A música crocante do Autoramas
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por Bruno Leonel
Fruto de um inovador esquema de
colaboração baseado no “crowdfunding’”, que contou com a participação de
149 parceiros que ajudaram a financiar o projeto em troca de benefícios
diversos oferecidos proporcionalmente à contribuição, o Autoramas
disponibilizou no finzinho de outubro seu sexto trabalho, “Música
Crocante”, que marca a primeira participação da baixista Flávia Couri
tocando em um álbum de estúdio. Flávia é a terceira mulher a frente do
baixo no grupo formado em 1997 por Bacalhau (ex-Planet Hemp ) e Gabriel
Thomas, veterano do rock de Brasília e fundador do Little Quail and the
Mad Birds. A produção ficou por conta de Gabriel “Bil” Zander,
(vocalista e guitarrista da banda carioca Zander).
Se há algo com o qual a máquina dos
Autoramas sempre se deu muito bem foi com a estrada. Não bastassem as
diversas excursões feitas pela Europa e Ásia, este ano o trio ainda
participou de uma série de shows pela América Latina, onde testaram na
raça algumas das novas faixas que entraram no novo álbum. Quem conferiu
os shows recentes pode presenciar um Autoramas bem entrosado ao vivo,
uma verdadeira máquina pesada dos palcos, coesa como nunca. Quem os vê
atualmente até se esquece da banda imatura, mas com potencial, que
excursionou por festivais independentes Brasil a fora lá pelos idos de
1999/2000. Diferentemente dessa época, na qual canções como “Carinha
Triste” e “Fale Mal de Mim” pareciam mera trilha sonora para séries
adolescentes, o Autoramas surge amadurecido em 2011, mas continua
esbanjando energia sem envelhecer, quase como personagens recém-saídos
de uma viagem pelo tempo.
Viagem no tempo mesmo. Foram quatro anos
desde o último álbum de músicas inéditas (o competente e eclético
“Teletransporte”, de 2007) um dos mais longos intervalos entre álbuns de
estúdio do grupo. Nesse tempo, em 2009, a banda ainda aprontou um MTV
desplugado, cruzamento entre os formatos ao vivo e acústico, que além de
trabalhar algumas novas composições serviu também para vestir velhas
conhecidas do repertório em uma roupagem mais suave e até “western”. No
geral o trabalho agradou, mas teve algumas ressalvas, especialmente, de
fãs mais adeptos da pegada rockeira do trio.
“Música Crocante” mantém a base
conhecida do som do Autoramas, criativa e multifacetada como sempre, mas
com alguns vértices apontando para novas direções, o que, no mínimo,
incita curiosidade na primeira audição. Estão presentes a sonoridade
repleta de efeitos, e as referências que vão, desde a Jovem Guarda até
pérolas da New Wave. Entram o peso extra nas guitarras, destaque na
dançante “Tudo Bem” e na balada “Superficial” (cantada pela baixista
Flávia), e até inusitadas presepadas latinas.
São muitos os pontos altos do álbum. A
dançante “Verdugo”, cantada em espanhol, começa com uma típica guitarra
dissonante acompanhada do baixo distorcido pulsando forte, marcas já
clássicas da banda. Uma canção prima de “O Bom Veneno” e “Multiball”,
ambas do elogiadíssimo “Nada Pode Parar os Autoramas”, de 2003. Há
diversas faixas com bom potencial ao vivo, como “Máquina”, faixa
carregada de guitarras com ecos de Devo e embalada num clima de trilha
sonora de algum filme obscuro de psicodelia surf dos anos 60.
Um som robótico digno dos efeitos
sonoros de Atari introduz a claustrofóbica “Abstrai”, candidata a melhor
do álbum: “Então desencana, não generaliza, não vai deixar isso te
abalar” canta Gabriel na quinta faixa do álbum, metalinguagem total já
que o verso aparece justamente na canção do álbum que mais mistura
sonoridades e efeitos, se destacando no conjunto todo. “Lugar errado” é
um típico rock com a bateria de Bacalhau à frente abrindo alas e
conduzindo a canção toda cadenciada rumo ao lugar certo (com o perdão do
trocadilho).
A ensolarada “Domina” (gêmea de “Hotel
Cervantes” do álbum anterior) surge conduzida em um clima típico de
Surfaris e calcada em uma letra que retrata a dominação exercida pela
menina amada. Cozinha responsa e guitarra meio agreste/latina marcam
presença no segundo capítulo da instrumental “Guitarrada” (o capítulo
anterior está no álbum “Teletransporte”). Chegando ao fim, “Sem
privilégios”, com vocais em harmonia e clima meio Pixies, é a versão do
Autoramas para a música gravada originalmente pela banda catarinense
Liss. Há tempo ainda para a instrumental “Luana López”, guiada por
guitarras e violões com inusitadas pitadas ao estilo Mariachi. De
quebra, duas faixa bônus: num clima total “Rock Lobster”, a música
“Billy Hates Sayonara” (homenagem ao amigo Billy, da banda japonesa
Guitar Wolf) e uma versão pós-punk para “Blue Monday”, clássico do New
Order.
O Autoramas acerta mais uma vez com um
trabalho competente que deve agradar os apreciadores dos trabalhos
antigos - e até angariar novos ouvintes. Em meio as crises de um mercado
cada vez mais instável, depois de tantos anos de estrada, a banda segue
firme com “Música Crocante” despontando em uma fase mais confortável do
que nunca. Se o tal do “crowdfunding” ainda é um processo novo no
Brasil, promete ser uma opção cada vez mais válida (e até necessária)
para aqueles artistas que, já desfrutando de um público ouvinte,
necessitam ainda buscar recursos para continuar criando e se inserindo
em meio a um cenário cada vez mais concorrido.
http://screamyell.com.br/site/2011/11/12/a-musica-crocante-do-autoramas/
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