quinta-feira, 28 de junho de 2012

NEIL FERREIRA








Cachorro louco solto nas ruas
Neil apavorado Ferreira

Chamem a carrocinha. Mesmo tendo sido vacinado, sinto medo de tentar falar de duas coisas que eu pensava que não existissem  mais nestas latitudes. Latitudes: regiões em que latem só cachorros saudáveis  e vacinados com a vacina tríplice, que inclui a contra a raiva. Regiões que se mantém à relativa mas segura distância do “país dos mais de 80%”.
Os mais antigos como eu, da geração hoje premiada com raros cabelos brancos e sabedoria ancestral, ancestrais de nós mesmos que somos, não esses moleques travessos e gatinhas gostosas de apenas uns 55, 60 aninhos  que, saltitantes, povoam os comerciais de produtos geriátricos milagrosos e de casas de repouso, verdadeiros spas para quem pode pagá-las.
Nós, os detentores da sabedoria revolucionária contida no “Livro Vermelho” do Comandante Mao, temos pleno conhecimento do que seja cachorro louco solto nas ruas, na nossa época recolhidos pelas carrocinhas, com enormes riscos para os  mal pagos trabalhadores públicos. 
Uma lenda urbana, que a meninada conhecia de trás para diante, contava que a carrocinha levava os cachorros apreendidos para  fazer sabão. Nunca vi um sabão feito com cachorro apreendido nas ruas. Talvez os captores comessem o butim, ensopado ou assado, segundo milenares receitas chinesas.
 Naqueles tempos bíblicos, não havia PT e nem cumpanherada. Os trabalhadores públicos trabalhavam de fato e pra valer. Não havia vaga de garagista da Câmara de Vereadores, ganhando 23 mil pilas por mês,  sem nunca aparecer na garagem, nem para bater o ponto.
As catiguria num vévía fazeno grévi nem ameaçano  di  fazê-las  elas. Não sabotavam  o metrô quase dia sim dia não, atirando milhões de pessoas à Rua da Amargura, para percorrê-la a pé horas a fio, para não perder o dia, e não raramente o emprego.
Trabalhador que trabalhava sentia orgulho, não apenas canseira, mal estar e raiva, mais tarde insufladas pelos ex-querdistas,  por ter tabalhado o dia inteiro. O Partido dos Trabalhadores  é contra os trabalhadores que trabalham. Seu principal (e suspeito que único) comandante, desde o princípio dos tempos, fez uma vitoriosa carreira armando greves.  Greve, sabe-se, é ter aumento de salário e receber o aumento e o salário  “dos dias parados” sem trabalhar e, eventualmente, levar à falência sua fonte de trabalho.
Relembrada a carrocinha, apresento aos mais jovens o cachorro vitimado pelo virus da raiva. Geralmente apresenta-se de olhos esbugalhados, expressão de dor insuportável que talvez seja real, há as que desconfio fingidas, babando, rosnando, latindo sem parar. E mordendo.
Quando criança em Cerqueira Cezar, eu e mais uns 5 moleques fomos mordidos por um desses indivíduos de rua, certamente não vacinado, desparecido logo depois do ato criminoso,  que nos vitimou em plena luz do dia.
O único médico da cidade receitou o único medicamento então conhecido, não lembro o nome e nem sei se ainda existe, já que os cachorros loucos sumiram da paisagem – 31 injeções na barriga, em volta do umbigo, uma por dia.  Há quem ache, lendo os meus textos, que não fui curado de todo. Não fui; mantive esta condição em rigoroso segredo até agora.
Não tenho sabença científica para saber como os cachorros são contaminados. Já ouvi falar que os morcegos transmitem o virus da raiva, não entendo como  os transmitem. Dizem que os macaquinhos que vem comer banana na minha mão no meu jardim, também os transmitem e se fui mordido por um deles e estou contaminado, não percebi.
Neste caso, eu poderia contaminar o Fedegoso e o Chicão se os mordesse à traição. Isso nos leva ao dilema ainda não resolvido por nenhum Darwin evolucionista: quem nasceu primeiro, o virus da raiva ou o cachorro  ? O ovo ou galinha ?
Afirmo com toda convicção mas sem nenhuma prova , que identifiquei como contaminada a presença nestas capitanias  de um Cérbero feroz, amedrontador, exibindo baba pastosa escorrendo pelos cantos da bocarra,  ganindo  ganidos lancinantes, rosnados ameaçadores, dentes arreganhados, latindo com franqueza  “Pra ganhá a inleissão vô mordê as canela dus inimigo”. Vai. Já está.
Elle avisou que vair morder canela.  Eu aviso: chamem  a carrocinha e tomem vacina antes que seja tarde demais.“Quem avisa amigo é”, avisa a vox populi vox Dei.

“Vô mordê as canela”, ameaçou;  focinheira nelle.

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