artistas como Henry Darger. A autodefinição de sua paleta? “Exorealismo”, cunha ele depois de pensar por alguns segundos, evocando o prefixo grego 'exo' como algo que vem de fora.

Tão admirado por suas composições, paralelamente à música Arnaldo se tornou um prolífico artista visual. Não é justa a expressão recorrente usada para designá-lo como 'eterno mutante' quando se trata de identificar o seu trabalho unicamente à banda célebre que ele encabeçou nos anos 1960: Arnaldo lançou uma série de álbuns solo, com o grupo Patrulha do Espaço e como compositor e multi-instrumentista: inclusive, está gravando um novo long play no momento, o superaguardado Esphera, gravado com amplificadores valvulados e com Arnaldo tocando diversos instrumentos.

Por outro lado, 'eterno mutante' é ótimo apelido no sentido empírico da expressão: depois do acidente que sofreu no começo dos anos 1980, Arnaldo vem encontrando meios de desenvolver uma nova voz, novos caminhos artísticos, novas linguagens para traduzir os momentos -- moldando o presente literalmente com as mãos, e encarando as mutações com naturalidade. Ele ultrapassou a sua letra ‘Será que vou virar Bolor?’, de seu álbum Lóki: não apenas se desapegou do passado como azeitou as engrenagens artísticas, renovou-se e colocou o “pé na tábua”, como gosta de dizer, sem resquício de ferrugem ou saudosismo. Respeitando o tempo: “A vida é feita de etapas” é uma de suas frases recorrentes. Ativo e conectado, ele se comunica com velhas e novas gerações através de sua página de Facebook e Twitter.

Seu ateliê tem lugar em Juiz de Fora, Minas Gerais, onde ele mora. Conversamos durante uma de suas visitas à capital paulista para preparar a exposição e gravar uma participação no filme no filme Ricorrente, do diretor Paulo Sacramento. No quarto de hotel, relaxado, e com o sorriso aberto, ele discorreu sobre suas inspirações, a exposição e a música. A sua mulher (e fiel escudeira) Lucinha Barbosa estava lá: é a ela que ele recorre para saber o número de obras da exposição e para confirmar detalhes técnicos: “Desde que moro com ela, passei a desenvolver a minha pintura”, conta. Falante e de trocadilhos afiados, ele emana uma energia calma e, aos 63 anos, evoca aqueles criadores que nunca se afastam demais da intensidade da infância e da juventude.
Gustavo Neto e Lucas Tavares/ Divulgação
Da série Lentes Magnéticas (1994), desenho e colagem, 22 x 30 cm


Esta é a sua primeira grande exposição solo e já traz um panorama dos últimos trinta anos de produção plástica. Gostaria que comentasse.
Como músico, eu já tenho o pé na estrada faz algum tempo. Eu já gravei mais de cem canções no total, contei outro dia. Então, paralelamente, com as artes plásticas eu não sou tão conhecido assim pelo público do meio. Nesse sentido, essa exposição individual vai abranger o meu lado total. Coloquei obras desde a primeira fase em que comecei a pintar, a mostra vai abranger toda a minha criatividade: de motores à ficção científica, corpos, beleza e estilos de pintura. Vou tentar fazer uma coisa que seja uma grande angular da minha vida na área de artes plásticas.
A sua obra tem muitos retratos. Qual é a atração por pintar pessoas?
É interessante que na arte plástica às vezes a gente traduz uma coisa que não não está sabendo que tem dentro do coração, né? Eu, por exemplo, me considero um artista plástico não muito bom em rostos, eu nunca fiz curso de rosto. Então, tem todas aquelas questões de formatos ovais, maneiras de perceber a fisionomia, caricaturas... nesse sentido, estou tentando desenvolver a parte que eu acho que é mais falha em mim. Por isso que eu pinto tanto os rostos. Às vezes é isso, é o lado bonito: a gente tenta estudar tanto uma coisa que acaba se revelando uma outra parte que não se esperava.

Você também utiliza muitas colagens.
A Lucinha (sua mulher) acha que eu sou reciclador. Cato tudo de lixo, coloco no quadro e fica bonito. Às vezes é uma parte de um motor, um plástico que cai de uma panela de pressão. (Lucinha intervém e explica que até a faxineira da casa deles já sabe que qualquer coisa que caia, até uma pena de espanador, o Arnaldo vai querer utilizar nos quadros, então ela já coloca tudo em cima da mesa dele.)

Como é o seu processo de fazer essa arte? Você pinta todo dia?
É importante isso. Meu lado de artes plásticas foi meio colocado na gaveta quando eu morava com minha mãe, meu pai...

Mas você já pintava naquela época?!
Não, mas esse lado foi colocado na gaveta porque eu não tinha tela, tintas, ateliê. Então isso se desenvolveu quando eu comecei a morar com a Lucinha. Passei a ter uma casa e uma vida mais dedicada à arte plástica, com tinta, cavalete, tela, espaço, iluminação adequada... A motivação vai surgindo a partir do momento em que eu me aprimoro, em que vou conhecendo mais de perto o rosto, as roupas, as formas. Faço também naturezas mortas, naturezas zumbi [risos]. Então eu vou levando adiante isso. Isso é importante para mim em outro lado mais pessoal, é parte do meu ser. Desde que sou criança, eu acordo de madrugada. Eu sou assim. Eu me lembro que antigamente eu escutava, ficava ouvindo o relógio bater e era difícil passar o tempo. Mas atualmente eu dedico essas horas todas que eu tenho de madrugada à pintura. Quase toda noite eu acordo às 4h, às vezes 3h, 2h... Agora eu pinto nesse período, essa hora do dia é importantíssima para mim. Antigamente era uma parte obscura, sem dedicação. Agora eu focalizei para esse lado de pintura e está sendo gostoso: eu tenho rendimento da minha vida nesse sentido profundo.

Como é que você divide as artes? Como a música e a plástica se permeiam?
Interessante essa pergunta que várias pessoas me fazem. E eu fico pastando para tentar encontrar uma resposta que tenha um lado pragmático. É difícil explicar, mas nesse sentido, às vezes alguma música me inspira mais para as artes plásticas que outras. Por exemplo, quando a música é profunda como as do Yes, eu encontro uma inspiração na arte plástica, posso entrar em detalhes. Já quando a música é tipo, digamos, Beatles, isso não acontece tão forte, talvez me inspire de uma maneira romântica. Mas tem música tipo a do West, Bruce and Laing, que é um conjunto que eu adoro, que não me inspira para a pintura. Porque eu fico totalmente dedicado a escutar, e de certa forma, isso embrutece plasticamente. É uma questão de dedicação e, como eu estou começando tarde a arte plástica em relação à música, tenho a sensação de que vou tentar acoplá-las, como por exemplo, com um retrato que tivesse som.

Camila Svenson/ Divulgação
Let it Bed, pintura de 1991, 64 x 59 cm



Já que você cria nas duas áreas, como separa as inspirações? As músicas ou as ideias para telas chegam de formas diferentes?
Tem uma parte de mim que está dedicada a uma coisa que eu vi na televisão: todo mundo tem um deus, digamos no lado de beleza, uma musa ou ‘muso’. Desse modo, cada pessoa faz um ideal mental que não precisa ser exatamente igual ao do outro. Essa parte me atinge tanto na música quanto na pintura. Então, isso é um degrau que eu estou transpondo. A vida são etapas, a meu modo de ver. Então, se eu conseguir fazer esse tipo de música, que é um lado de musa, que é a origem da palavra museu. Se eu conseguir fazer esse trabalho de endeusar, para mim seria o lado de visualização de ideal.

Qual é a importância da pintura na sua vida como forma de expressão? Por que você sentiu necessidade de se expressar plasticamente?
É, tenho a impressão, novamente, que eu faço um estudo da minha infância. Para estudar música era facílimo: papai era cantor, tenor, poeta; mamãe era pianista, então tinha piano em casa, violão, era fácil. Mas na pintura não tinha nada. Então ficou difícil para eu aprender a pintar.

Tem alguém que te inspira ou inspirou nessa área plástica?
Eu fiz o ‘clássico’ (antigo nome para uma das áreas em que eram separadas as classes dos últimos anos do ensino médio) na mesma classe que o Antonio Peticov, no Mackenzie, então convivemos por anos. Foi ele que me levou adiante no sentido de estudos. Com ele, aprendi o que era o cubismo, entrei no surrealismo, Salvador Dali, o Antonio Peticov me direcionava para esse lado da pintura. Para mim era novidade, eu só entendia de música tão profundamente quanto ele de pintura naquela época... e até atualmente é difícil alcançá-lo nesse sentido.

Você falou que você pinta mais de madrugada. E em nenhum momento tem algum conflito do tempo que você dedica à arte com o tempo que você dedica à música?
É interessante você falar disso, eu tenho impulsos. Às vezes, eu passo uma semana dedicado à bateria. Em outras, passo uma semana dedicado à arte plástica. É difícil direcionar a minha inspiração do momento. Tem vezes que o quadro está muito mais na frente que a música, aí eu falo “para de pintar, Arnaldo!”. Assim eu vou me organizando. Às vezes eu penso em uma letra do Yes que diz “one of the many ones of you”, um dos muitos que você é. Penso que sou um baixista, pintor, escritor, baterista… tem uma lista do que o Baptista faz.

Por falar nisso, como está a gravação do novo álbum Esphera?
No momento, estou gravando uma música que se chama 'Senhor Empresário', da época do Patrulha do Espaço. Estou fazendo novas versões para algumas músicas dessa fase, mas agora tocando sozinho, como baterista, baixista... são várias etapas.

fonte:time out são paulo

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