sexta-feira, 10 de agosto de 2012

CENTENÁRIO DE JORGE AMADO

Centenário de Jorge Amado – (I)

A POSIÇÃO DO AUTOR

Guido Bilharinho

                No romance brasileiro, como é assaz sabido, destacam-se duas tendências: a lírica e a realista. A lírica, de perfil barroco-romântico, tendo José de Alencar como predecessor mais ilustre, destaca-se, entre outros elementos, pela fluência e musicalidade da linguagem, sentindo o mundo mais do que o observando. A realista, de talhe clássico, possuindo Machado de Assis como seu grande e, ainda, insuperável representante, caracteriza-se pela linguagem medida, mais observando (e analisando) o mundo do que o sentindo.
                Na primeira vertente, predomina a imaginação, desdobrando-se a ação romanesca em longas sequências de fatos e acontecimentos. O destino, geralmente, dirige e instrumentaliza as personagens, que, nesse caso, não têm autonomia, a ação sobrelevando-se a tudo, e, em muitos autores, sobretudo nos românticos, compondo-se, normalmente, de lances heróicos e/ou dramáticos. Já na segunda, a imaginação é regulada, visto que na configuração ou construção das personagens prevalecem as circunstâncias econômicas, sociais e comportamentais. A ação romanesca, por isso, desenvolve-se por meio de fatos comuns e banais, enquanto, ao contrário, o mundo interior das personagens, notadamente, dos protagonistas, é rico e intenso, valorizando-se o ser e estar no mundo mais do que o fazer e agir. A linguagem, despida de excessos e enfeites, é direta, contida e, com raras exceções, rigorosamente elaborada.
                Jorge Amado (Itabuna/BA, 10/08/1912-Salvador/BA, 08/2001), a exemplo de José Lins do Rego, pertence, como se sabe, à vertente lírica do romance brasileiro, na qual coexistem, subjacentes ou exteriorizadas, a fluência fraseológica e a melodia da linguagem, correspondentes a um modo particular de sentir o mundo, mais do que propriamente de o ver ou de o observar. O sentimento do mundo, lírico e dramático, extrovertido e movimentado, condiciona linguagem própria para fixá-lo e expressá-lo. Essa corrente lírica de prosa brasileira tem José de Alencar como predecessor mais importante.
                É bastante alencarino o princípio de Capitães da Areia:
                “Sob a lua, num velho trapiche abandonado, as crianças dormem. Antigamente aqui era o mar.
                Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas ora se rebentavam fragorosas, ora vinham bater mansamente.”
                Nem por isso, contudo, pode-se enquadrar o Autor no romantismo, tal qual praticado no século XIX. Sua obra não é romântica, embora nela se conjuguem as visões lírica e dramática do romantismo, derivadas de temperamento romântico, lírico e poético, informado por específica concepção do mundo, que constata e mostra, mais do que perquire ou investiga, a dramaticidade ocorrente na desigualdade social.
                Na outra vertente da prosa ficcional brasileira, bastante diversa e mesmo, num certo sentido, antípoda da acima mencionada, estão, entre outros, Machado de Assis, Lima Barreto e Graciliano Ramos. Secos, diretos, controlados. O ato de ver o mundo sobrepõe-se, neles, ao de o sentir. Enquanto aqueles sentem e extravasam de imediato seu sentimento, estes o filtram, mediados pela razão, o que se reflete na linguagem hierática, medida e comedida, altamente racional.
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                Talvez por isso, Jorge Amado tenha mais êxito, como romancista, quando manipula grupos de personagens, sem destaques individuais. De seus romances iniciais, os melhores são Capitães da Areia e Suor, justamente nos quais fixa a problemática de várias personagens, sem isolar ou destacar uma ou outra, como acontece com Guma e Lívia, em Mar Morto, onde procura transmitir as dificuldades dos mestres de saveiros por meio da vida de Guma. Em Cacau, a situação dos “alugados” das fazendas de cacau por uma das personagens. Já em Capitães da Areia e Suor, o drama dos meninos abandonados e dos habitantes de enorme cortiço é revelado, após profundamente sentido pelo romancista, mediante a vivência comum de coletividades humanas.
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                Ao contrário do que se pensa, o lirismo do temperamento do romancista e sua carência de cultura filosófica mais consistente redundam, com frequência, em idealizações da realidade. Nele o sentimento direto e próximo do mundo sempre se superpõe à reflexão racional, objetiva e demorada. Nem há, em sua obra, aprofundamento psicológico, perquirição vertical do comportamento humano, descida ao âmago do consciente e, muito menos, exploração do inconsciente. Seus romances espelham reações imediatas das personagens face a fatos concretos.

(do livro Romances Brasileiros – Uma Leitura Direcionada, editado pelo Instituto Triangulino de Cultura em 1998 www.institutotriangulino.wordpress.com)
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba e editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000, sendo ainda autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.
(Publicação autorizada pelo autor)















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