segunda-feira, 3 de junho de 2013

PEDRO CÉSAR ALVES







            NO ALPENDRE O TEMPO PASSOU
            Lá estava ela, de braços cruzados, no alpendre. Branquinha, olhos claros, cabelos longos e lisos – sempre trançados. Às vezes corria pelo do quintal; era notório que gostava de encostar-se na enorme mangueira, ou colocava-se a balançar pelas cordas amarradas nos braços da mesma.
            Por várias vezes deixava-se escorregar no alpendre – propositalmente, parando à beira da grade que separava a rua da casa: deliciava-se em fazer tal ato. Por outro lado, preocupava aos mais velhos que, com voz quase de súplica, tentavam impedi-la. Outros, menos preocupados, diziam que era para deixar a pequena livre.
            Do outro lado da rua, também no alpendre de casa, via-a crescer. O tempo encarregava-se disso – o tempo passava, às vezes lentamente, às vezes velozmente. Como aprendi a dizer: depende do momento, da necessidade – é inegável que o tempo se faz presente em todas as situações, e – na maioria das vezes, ao contrário do que necessitamos, não é verdade?
            Toda uniformizada seguia para a escola – na época chamada de ginásio; anos depois, já mocinha, para o colegial. E lembro-me que o seu uniforme – como da maioria das que a acompanhava – era impecável. Nos dias de aulas de Educação Física, de saia e camiseta toda engomada, tênis branquinho, deixava todos os meninos da rua de plantão no portão. Na escola, tais dias, eram ansiosamente esperados – pena que eram apenas duas vezes por semana.
            Apesar de ser uma escola pequena, segura, conseguíamos burlar os esquemas de segurança e, por cima do muro, ficar observando as aulas de Educação Física. Ao lado da escola, de onde observávamos as aulas, era uma pequena oficina metalúrgica do pai de um aluno da turma – nota-se que, por este lado, meio caminho já estava resolvido.
            O tempo passou. Crescemos – digo crescemos no sentido de pegarmos idade, de sermos pais de família – e hoje, em rodas de conversa pegamos falando de assuntos de anos que não voltam mais. Mas o registro é válido, é tão válido que passados os anos, a velhice se aproximando, mas os fatos ainda permanecem vivos.
            Assim a sua imagem ficou registrada em minha memória; assim também creio que outras branquinhas de olhos claros ficaram na mente de muitos; assim como também muitas morenas ficaram marcadas nas retinas de nossos olhos leitores; assim como também as afro-descentes, como as dos países orientais. São marcas que jamais serão apagadas.
            São marcas que cada leitor tem a sua, independente do lugar que morou, do lugar que estudou – pois os vizinhos se fizeram presentes em nossas vidas, assim como a escola se fez presentes também. E esta com suas exigências que nos fez crescer e sermos o que somos hoje: cidadãos de bem – e cada um seguindo o caminho que foi traçado desde os tempos mais antigos que se possa ter notícia, apesar de este que vos escreve acreditar, até certo ponto, no livre arbítrio.
            E hoje, de novos alpendres, de novas sacadas ou de algum lugar não citado aqui, mas criados por nossas mentes prodigiosas, conseguimos ver muitos cidadãos sem destino – principalmente os mais jovens que só pensam em curtir, e sem responsabilidade – e ficamos a pensar internamente, remoendo: no meu tempo não era assim. Eram outras as prioridades do alpendre! 30/05/2013

– Pedro César Alves é professor e jornalista, MTb nº 71.527 / SP,  membro da UBE – União Brasileira de Escritores.

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