segunda-feira, 3 de maio de 2010

TOM ZÉ


O SOM E A PALAVRA
Publicado no Jornal do Commercio, Recife, em 01.05.2010
De DVD novo, Tom Zé fala das influências de repentistas e da música que ouvia em Irará

José Teles

Há 50 anos, Tom Zé estreava na TV, em Salvador. Foi cantar num programa chamado Rampa para o sucesso, uma composição sua intitulada Rampa para o fracasso, uma colagem de notícias de jornais e de ritmos. Esta data redonda, acabou sendo o gancho para o DVD (e CD), que está lançado pela Biscoito Fino O pirulito da ciência, gravado no Teatro da Fecap, em agosto do ano passado. Na época, Tom Zé estava fazendo shows com o repertório do disco Estudando a bossa – Nordeste plaza, com o qual homenageou o cinquentenário da BN. “A idéia foi do Gavin (Charles, ex-baterista dos Titãs). Até me surpreendi quando ele sugeriu que eu fizesse um DVD. Pensei que fosse com Estudando a bossa. Aí lembrei da coincidência dos 50 anos de Na rampa do fracasso. Ele queria um apanhado da minha carreira. Escolhi 50 músicas, e cheguei a 25. Puxei a brasa para as que tinham mais palco”, explica, em entrevista por telefone, o filho mais famoso de Irará (a 137km de Salvador), cidade sempre presente em suas conversas.
A concepção de palco para ele surgiu, obviamente, em Irará, observando fascinado o “homem da mala” (o que aqui se chamava de “homem da cobra”, vendedores ambulantes que comercializavam mezinhas de óleo de baleia, de peixe-elétrico, que curavam de erisipela a unha encravada. “Ele chegava na praça de Irará e começava a transformar aquilo num teatro, aquilo não era mais a praça. O local onde ele ficava passava a ser o palco, e do outro lado, o povo se reunia em frente dele, a plateia”.
Outra influência foram os cantadores de viola, os festejos, com suas cheganças, os temas náuticos das músicas, numa cidade longe do mar: “O repentista influenciou muito a canção nordestina, falando do que via ao redor, observando os acontecimentos. Tem também a influência da poesia provençal. É arte entre o som e apalavra. Este pessoal era um quadro de preceptores que tive até os sete anos quando comecei a estudar. Desde que os portugueses chegaram aqui, em 1500, fomos a primeira geração na região que começou a estudar. A gente que foi educado desta maneira, e aí entra Euclydes da Cunha, o sertanejo é um homem com muita ciência, mesmo sem saber ler. Educado desta maneira a gente era um homem pronto na metafísica”.
Na sala de aula veio o choque com o descobrimento da escola aristotélica: “A gente era analfatótelis. O que nos ensinavam, a gente comparava com o que havia aprendido antes e nunca chegava a uma comparação que combinasse. Isto influenciou a música que fizemos. O tropicalismo tinha muito disto, muito mais do que Oswald de Andrade”, comenta Tom Zé, cujo personalíssimo estilo de composição veio da descoberta de que não conseguiria criar aquela música melodiosa que tocava na Rádio Nacional, nos anos 50. “Em 1955, eu tinha 19 anos. Tocava violão desde os 17, quando vi que não sabia fazer música mainstream, aí, para não largar a música – e porque não gostava de escola –, não imaginava o que poderia ser, fui trabalhar nesta fronteira, no que faziam os cantadores, uma música que falasse da situação presente, o aqui e agora. Em 60, quando fiz aquela apresentação na TV, foi a primeira vez que chamavam aquilo que cantava de música”.

DVD

O pirulito da ciência (versos da canção Fliperama) mudou a trajetória de Tom Zé. Ele ia fazer o show de Estudando a bossa, em Londres, em junho: “O pessoal lá viu o DVD, e quer que eu faça este show”, conta ele. Têm razão os ingleses. Este é o melhor dos DVDs de Tom Zé, com um repertório primoroso, e uma direção irretocável de Charles Gavin. É mezzo documentário, mezzo show ao vivo. Tom Zé canta e fala muito, numa combinação perfeita entre o som e a palavra. Preço: R$47,90 (DVD), R$34,90 (CD).
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