“As amargas não...”
Neil doce como fel Ferreira
Afanei o
título desta coluna do livro de memórias de Alvaro Moreyra, que conta logo na
capa o que pretende ser. “As amargas não...” são lembranças de momentos
inesquecíveis, mas não os que machucam e
doem. São recordações de uma vida bem
vivida, contadas com a suavidade de um bate-papo entre amigos.
“Sempre se tem vinte anos, num canto do
coração”, aprende-se com a leitura, mesmo quem já multiplicou esses vinte por
três ou quatro. Tenha seus vinte anos hoje, grude na tv, veja de olhos arregalados a abertura dos Jogos
Olímpicos e guarde para sempre na memória o maior espetáculo da Terra. As
amargas não.
Pedra no rim
é lembrança amarga, boa para lembrar se você estiver numa reunião com amigos
hipocondríacos, o que não é impossível. Tenho amigos hipondríacos que dariam para lotar um
estádio de futebol de médio porte, tipo o do Barueri, segunda casa do São Paulo
FC, que em Barueri ganha mais do que no
Morumbi. As amargas não.
Um deles prescreve
suas mezinhas com a ordem: “Você ‘me tome’ duas doses todas as noites, antes de
dormir”. A turma “me tomava” obediente e no dia seguinte aparecia de ressaca.
Cada dose receitada
continha uma generosa dose dupla de Jake Daniel´s, comprovado elixir da longa vida,
bebida sagrada de Frank Sinatra, que
viveu mais de 80 anos invejáveis, cercado de boa comida de cama e mesa. Nem falo do bebum de respeito que foi
Hemingway, que ficou de saco cheio e pediu demissão do seu cargo aqui na Terra.
As amargas não.
É como o
floral que o nosso cão Chicão toma e que contém 30% de brandy, receitado pelo
veterinário Vegan, dr. S*, da maior
confiança.
Bebendo o
floral em gotas porém sem moderação, Chicão viciou, virou alcoólatra, late com
seu vozeirão para os jacarés fictícios
que vê na parede, fantasmagorias produzidas pelo DT (Delirium Tremens), exigindo
o trago de boa noite.
Buscamos agora um A.A. (Alcoólatras Anônimos) para cães, para ver se ele dá pelo menos uns 3 passos,
dos 12 exigidos pelo tratatamento. Eu não passei dos 4. As amargas não.
Rose
Kennedy, matriarca do clã Kennedy, que aos 90 anos ainda nadava nas águas
geladas de Martha´s Vineyard, depois de
ter um filho morto na II Guerra Mundial, outros dois assassinados, uma filha
lobotomizada e um outro, de porre, metido num desastre em que sua acompanhante
morreu e ele fugiu sem socorrê-la, deixou-nos a autobiografia “Times to
Remember”, cujo foco é: “A memória é seletiva, guarda apenas as lembranças boas”. As amargas não.
Aos 69 anos,
esqueço o ontem e o tresantontem, para mergulhar no sintoma mais grave da
velhice – aquele do “no meu tempo era melhor”. Melhor ? Não tinha nem celular,
filhote da privataria de FHC, que se multiplica com a velocidade dos gremlins.
Tinha
ditadura, tortura, censura, terrorismo, repressão, Oban, “Tutóia Hilton”, guerrilha,
mas repito com convicção – as amargas não. Tinha “Diretas Já”, Covas, Montoro,
Richa, FHC, doutor Ulysses; Pelé, Tostão e Gerson Canhotinha, trio de ouro do Tri
de 70; tinha a divina Seleção de 82, doTelê.
Tinha numa gaveta da memória o álbum de
Figurinhas Futebol, a página do São Paulo FC completinha, com a carimbada e
tudo. As amargas não.
Esqueço o
“país dos mais de 80%”; os mensaleiros e
sua quase certa absolvição; a classe política, toda ela suspeita de corrupção;
Renan Avacalheiros na bica de sentar na cadeira cativa do Sarney; a mentira deslavada transformada em verdade; o
pobre que virou Crasse Mérdia sem sair da mérdia; o SUS, “uma das melhores
saúdes do mundo”; o Estado tomado de assalto; a cumpanherada sindicalista por
cima da carne sêca; a Petrobrás cada vez mais afundada, na fundura mais funda do
que o Pré-Sal.
A imundície e
a feiura que são os garranchos pichados nas paredes, a arte e cultura do
lulopetismo. “-- É a voz dos sem voz”,
elogia-os a Relaxa e Goza, sem jamais oferecer seu muro granfino-belezura, para que
pichem livremente suas “vozes” roucas da ignorância no pudê.
As pichações
“do meu tempo” (rsrsrs) eram obras da inteligência, como a de 68 em Paris, “Interdit
d´interdire”, ou de humor, como as de
São Paulo nos anos 70, “Morte aos dentistas”, “Fora terráqueos”, “Celacanto
provoca maremoto”. As amargas não.
Lembro Nara,
Vinícius, Carlos Lyra, Chico, Caetano, Gil, Tom, Vandré, Mutantes, Caymmi,”Deus
e o Diabo...”, “O Pagador de Promessas”, “Assalto ao Trem Pagador” “Rio 40
Gráus”, “O Rei do Rio”. Esqueço Rita Lee de propósito e com a maior facilidade.
As amargas não.
O futuro
precisará despejar da memória Lula, que foi contra a Anistia e o Plano Real; Maluf,
Carminha , o Outdoor Ambulante Neymar Cai-Cai e o “Ai se eu te pego”;
reconhecer os dois mandatos de FHC como marcos da nossa História; e respeitosamente
mandar dona Ana Arrais tomar no TCU. As
amargas não.
Desculpe a
grossura do neo-palavrão (“tomar no TCU”); nossa lingua brasileira é gorda de siglas suspeitas: TCU, STF, SUS,
PAC, PT, PMDB, PC do B; não é impróprio usá-las, respeitando-se seu real significado.
PS
1: Meu palpite no bolão: 8 x 3 para o Mensalão.
PS
2: Transar não pode, corrupa pode.
“O
poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”.
(Fernando
Pessoa).
tela:magritte
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