sexta-feira, 23 de março de 2012
NEIVA PITTA KADOTA
O que é ser elite?
O significado das palavras pode ser alterado no decorrer do tempo. A língua é dinâmica, dizem os linguistas. Concordo. Uma palavra sofre alterações de acordo com a ideologia vigente. No passado, de todos aqueles que estabeleciam um relacionamento afetivo fora do casamento, dizia-se que tinham amantes. Hoje, a palavra amante foi substituída por namorada/namorado. Muito mais amena, anulando quase a carga negativa que a outra continha, sem que alteração nenhuma tenha sofrido o relacionamento extraconjugal quanto à sua ilegalidade.
Hoje, a metamorfose das palavras encontra-se, mais do que nunca, a serviço do poder. Por exemplo, pela ótica da política atual em nosso país, as pessoas do governo que desviam verbas públicas para a sua conta bancária, não são corruptas (termo pesado), elas apenas praticam “malfeitos”, segundo a presidente. Se forem do seu partido, claro! Os demais continuam corruptos e cometem os graves crimes chamados, pelo PT de outrora, “crimes de colarinho branco”. Ou seja, os ricos, os empresários, os banqueiros e os políticos da oposição. Estes últimos, por serem em sua maioria oriundos de famílias com melhor poder aquisitivo, são classificados como elite, com uma conotação muito negativa. Como se aqueles que nasceram em famílias estruturadas, cujos pais conseguiram oferecer uma boa educação a seus filhos, e muitas vezes à custa de grandes esforços, privando-se mesmo de outros sonhos para que seus descendentes pudessem “ser alguém na vida”, são vistos ambos, atualmente, como indivíduos nefastos à sociedade, “personas non gratas” ao sistema porque “não são trabalhadores”. São eles rotulados de “exploradores” das classes menos privilegiadas. Ainda que sejam professores e que trabalham muito para educar, indiferentemente, os filhos dos ricos e dos pobres.
O que me leva, nesta crônica, a criticar a postura ensaiada do poder vigente para cristalizar essas frases e essas ideias na mente dos menos esclarecidos, fazendo assim com que eles (pura massa de manobra de seus líderes) se revoltem contra os que parecem ter mais do que eles, foi um incidente nesta semana, na Avenida Paulista, o orgulho dos paulistanos. Sim, orgulho, mas que vem se transformando cada vez mais em um inferno por aqueles que querem macular a imagem de São Paulo, ou melhor, da administração do Estado e da Prefeitura, por motivos já conhecidos: apoderar-se do último reduto de resistência ao PT para este se tornar um poder hegemônico, ou seja, totalitário no país.
Vamos aos fatos. Na manhã de quinta-feira passada, a segunda do mês, tudo me parecia tranquilo quando saí para um compromisso de trabalho e, como preciso fazer caminhadas, resolvi ir a pé. Na volta, fui surpreendida por uma multidão, um aglomerado compacto, que tomava toda a calçada e impedia os transeuntes de ir em frente. Educadamente comecei a pedir licença, mas pela fúria enlouquecida e pelos “gritos de guerra” dos sindicalistas contra os patrões e o governo paulista eu não era ouvida. Insisti várias vezes, e sempre de forma educada, até que um deles se virou e com olhar de desdém gritou: “Essa elite...!”.
Depois de todo o transtorno, vim para casa pensando por que fui classificada de forma pejorativa como “elite”? Eu não me vestia de forma sofisticada, apenas discreta; não usava joias nem bijouterias; estava a pé, como eles, e realizando o meu trabalho. Apenas falava em voz baixa, solícita, e não aos gritos, como toda pessoa da minha faixa etária e bem educada. Se isso significa ser elite, eu sou, e agradeço muito a meus pais por essa dádiva. Se ser elite é ter estudado com afinco e dedicação e vencido as barreiras financeiras com que a vida de repente nos surpreende, eu sou elite e me orgulho disso. Se ser elite é ter recebido Bolsas de Estudo da CAPES e do CNPQ para os cursos de Mestrado e Doutorado, pelos projetos com qualidade que apresentei, desenvolvi e publiquei, para que outros possam usufruir dessas pesquisas, e não por um atestado de pobreza apenas como se vê hoje, eu me sinto muito envaidecida com esse novo título e vou usá-lo agora com todo o respeito que ele merece.
Descobri, então, que pertenço a uma elite intelectual. Eu sou elite! Que honra!
Obrigada sindicalistas!
NEIVA PITTA KADOTA
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