quinta-feira, 26 de julho de 2012

NEIL FERREIRA

“As amargas não...”
Neil doce como fel Ferreira
Afanei o título desta coluna do livro de memórias de Alvaro Moreyra, que conta logo na capa o que pretende ser. “As amargas não...” são lembranças de momentos inesquecíveis, mas não os  que machucam e doem.  São recordações de uma vida bem vivida, contadas com a suavidade de um bate-papo  entre amigos.
“Sempre se tem vinte anos, num canto do coração”, aprende-se com a leitura, mesmo quem já multiplicou esses vinte por três ou quatro. Tenha seus vinte anos hoje, grude na tv, veja de olhos arregalados a abertura dos Jogos Olímpicos e guarde para sempre na memória o maior espetáculo da Terra. As amargas não.
Pedra no rim é lembrança amarga, boa para lembrar se você estiver numa reunião com amigos hipocondríacos, o que não é impossível. Tenho  amigos hipondríacos que dariam para lotar um estádio de futebol de médio porte, tipo o do Barueri, segunda casa do São Paulo FC, que em Barueri  ganha mais do que no Morumbi. As amargas não.
Um deles prescreve suas mezinhas com a ordem: “Você ‘me tome’ duas doses todas as noites, antes de dormir”. A turma “me tomava” obediente e no dia seguinte aparecia de ressaca.
Cada dose receitada continha uma generosa dose dupla de Jake Daniel´s, comprovado elixir da longa vida, bebida sagrada de Frank  Sinatra, que viveu mais de 80 anos invejáveis, cercado de boa comida de cama e mesa.  Nem falo do bebum de respeito que foi Hemingway, que ficou de saco cheio e pediu demissão do seu cargo aqui na Terra. As amargas  não.
É como o floral que o nosso cão Chicão toma e que contém 30% de brandy, receitado pelo veterinário Vegan, dr.  S*, da maior confiança.
Bebendo o floral em gotas porém sem moderação, Chicão viciou, virou alcoólatra, late com seu vozeirão para os jacarés fictícios  que vê na parede, fantasmagorias produzidas pelo DT (Delirium Tremens), exigindo o trago de boa noite.   
Buscamos  agora um A.A. (Alcoólatras Anônimos)  para cães,  para ver se ele dá pelo menos uns 3 passos, dos 12 exigidos pelo tratatamento. Eu não passei dos 4. As amargas não.
Rose Kennedy, matriarca do clã Kennedy, que aos 90 anos ainda nadava nas águas geladas de Martha´s  Vineyard, depois de ter um filho morto na II Guerra Mundial, outros dois assassinados, uma filha lobotomizada e um outro, de porre, metido num desastre em que sua acompanhante morreu e ele fugiu sem socorrê-la, deixou-nos a autobiografia “Times to Remember”, cujo foco é: “A memória é seletiva, guarda apenas as lembranças  boas”. As amargas não.
Aos 69 anos, esqueço o ontem e o tresantontem, para mergulhar no sintoma mais grave da velhice – aquele do “no meu tempo era melhor”. Melhor ? Não tinha nem celular, filhote da privataria de FHC, que se multiplica com a velocidade dos gremlins.
Tinha ditadura, tortura, censura, terrorismo, repressão, Oban, “Tutóia Hilton”, guerrilha, mas repito com convicção – as amargas não. Tinha “Diretas Já”, Covas, Montoro, Richa, FHC, doutor Ulysses; Pelé, Tostão e Gerson Canhotinha, trio de ouro do Tri de 70;  tinha a divina Seleção de 82, doTelê.  Tinha numa gaveta da memória o álbum de Figurinhas Futebol, a página do São Paulo FC completinha, com a carimbada e tudo. As amargas não.
Esqueço o “país dos mais de 80%”;  os mensaleiros e sua quase certa absolvição; a classe política, toda ela suspeita de corrupção; Renan Avacalheiros na bica de sentar na cadeira cativa do Sarney;  a mentira deslavada transformada em verdade; o pobre que virou Crasse Mérdia sem sair da mérdia; o SUS, “uma das melhores saúdes do mundo”; o Estado tomado de assalto; a cumpanherada sindicalista por cima da carne sêca; a Petrobrás cada vez mais afundada, na fundura mais funda do que o Pré-Sal.
A imundície e a feiura que são os garranchos pichados nas paredes, a arte e cultura do lulopetismo.  “-- É a voz dos sem voz”, elogia-os a Relaxa e Goza, sem jamais  oferecer seu muro granfino-belezura, para que pichem livremente suas “vozes” roucas da ignorância no pudê.  
As pichações “do meu tempo” (rsrsrs) eram obras da inteligência, como a de 68 em Paris, “Interdit d´interdire”, ou de humor, como  as de São Paulo nos anos 70, “Morte aos dentistas”, “Fora terráqueos”, “Celacanto provoca maremoto”. As amargas não.
Lembro Nara, Vinícius, Carlos Lyra, Chico, Caetano, Gil, Tom, Vandré, Mutantes, Caymmi,”Deus e o Diabo...”, “O Pagador de Promessas”, “Assalto ao Trem Pagador” “Rio 40 Gráus”, “O Rei do Rio”. Esqueço Rita Lee de propósito e com a maior facilidade. As amargas não.
O futuro precisará despejar da memória Lula, que foi contra a Anistia e o Plano Real; Maluf, Carminha , o Outdoor Ambulante Neymar Cai-Cai e o “Ai se eu te pego”; reconhecer os dois mandatos de FHC como marcos da nossa História; e respeitosamente mandar dona Ana Arrais tomar no TCU.  As amargas não.
Desculpe a grossura do neo-palavrão (“tomar no TCU”); nossa lingua brasileira  é gorda de siglas suspeitas: TCU, STF, SUS, PAC, PT, PMDB, PC do B; não é impróprio usá-las, respeitando-se  seu real significado.
PS 1: Meu palpite no bolão: 8 x 3 para o Mensalão.
PS 2: Transar não pode, corrupa pode.
“O poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. (Fernando Pessoa).
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