sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

ENTREVISTA COM SYLVIO BACK


Notícias da radioweb
Países envolvidos mentem sobre Guerra do Paraguai, afirma cineasta


Por: Rádio Brasil Atual

Publicado em 14/07/2011, 18:32

Última atualização em 05/08/2011, 13:33

Marilú Cabañas: Dando seqüência a série “Quem tem medo da Guerra do Paraguai, vamos falar hoje sobre este conflito sob o olhar do cineasta e escritor Sylvio Back, e ele conhece bem a história dessa guerra e a cultura do país vizinho, porque fez o filme A Guerra do Brasil e o documentário República Guarani. E esta experiência fez o cineasta se lançar na ceara do conto e publicou o livro A Guerra do Paraguai, que nós estamos sorteando inclusive pelo site www.redebrasilatual.com.br, e é só responder a pergunta; em que ano terminou a guerra do Paraguai? Vamos fazer aqui uma colinha, para quem não sabe este episódio sangrento ocorreu entre 1864 e 1870, e envolveu de um lado o Brasil, a Argentina e o Uruguai e de outro o Paraguai. E falando ainda sobre o Sylvio Back, ele tem uma vasta filmografia, tem 37 filmes realizados entre curtas, médias e longas metragens. Já ganhou setenta e quatro prêmios nacionais e internacionais. Estamos aqui ao lado do Oswaldo Luiz Colibri Vitta, que é o nosso diretor de jornalismo, bom dia!

Colibri: Bom dia Marilú, tudo bem?

Marilú Cabañas: E com Sylvio Back, tudo bem Sylvio?

Colibri: Bom dia Sylvio. Prazer tê-lo aqui neste programa especial, que é inspirado em você. Eu já falei antes de começar o programa, por quê inspirado? Porque eu tive o prazer e o privilégio de ver as primeiras montagens do Guerra do Brasil em 1986, este filme tão importante e sobre a guerra do Paraguai que ele vai falar daqui a pouquinho para nós, e eu tive este privilégio e, ficou na minha cabeça desde então. A gente estuda na história do Brasil , nas escolas, a história da guerra do Paraguai, mas neste documentário que você fez balançou com a gente até hoje, eu fiquei muito impactado com essa obra sua e você foi a figura que inspirou essa série. Porque neste momento o Brasil está na discussão, abre ou não abre os arquivos sobre a ditadura militar, e mais para trás sobre a guerra do Paraguai. Então eu queria saber de você, que é a nossa primeira pergunta, se você é a favor da abertura desses arquivos da guerra do Paraguai, já que a Argentina e o Uruguai já divulgaram documentos e o Paraguai também já divulgou a muito tempo esses documentos sobre a guerra do Paraguai. Então a primeira pergunta se você é a favor da abertura desses arquivos, Sylvio? Prazer em tê-lo aqui mais uma vez!

Sylvio Back: Olha, antes de mais nada, você me deixa até sem jeito , de me colocar aqui como “muso” dessa série e pertinente e importante, atual. Você talvez saiba, mas antes de ser cineasta eu fui jornalista. Já muitas vezes disse que eu sou um jornalista que faz filme. E eu sou a favor da liberdade de expressão, portanto, se tiver algum arquivo fechado, que seja aberto. Não há porque esconder nada, nem entre quatro paredes hoje, na era da internet, não existe mais praticamente nada escondido. Que se abram imediatamente todos os arquivos e que a verdade venha à tona. E eu coloquei como epígrafe desse filme uma frase em alemão que diz assim; “ A verdade é concreta”. Portanto, se existe alguma coisa escondida que venha à tona, porque isso só vai melhorar e ampliar o espectro democrático que está caracterizando os países do MERCOSUL, enfim da América Latina toda.

Colibri: Sylvio, quando você fez esse documentário, você ouviu, você foi para o Paraguai. Fala um pouquinho da pesquisa, porque antes de você produzir o documentário, você pesquisou a fundo. Você falou com historiadores, você falou com políticos, com militares. Fala um pouquinho dessa pesquisa e o quê você concluiu, ouvindo tanta gente, se todo mundo mente, ou se cada um conta a sua verdade, não é? E dizem sempre que, a gente sempre ouve a história daqueles vencedores e os vencidos ficam em segundo plano. Como você construiu essa obra e essa pesquisa toda, quanto tempo demorou e com quem você conversou?

Marilú Cabañas: E se a verdade ai neste caso é concreta.

Colibri: Se a verdade é concreta, essa frase eu não esqueci além do filme!

Sylvio Back: Olha, é uma coisa a lembrar e importante, é que este filme foi feito durante a ditadura Stroessner. Então você imagina quando eu cheguei no Paraguai, quando levantei a idéia de fazer esse filme, imediatamente no Paraguai eu entrei como uma pessoa suspeita lá. Afinal, um representante, um artista, um cineasta do país vencedor, como ele vai encarar? O quê ele veio fazer aqui? Tive muita dificuldade de provar para eles de o filme isso acaba sendo na prática isso, de que eu ia fazer um filme eqüidistantes das paixões nacionais. O filme eqüidistante da visão do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai, eu fiz um filme que é uma das características da minha obra de fazer um filme “deseideologizado”, ou seja, atrás das ideologias sempre têm mentiras, têm mitos, têm tabus, têm coisas que acabam jogando areia nos olhos do espectador ou do leitor. Então eu quis com o filme mostrar, me mostrar, o quanto mais isento possível. E deixando que os protagonistas do conflito colocassem todas as suas verdades. Eu também, nesse filme, nessa pesquisa, que levou em torno de quatro anos; de 1982, 1983 até o final do filme, mesmo quando o filme está pronto e exibido, você continua a discutir sobre o filme e você até se da conta de coisas que você não pôs no filme e que deviam estar lá. Mas eu descobri nestas pesquisas que o vencido também mente. E não é só o vencedor que mente que tenta escrever sobre sua história, o vencido também mente. Então a partir deste momento, quando eu me dei conta disso, por que as vezes dizia; não porque o Brasil aumenta que tinham vinte mil, trinta mil soldados em Tuiuti, sobre o comando do Caxias e o Paraguai tinha cinqüenta mil, ou enfim, de que o Paraguai aumentava tudo, e que as vitórias brasileiras eram heróicas por causa disso, ou o inverso; de que o Paraguai as vitórias eram heróicas porque o Brasil tinha muito mais equipamentos, estava muito mais armado, com armamento da época mais moderno. Eu descobri que isso não era verdade, cotejando livros de militares brasileiros, com livros de militares e historiadores argentinos, paraguaios e uruguaios, eu descobri que se eram trinta mil contra trinta mil, eram trinta mil contra trinta mil mesmo. Como em Tuiuti, porque a guerra do Paraguai foi, talvez a última guerra napoleônica, e da América foi a última guerra napoleônica, ou seja, efetivos contra efetivos. Não foi uma guerra de emboscadas, de guerrilha como foi O Contestado ou como foi Canudos, como foram todos os conflitos do campo, não é? Da América latina, sempre foram de guerrilha. A guerra do Paraguai, foi a única guerra, digamos assim, clássica. Efetivos contra efetivos. Foi ai que eu descobri ambos os lados mentem para criar uma aura de heroísmo para cada país. Se isso é importante ou não, não é a hora de discutir. Eu só quero dizer que para chegar ao fundo do poço, que dizem os chineses que a verdade está no fundo do poço, é difícil você chegar lá. Mas eu levantei, eu permiti que tanto os brasileiros, quanto os argentinos, os uruguaios e os paraguaios, dissessem o que achavam, então eu entrevistei militares argentinos, militares paraguaios, uruguaios e brasileiros, tanto do exército quanto da marinha e ali afloraram coisas inacreditáveis. Por isso que eu sempre duvido e ponho em suspeita, sobre que não se escreveu toda a guerra do Paraguai, porque teria muita coisa escondida, muita coisa que não se sabe, isso é uma forma até humilhante em relação aos historiadores de cada um dos países, porque nós temos historiadores que foram fundo na guerra do Paraguai. O Paraguai tem, a Argentina tem e o Uruguai também. Então é uma guerra que foi muito estudada, foi uma guerra fotografada, foi a primeira guerra fotografada da América do Sul.

Colibri: Essas fotos estão disponíveis?

Sylvio Back: Essas fotos, inclusive estão no filme. Essas fotos na época foram restauradas e essas fotos estão disponíveis. Então é uma guerra que foi devassada, por depoimentos, por biografias, diários, ordens de serviços mesmo. Os exércitos promoveram uma literatura muito grande e os historiadores se aproveitaram dessa literatura. Claro que essas literaturas de cada país, procurava edulcorar deixar mais róseo o seu lado. Mas ai no filme eu acabei mostrando isso. A primeira vítima de todas as guerras é a verdade.

Marilú Cabañas: Estamos entrevistando o cineasta, escritor, Sylvio Back.

Colibri: Agora você acha Sylvio, que nestes documentos que podem ser abertos futuramente, vão aparecer algumas novidades, você conhece tão bem esse assunto? E nós estamos entrevistando, não é Marilu, vários historiadores, falamos com Dublin, falamos com Buenos Aires, vamos trazer outros professores que já estudaram e já escreveram e pesquisaram profundamente o assunto. Você acredita que vai aparecer alguma novidade com esses documentos abertos e se o Brasil de fato abrir esses documentos?

Sylvio Back: Bom isso eu não saberia dizer. Eu imagino que mesmo que surja um documento bomba, não vai mudar a configuração nem histórica, nem sociológica, antropológica, ideológica, geográfica, geo-política da guerra do Paraguai. Acho que isso é um fato consolidado, é ainda uma ferida aberta, sem dúvida, não é a toa que cento e quarenta anos depois do fim da guerra do Paraguai, nós estamos escrevendo sobre a guerra do Paraguai. Eu mesmo, motivado por isso, até do que vocês estavam me falando, porque esses documentos que existiriam e que nunca vieram à tona, eles fazem parte de um imaginário, não é? Tanto brasileiro como paraguaio, como argentino , como uruguaio. É imaginário. Alguma coisa que vai mudar, não vai mudar nada. Os mortos continuaram mortos, os heróis continuaram heróis, os falsos heróis continuaram também. Talvez motivado por isso, depois que terminei A Guerra do Brasil, que fiz em 1987..

Colibri: Por quê você pôs Guerra do Brasil e não Guerra do Paraguai? Essa pergunta que sempre...

Sylvio Back: É essa pergunta que ... Quando eu estava fazendo as minhas pesquisas, por volta de 1866, 67, os argentinos e os uruguaios, praticamente se retiraram do contingente aliado que eram formados por brasileiros, argentinos e uruguaios, e de repente a guerra do Paraguai, passou a ser uma guerra exclusivamente de tropas brasileiras. Para você ter uma idéia, na tomada de Assunção, em 1868, dos vinte e seis mil soldados que adentraram em Assunção, tomaram Assunção e nessas alturas Solano López já estava perto da fronteira onde hoje é Ponta Porã, Pedro Juan Caballero, aquela região e Cerro Corá, quase vinte e três, vinte quatro mil soldados daquele efetivo, eram brasileiros. E a outra pequena maioria, quase dois mil eram argentinos e os outros eram uruguaios. Quer dizer, a guerra do Paraguai depois de um determinado momento passou a ser uma guerra exclusivamente do Brasil.

Marilú Cabañas: Sylvio, uma pergunta em relação as verdades, as várias verdades expostas. Você acredita que possa ter uma unanimidade em relação ao massacre. Não em termos de números, mas de que houve realmente um massacre da população paraguaia? Existe?

Sylvio Back: Eu estava falando aqui sobre esse imaginário que paira sobre esses documentos, que existiriam e que seriam documentos que poderiam mudar o rumo inclusive sobre essa questão do massacre, de como o Brasil atuou no Paraguai, depois que invadiu o Paraguai. Foi inclusive esse imaginário, é que me motivou a escrever o livro, esse livro de contos que são seis contos, aliás cinco contos. Um poema dedicado à madame Lynch, a concubina e depois esposa de Solano López, a irlandesa madame Elisa Lynch, e o último conto é um conto grande, um conto novela eu diria, que é como seria possível fazer um filme sobre a guerra do Paraguai hoje uma ficção. Quem seriam os soldados brasileiros? Quem seriam, que é a maioria, muitos os voluntários da pátria eram negros. Como armar esses exércitos mesmo para você hoje com a tecnologia você possa multiplicar, colocar mil pessoas em cena e transformar em dez mil, mesmo assim, é preciso que haja uma contingente de pessoas para você poder multiplicar. Então quando o Brasil, a guerra virou uma guerra do Brasil, e quando o Brasil entrou no Paraguai, no território paraguaio, inclusive eu falo sobre isso, que a guerra do Paraguai foi uma espécie de nosso Vietnã. Nós fizemos uma invasão do Paraguai e ai não se perdoou mesmo. Foi uma guerra fratricida mesmo. Não se perdoou a população civil. Isso esta no meu filme, está no livro de contos, está neste diário que as pessoas faziam sobre a guerra do Paraguai, nessa novela. A guerra para os paraguaios e para o exército de Solano López, para a ditadura Solano López, a gente não pode esquecer de que o Paraguai tinha um ditador ferrenho, era um ditador padrão, modelo, assim em violência, mandou surrar a própria mãe, mandou matar os irmãos, ele tinha paranóia de que estava sendo tramada a destituição dele, enfim, no final da vida ele acabou se transformando em uma espécie de personagem shakespeariano, enfrentou o general Camara, “ muero por mi pátria”, e com um heroísmo, que não se configurava antes na personalidade do Solano López. Nunca participou das batalhas, ele comandava as batalhas por telescópio, ele era até conhecido como um comandante, um general “cagón”, como se diz em espanhol, porque ele nunca estava à frente de seus soldados, o que naquela época, nas guerras napoleônicas os generais estavam à frente, isso muitos heróis da Europa, dos Estados Unidos, porque estavam à frente, o George Washington estavam na frente, o Napoleão estavam na frente. Eles não ficavam atrás com um binóculo vendo a guerra, eles estavam à frente como exemplo para os seus soldados. Então esse massacre, o que aconteceu é que o Paraguai é o país mais fascinante da América do Latina. Eu conheço bem o Paraguai, não fiz só o filme guerra do Brasil. Eu antes pesquisei de quatro a cinco anos o filme sobre as Missões Jesuíticas, que é a pronta história do Paraguai, onde eu filmei República Guarani. Uma coisa que me levou três, quatro anos também. Então o Paraguai que hoje foi institucionalizado o guarani. O guarani hoje está institucionalizado, um país onde as pessoas falam o guarani, que é uma língua poética, incrível, não é? Enfim, o Paraguai tem isso, em cada esquina de Assunção ou uma rua se refere à guerra do Paraguai, então este orgulho nacional que o Paraguai tem, o Paraguai, até hoje você sente lá é como se não tivesse perdido a guerra, não é? Então é o Paraguai, em cada batalha que nós consideramos uma batalha vitoriosa, nossa assim, o Paraguai não consegue absorver que eles perderam. Eles ganharam várias batalhas como a Batalha de Curupaiti, foi a batalha que foi um divisor de águas, coincidentemente também uma derrota da marinha brasileira, o Almirante Tamandaré não estava lá, deveria estar mas não estava.

Colibri: Também fez de binóculos?

Sylvio Back: Estava em Buenos Aires. Também a Batalha do Riachuelo, também uma tragédia nacional, uma batalha vencida por um prático do navio do Almirante Barroso que teve um acesso de nervos e não conseguiu dirigir a batalha, e a batalha praticamente foi vencida por um prático do navio que venceu os paraguaios, que tinham navios de madeira enquanto que o Brasil tinha de ferro de aço. Morreu entorno de um milhão de pessoas, mas não de tiros, muitas vezes, de doenças, que desertaram, enfim, houve um envolvimento. Foi uma guerra de seis anos, violenta de quase seis anos ininterrupta.

Marilú Cabañas: Estamos conversando com o cineasta, escritor, Sylvio Back. Vamos fazer um pequeno intervalo e voltamos já, já.
Parte 2

Marilú Cabañas: Estamos de volta com o cineasta e escritor, Sylvio Back.

Colibri: A gente falou da figura do Solano López, e a gente acha também, conversando com os historiadores, que estes documentos brasileiros também podem revelar algumas histórias de nossos heróis; Duque de Caxias o patrono do exército, D. Pedro II. Você até na capa do seu documentário, você põe a figura do D.Pedro II com umas caveiras ao lado, e o Conde D’Eu e outras figuras, que podem ter documentos lá que não serão, digamos assim, favoráveis a imagem que o Brasil tem deles, pelos menos aquelas imagens que a gente estuda na história, não é Sylvio? Você até, a Marilú separou em alguns trechos do documentário, quando você revela que lá no Forte de Coimbra, no Mato Grosso do Sul tem aquele ossário do Paraguai, que é uma coisa que realmente, ela anotou, assustador, não é Marilú?

Marilú Cabañas: É assustador.

Colibri: É assustador quando se vê um trecho do seu documentário. Então eu pergunto, essas figuras brasileiras, até não sei se foi uma ironia, a capa do DVD, uma figura do D. Pedro II?

Sylvio Back: Olha, essa imagem da capa do DVD e é também a imagem do cartaz, do filme Guerra do Brasil, ela na verdade não foi inspirada, veja que curioso isso, ela não foi inspirada nem pelo filme e nem por alguma dica minha. O autor é o grande artista plástico, pernambucano, João Camara. Famoso João Camara, uns dos artistas plásticos mais prestigiados, mais até na Europa, nos Estados Unidos do que aqui no Brasil. Esse D. Pedro quase que com galardões, que são duas caveiras, como responsável por uma espécie de genocídio. Esse genocídio é uma coisa um pouco complexa, usar esta palavra, essa palavra ficou muito famosa nos anos setenta, através do livro do Chiavenato que, aliás, é entrevistado no meu filme, mas não deixou de ser , digamos assim, uma advertência um chamamento para o que as tropas brasileiras protagonizaram, não só as tropas brasileiras. Porque vamos combinar, não existe nenhum exército inocente no mundo. Não existe, não é? O exército soviético não era inocente, o exército americano, hoje, não era inocente, diariamente nós vemos as atrocidades praticadas pelo exército Norte Americano, seja no Afeganistão, seja no Iraque, seja alhures, não há exército inocente. Então se o Brasil foi protagonista de carnificina, e outras coisas, o exército paraguaio também foi, o exército uruguaio que institucionalizou a degola, inclusive o exército uruguaio foi autor de uns dos crimes mais bárbaros da história da civilização, que é incorporar soldados prisioneiros paraguaios; vestindo-os com a farda do Uruguai, e tendo que carregar uma bandeira uruguaia e enfrentar os próprios irmãos paraguaios nas batalhas. Quer dizer, isso é um crime pior que a morte.

Marilú Cabañas: É a honra fica destroçada.

Sylvio Back: Enfim, foi uma guerra suja como todas as guerras sujas. Dizem até os americanos, existe um estrategista norte-americano diz que existem guerras limpas e guerras sujas. É estranho, não é? Mas existe aquela guerra limpa que entre aspas, onde a população civil não é envolvida, onde os alvos são alvos teoricamente militares.

Marilú Cabañas: Militares

Sylvio Back: Como, teoricamente, estaria se fazendo na Líbia hoje. E a guerra suja seria aquela guerra que envolve a população civil. E nisso foi uma guerra suja, como foi suja a guerra do Vietnã, por isso há uma certa equivalência entre a guerra do Vietnã e a guerra do Paraguai, aquele canto ali com o rio Paraguai com o rio Paraná que vai dar no rio da Prata, aquilo é uma espécie do Delta do Mekong, que latino americano, sul americano e que tem muito a ver com isso, porque nós entramos ali com uma parafernália muito moderna, o exército brasileiro comprou navios, que eram os navios que o Solano López havia comprado na Inglaterra, estourou a guerra e esses navios acabaram sendo revendidos ao Brasil, e o Brasil então entrou com esses navios modernos, que eram para ser da marinha paraguaia, acabaram servindo para o Brasil avançar pelo Rio Paraguai e chegar a Assunção e tomar Assunção, com navios que eram antes, navios que tinham sido comprados já nos estaleiros ingleses, com dinheiro inglês, com dinheiro paraguaio e que quando estourou a guerra e houve aquele conflito todo geopolítico ali naquela região do Prata, os navios acabaram sendo revendidos ao Brasil.

Marilú Cabañas: Agora é nesta questão ai, dos ingleses, falando em ingleses, Colibri, a grande polêmica é; os ingleses, a Inglaterra, teve a participação na guerra do Paraguai?

Sylvio Back: Isso também é uma mitologia que se levantou, é gozado que a guerra do Paraguai ela é mal ensinada nas escolas. Nós aprendemos nos bancos escolares, uma guerra ou em cinco ou seis linhas ou em dez linhas, ou alguns heróis de lata outros não, afinal eram oficiais do exército que cumpriam o seu dever, uns foram mais assassinos outros menos, mas a verdade é que ali você tem que fazer uns descontos aos heróis, aos menos heróis e aos que foram ao serviço da pátria mesmo. E com relação a esse lado da Inglaterra, isso é uma mitologia que se compara, vamos dizer assim, com os tabus que vêem juntos com outras coisas que dão nome a guerra do Paraguai. Quando estourou a guerra do Paraguai, tinha quinhentos cidadãos britânicos morando no Paraguai. O Paraguai sempre teve uma relação muito grande com a Inglaterra. Foram graças aos técnicos e engenheiros britânicos, que se criou a primeira siderurgia no Paraguai, que se fez a estrada de ferro no Paraguai, e não interessava de jeito nenhum à Inglaterra estar por trás Argentina, do Brasil e do Uruguai. Não interessava à eles politicamente, nem economicamente.

Colibri: Mas nem de forma ideológica?

Sylvio Back: Nem de forma ideológica. A Inglaterra, atenção, a Inglaterra era o maior império, na verdade já era um império que estava começando a se esfacelar naquela época, quando acabou a tráfico negreiro, então caiu muito a grana, o dinheiro que o tráfico, que os ingleses foram os principais agentes desse tráfico. Para se ter uma idéia, antes de estourar a guerra do Paraguai, o Solano López consegui um empréstimo em bancos ingleses, para o desenvolvimento do Paraguai.

Marilú Cabañas: Mas ai é uma questão dos banqueiros.

Sylvio Back: Ai é que talvez esse lado da abertura dos arquivos, era bom também que se abrissem os arquivos ingleses sobre a guerra do Paraguai. Porque uma coisa é a diplomacia, a chancelaria inglesa, a diplomacia inglesa, outra é o governo inglês,e outra são os empresários ingleses. Agora, do ponto de vista bélico, o Paraguai não tinha importância para a Inglaterra. E dizer que a Inglaterra estava atrás do Brasil, do Uruguai da Argentina, isso é uma balela. Existe um livro chamado; “Los Britanicos en el Paraguay”, onde isso tudo é desnudado. As teses e doutorados escritos na Inglaterra, onde prova que não há.. o Time de Londres, eles pegaram a documentação secreta da chancelaria britânica, o Time de Londres que era uma espécie de diário oficial do mundo na época. Na época todos os dirigentes do mundo liam o Time porque dizia o que estava acontecendo no mundo. Não há nenhuma prova disso, de que houvesse algum interesse. Houve até uma mitologia de que quando terminou a guerra da sucessão americana, ela terminou em 1865, quando a guerra da sucessão estava, parou a exportação de algodão para a Europa, para os teares, para as fábricas inglesas, se imaginou uma mitologia sobre isso de que a Inglaterra pensou em transformar o Paraguai, em uma espécie de novo sul dos Estados Unidos, e transformar isso em uma grande plantação de algodão porque o Paraguai produzia algodão. Mas ao mesmo tempo, a gente não pode achar que a Inglaterra era totalmente inocente, boazinha. Porque antes de estourar a guerra do Paraguai, os ricos de Mato Grosso, de Corumbá, mandavam lavar suas camisas em Paris e mandavam fazer seus ternos em Londres. Havia itinerários, viagens de barco que iam de Corumbá diretamente para Londres descendo o Rio Paraguai. Então o Rio Paraguai era um rio importante para aquela região todo e a Inglaterra nunca teve nenhum constrangimento de freqüentar aquele rio. Por isso que estranho dizer, porque quando estourou a guerra, fechou durante seis anos. Aquela área ficou fechada diante do conflito e os ingleses deixaram de ganhar dinheiro. O que eles queriam ganhar era dinheiro. A pergunta que algum historiador que eu ouvi; qual seria o interesse da Inglaterra de fomentar uma guerra de seis anos, se eles nesses seis anos deixaram de ganhar dinheiro?

Marilú Cabañas: Estamos entrevistando o cineasta, escritor Sylvio Back.

Colibri: Agora se a Inglaterra não era tão importante o Paraguai, para o Brasil e para a Argentina era estratégico. A questão das fronteiras, a questão que o senhor acabou de contar do rio Paraguai e toda aquela questão de terras, de interesses econômicos, então, de um lado parece que o Brasil se preocupava que a Argentina pudesse tomar espaço antes de começar de fato a guerra, os historiadores colocam isso, que a Argentina pudesse ganhar espaço junto ao Paraguai e pegar espaço do Paraguai e o Brasil tinha medo que a Argentina tomasse conta da região e ao mesmo tempo o Paraguai era estratégico, quer dizer, esta guerra interessava basicamente o Brasil e a Argentina naquele conflito de terras, estou falando de terras de negócio, porque o fundo de cada guerra, sempre tem um negócio, nessa a gente não escapa, qualquer guerra é um grande negócio, como disse o Leon Pommer, então a questão clara ali de economia parece estava colocada antes da guerra.O Paraguai era perigoso, do ponto de vista estratégico para os dois países. E quando você falou que esses militares do Paraguai, da Argentina,como eles falam dessa estratégia, dessa questão da terra e a ligação econômica dessa guerra? A questão econômica dessa guerra.

Marilú Cabañas: Territorial.

Colibri: Territorial, não é?

Sylvio Back: A guerra do Paraguai, ela é multifacetada, e como todas afinal, mas a da guerra do Paraguai ela envolve um lado que, acho que foi o próprio Leon Pommer que levantou isso no filme. Há um lado antropológico. O Paraguai, a origem do Paraguai, são aquelas Missões Jesuíticas. A origem do Paraguai são os índios guaranis, são os guaicurus, são esses índios que colonizaram e que estavam naquela região há dezenas de anos, há centenas de anos. Enquanto que na Argentina, dizem até como uma forma jocosa que, a Argentina é o único país da América Latina que não tem problema com índio, porque eles mataram todos. O que não é verdade porque, em Misiones lá talvez estejam as mais bem conservadas edificações jesuíticas, as igrejas e a própria conformação urbanística e arquitetônica daquelas cidades missioneiras, estão lá em Misiones. Havia ali uma bronca de olho no olho, no olho. Uma bronca no olho de um país como a Argentina, que é um país colonizado por espanhóis, sem a miscigenação, com índio, com negro, não é? Na Argentina havia pouco negro, no Uruguai jamais, mas também é um país de colonização européia. Enquanto que o Paraguai, um país que cresceu, a independência do Paraguai ela foi proclamada por pessoas que tinham, eram miscigenados, eram gente de origem indígena, de origem espanhola, de origem “criollos” que eles falam, gente que tinha uma origem que vamos dizer assim, não era mais pura entre aspas, como aqueles europeus que vieram para o Paraguai, para a Argentina. A própria elite brasileira. Então essa relação sempre foi muito conflituosa, mais entre o Paraguai e a Argentina do que propriamente do Paraguai com o Brasil. Tanto é que hoje no Paraguai, tantas vezes estive lá, nunca fui visto como inimigo do Paraguai.

Marilú Cabañas: Eles gostam dos brasileiro. A gente é bem recebido lá, é incrível isso!

Sylvio Back: Eles gostam dos brasileiros

Colibri: Não dá para entender.

Sylvio Back: Agora, eles não gostam de argentinos. Tem seiscentos mil morando na Argentina e a maioria em Buenos Aires. Quer dizer que fugiram na época do Stroessner e buscando melhores qualidade de vida na Argentina. Enfim, claro tem esse lado econômico, tem tudo isso e tem um outro lado também do próprio Paraguai, não é? O Paraguai, desde assunção do pai do Solano López e o próprio Solano López, era uma país que era uma espécie de Polônia da época. Era um país mediterrâneo, um país cercado, uma ilha cercada por terra, por todos os lados sem saída. Tinha o Rio Paraguai que era uma única veia de saída pelo Rio da Prata e era preciso garantir essa abertura do Rio da Prata. Isso, de um lado estava a Argentina e de outro estava o Uruguai e está o Brasil no meio disso. Então o Brasil era visto como, além de ser um império efetivo politicamente, também era um império pelo tamanho, enquanto que os espanhóis não conseguiram manter a América Latina una, era o sonho do Bolivar, etc, e inclusive o Bolivar tentou invadir o Paraguai, no tempo do Dr. Gaspar Francia e o dr. Gaspar Francia fechou as fronteiras, uma idéia também de incorporar o Paraguai.

Colibri: Todo mundo queria incorporar o Paraguai!

Sylvio Back: O Paraguai também sempre sofreu muito isso. Tinha esse temor. Com a assunção da família Solano Lópes, com a família Lopez, na verdade, que o pai do Solano López, o Antonio Solano Lópes, ele tinha sido advogado do Francia, um dos proclamadores da república do Paraguai em 1811, eles foi assim uma decisão nacional de que o Paraguai tinha que se armar para que amanhã ou depois alguém tomasse. Ai não se sabe também que loucura, porque eu me lembro que eu fui falar com o ministro da cultura e da informação na época do Stroessner, Dr. Aníbal Fernandes; e eu disse para ele inocentemente, eu disse assim: - Olha Dr. Anibal, a guerra foi iniciada pelo Paraguai, vocês é que invadiram a então Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul. Vocês ficaram dois anos. Nunca nenhum país estrangeiro ficou no Brasil tanto tempo quanto o Paraguai. E foi duro expulsar os paraguaios de lá. Isso que eles quase que nem foram diretamente expulsos, eles foram retraindo, porque a guerra estava começando a entrar no seu próprio país e era preciso defender as terras nacionais. Então, tem muito a ver isso com essa origem indígena do Paraguai e essa necessidade que o Paraguai em um determinado momento, resolveu se armar. E tanto é que o Brasil foi para a guerra do Paraguai sem preparo.

Marilú Cabañas: É o seu filme mostra bastante isso.

Sylvio Back: O Brasil sofreu muito. A Argentina passou grandes vexames e morreram na batalha de Curupaiti, houve uma revolta e quase incendiaram Buenos Aires inteira porque morreu não só o filho do presidente da república, como morreu a juventude toda dourada de Buenos Aires, morreu lá. Eles foram enfrentar os paraguaios com o uniforme de gala e os paraguaios liquidaram, foi a única vitória incontestável do Paraguai.

Marilú Cabañas: Todos mentem?

Sylvio Back: Todos mentem. Vencedores e vencidos mentem.

Colibri: Está certo. Com essa frase definitiva, a gente encerra a entrevista com Sylvio Back. Eu queria agradecer mais uma vez a tua presença aqui, do Sylvio, que você é nosso inspirador dessa série, “Quem tem medo da Guerra do Paraguai”, obrigado Sylvio.

Sylvio Back: Eu gostaria rapidamente de agradecer essa chance de ter podido falar do filme, tanto do filme quanto do livro, pois o tema “Guerra do Paraguai”, nunca saiu de cartaz. Ele está em cartaz a cento e quarenta anos. É incrível que se saiba tão pouco nas escolas, tão pouco discutido na mídia, e vocês estão fazendo um papel até, por incrível que pareça, cento e quarenta anos depois! É pioneiro isso! Usar o tema da guerra do Paraguai para perguntar : - Quem tem medo da guerra do Paraguai? E por quê ter medo de um conflito que tem uma importância anímica para formação do cone sul, do Paraguai, da Argentina, do Uruguai e esse conflito é um divisor de águas nas vidas nacionais dos nossos países.

Colibri: Está certo Sylvio, muito obrigado, felicidades!

Marilú Cabañas: Bom portanto, conversamos aqui com cineasta, escritor, jornalista Sylvio Back, ele que é autor do filme “A Guerra do Brasil” e também do livro homônimo que é sobre contos.

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