Com imensa satisfação, entrevisto o polêmico e emblemático diretor de cinema,escritor,artista plástico LUIZ ROSEMBERG FILHO, artista plástico na cidade do Rio de Janeiro. Foi roteirista de Adyós General e Viva a Morte.Dirigiu Assuntina das Amérikas, Crônicas de um Industrial e O Santo e a Vedete – até hoje inédito nos cinemas brasileiros.
grato! eis ai algumas perguntas:
1- Como foram seus primeiros contatos com o cinema,os primeiros filmes que impressionaram sua visão de mundo?
– Lá no passado eu gostava muito dos musicais de Hollywood
como A RODA DA FORTUNA, MEIAS DE SEDA, ALTA SOCIEDADE... Aí fui com meu saudoso
pai ver uma peça de Brecht num teatro no centro da cidade, e fiquei achando que
os musicais poderiam ser melhores no sentido dos temas a serem abordados. Em seguida vi na Cinemateca do MAM, ou num
cineclube da ABI dois grandes filmes que me fizeram pensar o cinema como
história: CINZAS E DIAMANTES do genial Wajda e MADRE JOANA DOS ANJOS do
Kawalerowitz. Daí pra frente foi Eisestein com IVAN, O TERRÍVEL, Bergman com
MORANGOS SILVESTRES, Resnais com HIROXIMA, MEU AMOR e ANO PASSADO EM MARIENBAD,
Jean-Luc Godard com ACOSSADO, Antonioni com A AVENTURA, Fellini com A DOCE
VIDA...até
Chegar em DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL, OS FUZIS, VIDAS
SECAS e TERRA EM TRANSE. Aí passei a pensar em fazer cinema. Pensar e fazer,
sem cair na ilusão das festinhas e festivais, mas para pensar a fundo o mundo
das imagens e das idéias.
2- Voce conheceu GLAUBER ROCHA, como foi, qual a grande lição de vida e cinema que ele nos deixou em sua opinião?
Glauber foi tudo para nossa geração: substância, poesia,
história, política, ousadia, consciência, alma, êxtases, prazer, beleza...
Nenhum cineasta brasileiro se aproximou da sua ousadia de revolucionar a
linguagem, dando sempre exterioridade poética as sua idéias. Continuo achando
DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL e TERRA EM TRANSE, os nossos filmes mais
importante para a história do cinema brasileiro. Glauber foi um Vila-Lobos das
imagens e até hoje não foi superado. Marcou e ficou. Daí essa garotada
envelhecida vinda da publicidade, o detestar. Ele não era um fabricante de
“idéias” e imagens sem um pensamento profundo bem brasileiro. Não o
Brasil-espetáculo, mas o país e suas contradições. E que são muitas, né?
3- A impressão que tive ao ler alguns livros sobre GLAUBER ROCHA é que ele era um furacão, não compreendido pelas esquerdas e uma ameaça constante para os tradicionalistas. Como voce e cineastas como GLAUBER enfrentaram os anos da repressão militar, e o domínio da televisão colonizada ?
Bem, os Anos de Chumbo foram uma merda para todos. Era um
corpo-morto que tínhamos que ter em mente 24 horas por dia ao longo de duas
décadas. No cinema ou fazia-se bostas como INDEPENDENCIA OU MORTE, ou ficava-se
nas mãos sujas e imundas de uma censura enloquecida. Desejada pelo capital, mas
odiada pelos que ainda pensavam. Penso que de certo modo a televisão é a sua
continuação. Esse papo-furado que é só entretenimento, é demasiado simplório
pois ela entra na casa de qualquer um, a qualquer hora e vomita seu culto ao
consumismo, canastrice, espetáculo, poder, prostituição e a ideologia das mais
baixas vindas dos programas religiosos. Isso nunca foi televisão e sim
manipulação ideológica. É a casa grande mandando na senzala em que foi
transformado o mundo. Pena.
4- Quais filmes de sua autoria voce gostaria de ser lembrado,e por quê?
Me creia que não tenho mesmo nenhuma preocupação de ser
lembrado por este ou aquele filme. Graças a televisão o preconceito se apossou
dos tempos e seremos todos esquecidos. Uns mais lentamente, outros mais rápido.
O que eu gostaria que ficasse era uma vida melhor para todos. Que pudéssemos
desfrutar os últimos anos de nossas vidas com igualdade, encantamentos e paixões.
Que a televisão fosse mais responsável, e menos zona fechada ao saber. Tirando
o programa do Diniz o OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA da TV Pública, eu não consigo
suportar nada por muito tempo. É tudo meio circo né? Do circo da ocupação de
Hollywood, ao circo político. Haja saco!
5- Eu estou profundamente impressionado com os filmes do PASOLINI, penso nele como um artista-guerreiro, que lutou bravamente contra todos os dragões da maldade: o consumismo,o controle da televisão, a cultura imperialista norte-americana,a Itália fascista, a violência ,a pobreza humana. Se utilizava muitas vezes de atores amadores,cidadãos de vilarejos para encenar seus filmes e documentários.
Pasolini também não foi compreendido no seu tempo. Um
cineasta como ele que diz: “A televisão não somente deixa de contribuir na
elevação do nível cultural das camadas inferiores, mas ainda provoca nelas o
sentimento de uma inferioridade quase angustiante.” E disse isso num artigo
chamado “Neocapitalismo Televisual! Em 1958! Ou seja, nunca fez média com o
mercado ou a sociedade. Seus filmes, textos e poemas são da maior importância
pois sempre confrontou o cansaço do saber frente ao fascismo que se apossou do
mundo com o espetáculo e o consumismo desenfreado. “SALO” é um dos filmes mais
Brechtianos do cinema moderno. Deu substância as nossas idéias, e ao usar não-atores deu ao cinema uma volta
poética ao neo-realismo. Só que menos ingênuo que um Monicelli ou mesmo um
Pietro Germi. Para Pasolini o cinema sempre foi uma possibilidade de se viver
um verdadeiro sonho revolucionário. Claro que tinham que matá-lo pois a
Democracia Cristã que hoje representa o Fascismo com os seus Berlusconis, nunca
suportaram sonho algum. Ao fascismo só interessa a dor e o bode. Claro, tudo
espetacularizados.
6- Sempre digo que a TV brasileira também é incipiente,apesar da infra-estrutura milionária,mas não há mais filmes provocativos ou bruilhantes sendo exibidos em nenhuma emissora,quero dizer obras de autores fundamentais (pasolini, godard, vertov, luiz rosemberg filho, walter hugo khouri, sylvio back, peter greenway, fellini...) para as novas gerações, o que é possível fazer?
Não adianta passar um bom filme numa televisão dominada por
Faustões, Xuxas, Gugus, Hebes, Amaurys Jr, Malafaias e Leões. Todo e qualquer bom filme
se dilui nesta quantidade infinita de lixo que ocupa todos os espaços da
telinha dias, meses e anos. Ora, o que representa essa falta de substância a
abater-se sobre povos e nações? Essa indiferença gritante do humano? Esse
esquecimento de nós mesmos como potência? Nesse desprezo por tudo que poderia ser
criativo, filme nenhum marca ou marcará na TV, ou em nossas vidas frente a
telinha. O lance da TV é a lama, o crime, o lixo e a merda!
7- Quem está fazendo um trabalho significante hoje,em termos de cinema,documentário, poesia e prosa, teatro? o que vale a pena ver e saber nesta época tão confusa e conformista?
A velha-guarda continua aí dando o seu recado ao país. Me refiro
a Nelson Pereira dos Santos, Macale, Ruy Guerra, Tom Zé, Ana Carolina,
Santeiro, Tonacci, Marisa Monte, Joel Yamaji, Eduardo Coutinho, Silvio Da-Rin,
Ricardo Miranda, José Carlos Asbeg, Matico, Luis Egypto, Sindoval Aguiar,
você... Quanto a garotada que está chegando (não contaminada pela publicidade e
pela TV) gosto do Pizzini, do Marcelo
Ikeda, do Fabio Carvalho, da Isabel Lacerda, do Abelardo de Carvalho, do
Leonardo Esteves, do Scucatos... Mas é preciso dar mais tempo à todos para que
se posicionem melhor frente a futilidade crônica do nosso país. Mas, o
desassossego criativo do passado, eu não vejo em espaço algum pois a cultura e
o país se tornaram grotescos. Um insuportável tédio de frustrações, ódios e
burocracias. Aqui nada muda, né? E quando muda é para pior! Um pequeno exemplo:
a ANCINE do senhor Manuel Rangel consegue ser pior que a EMBRAFILME! A Rio
Filmes do senhor Leitão é um lixo! Mas é o país, né? E se tem que gozar com
isso! E caladinho para não ser excluído dos próximos financiamentos. Isso é
Democracia? Onde?
8- Eu considero os governos FHC/LULLA/DILMA um desastre quase irrecuperável para as próximas gerações - voce concorda ? refiro-me a falta de ética,de noção de respeito ao ser humano,desprezo pelas artes,pela educação,saúde, liberdade de pensamento,etc... não vejo quase ninguém criticando os governos,abertamente e com regularidade nos meios de comunicação.
A política também se tornou um novelão insuportável! Só se
vive nela o espetáculo, a pequenez e o desgosto. A vacuidade dos discursos
político vem desde 64, e não muda. Como mudar isso, eu não sei mais responder.
Mas claro que os meios de comunicação são mantidos por grandes verbas do
governo que só quer ser elogiado. Então, todos precisam ser vendidos como
preocupados, santos e ternos no entendimento as pequenas alegrias do povo. E
nada mais triste que essa porca relação entre a política e a comunicação, onde
a “fúria do sonhar” deixou de existir com a fundação do país. Tudo virou uma
festa macabra! E só dança quem puder entrar na corte do Bananão, de um lado ou
do outro. Mas no fundo, os dois lados são iguais. Aqui, nunca se soube lidar
com as diferenças. Pena.
9- É posasível ainda fazer cinema neste país, digo,um cinema forte,essencial, que possua aquela crueldade realçada por artaud, que possa tocar o espírito do público,tão mumificado pela globarbização (termo cunhado por TOM ZÉ)?
Artaud, Pasolini, Glauber... são hoje, forças sufocadas pelo
consumismo e pelo pobre espetáculo televisivo. O que se quer hoje é vender a
bunda da vedetinha que por ser gostosona e carnuda, foi transformada em “atriz”.
Todo o esforço é no sentido de fazer acreditar no mundo fantasioso das
“celebridades”. Tem um Pateta esperto, a meia-noite ao lado de duas barangas na
TV, que todos os dias nos vendem o mundo vazio
e inútil das celebridades como uma espécie de inquietação das múmias.
Onde o requintado é ser um idiota! Mas... serve também a globalização do
capital e das religiões. Não ao saber que é uma outra coisa.
10- Voce poderia falar algo sobre seus problemas de saúde,como está enfrentando esta batalha -lembro-me de uma tradução sua sobre JEAN-LUC GODARD nos anos 80 na qual ele falava sobre esta relação singular e reveladora entre o doente e sua doença.
Quando eu morei fora, eu dizia a Glauber que o cinema no
Brasil, matava! Ele ria e nada dizia. Acho mesmo que os melhores da
velha-guarda já se foram. Tirando o Nelson, o Ruy Guerra e mesmo o Jabor, o que
ficou é de dar pena. Até tentei uma aproximação, mas... Eu nunca soube lidar
bem com a podridão dos afetos. Recuei, né? Mas muitos amigos me perguntavam se
eu já estava louco por tentar uma aproximação impossível! Desde então, venho
tentando fazer pérolas no lixo em que foi transformado o cinema brasileiro de
mercado. Que mercado? Não está tudo ocupado? Claro que adoeci. Faz parte do
confronto, da luta e onde muitas vezes se perde. Perdi a saúde que nunca foi
muito boa., mas tô aí lutando! E mesmo doente acabei de rodar três médias
fantásticos: “TRABALHO”, “DESERTO” e tô editando “FRAGMENTOS” ao lado do
talentoso João Pedro Gaspariam Ribeiro. Quem sabe não vou sair dessa mais
forte? Brabo é ter de suportar essa imunda e porca burocracia dos papéis, leis
e papelotes. E isso virou poder!
FIM
2012
abçs efusivos
do sempre fã
everi rudinei carrara
site telescopio.vze.com
comemorando 13 anos no ar!
Um comentário:
Soó Rosemberg para dizer sem palavras pequenas, comentar o que está acontecendo com o país, que cresceu do ponto de vista da chamada economia mas virou uma merda, mesmo, do ponto de vista cultural. Eu li um texto dele escrito em 1975, quando ele tinha 30 anos, vejo textos dele dos anos 90, publicados no Recife, vejo esses de agora: mostram um continuar de pensamento, uma coerência, um aprofundamento, infelizmente uma solidão dentro de um mundo que poderia seer tão rico. Pena, como ele diz. Mas pelo menos ele tem coragem de persistir.
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