O
CONTESTADO – RESTOS MORTAIS
Filme de Sylvio Back
(Digital, Cor/PB, 118 min.)
Sinopse
Com o testemunho de trinta médiuns em transe, articulado ao
memorial sobrevivente e à polêmica com especialistas, “O Contestado – Restos
Mortais”, é o resgate mítico da chamada Guerra do Contestado (1912-1916).
Envolvendo milhares de civis e militares, o sangrento episódio conflagrou
Paraná e Santa Catarina por questões de fronteira e disputa de terras, mesclado
à eclosão de um surto messiânico de grandes proporções.
Ficha técnica
Equipe
Fotografia e câmara Antonio Luiz Mendes
Diretor assistente Zeca Pires
Som-direto Juarez Dagoberto
Montagem/edição Sylvio Back/PH Souza
Abertura/efeitos visuais Fernando Pimenta
Produção PH Souza
Produção executiva Margit Richter
Produção Usina de Kyno/Anjo Azul Filmes
Pesquisas, roteiro e direção Sylvio Back
Apoio
Governo do Paraná
Secretaria de Estado da Cultura do Paraná
Governo de Santa Catarina
Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte
de Santa Catarina
Universidade Federal de Santa Catarina
Fundação de Amparo à Pesquisa Universitária
(FAPEU-UFSC)
Secretaria da Cultura (UFSC)
Patrocínio
Centrais Elétricas de Santa Catarina (CELESC)
Companhia Paranaense de Energia Elétrica (COPEL)
Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR)
Lei do Audiovisual
Agência Nacional do Cinema (ANCINE)
Contestado, o que é?
(resumo
histórico)
Sylvio
Back
A
Guerra do Contestado (1912-1916), o maior e mais trágico levante pela posse e contra
a usurpação da terra no século XX no Brasil, com nítido substrato de fanatismo
religioso, cunho separatista e ânsia de poder, e cujo desenrolar incendiou os
estados do Paraná e de Santa Catarina, provocando a morte de mais de 20 mil
pessoas, continua pouco estudado e reconhecido nas escolas e universidades, além
de inteiramente desterrado da historiografia e do inconsciente coletivo
nacionais.
Inúmeras vezes
associado à Canudos (1896-1897), dadas as raízes messiânicas, sociais e bélicas
comuns, embora o viés geopolítico, multinacional, xenófobo e terrorista de luta
nos sertões catarinenses os distancie, inclusive, pelo número de mortos e
feridos, o Contestado soa como um acontecimento fantasma no processo civilizatório
brasileiro, em especial, do Sul.
Quando não é,
inclusive, confundido com a Revolução Farroupilha (1835-1845) e com os Mucker (1872-1874), aquela, porque
chegou a estender seu raio de ação até Santa Catarina (Laguna e Lages), este,
pelo fervor religioso que norteou seu nascimento e derrocada frente às tropas
imperiais.
Há quase cem anos, exatamente em 1915, com a
prisão de seu último líder, Adeodato, o chamado “Flagelo de Deus”, terminava
a (ainda) tão mal conhecida e esparsamente estudada “Campanha do Contestado”,
uma guerra civil sem precedentes na História do Brasil, e que, durante quatro
anos, entre 1912 e 1916, conturbou o Centro Oeste de Santa Catarina numa área
do tamanho do Estado de Alagoas. Era esse o território reivindicado pelo
Paraná, cujas fronteiras iam até a atual divisa do Rio Grande do Sul, e
contestada no Supremo Tribunal Federal, daí a expressão, “Contestado”.
Numa violenta, épica e desigual luta
fraticida, quando se chegou a cogitar o inédito uso da aviação para bombardear
os revoltosos, antigos posseiros e fanáticos religiosos, que se reuniam nos
chamados “redutos” (toscas cidadelas onde aceitavam uma “vida concentracionária”,
rezando o dia inteiro, passando fome e na total insalaubridade, e até submetendo-se
a castigos físicos) sob lideranças místicas e paramilitares que vinham de
outras refregas institucionais da região, como a Revolução Federalista
(1893-1895), que também almejava separar-se do resto do país.
Todos, juntamente, com pequenos fazendeiros,
ervateiros e lavradores, peões, deserdados de vários quadrantes,
comerciantes, profissionais liberais, desempregados, imigrantes, quilombolas,
desertores e fugitivos da lei, se bateram (e revidaram com idêntica virulencia)
contra a exploração de empresas estrangeiras aliadas a latifundiários, mercenários
e aos detentores do poder político e militar no Paraná e Santa Catarina.
E, depois, no ápice dos acontecimentos, do Governo
Federal, com a entrada em cena do Exército (quase setenta por cento do seu
efetivo nacional) em 1914, temeroso de que ali havia rastilho de retorno à monarquia,
especialmente, quando se espalhou pela região em guerra a explosiva noticia da criação
da Monarquia Sul-Brasileira, que se estenderia do Uruguai ao Rio de Janeiro.
O pivô de tudo foi
a concessão de terras úberes e forradas de pinheiros e outras árvores nobres
à multinacional Brazil Railway Company (financeiramente monitorada pelo chamado Sindicato Farquhar, holding internacional do americano
Percival Farquhar, dono de um império ferroviário e de energia elétrica no
país) que, para construir uma extensa e
dispendiosa estrada de ferro, cortando, a partir de São Paulo, o Paraná e
Santa Catarina até o Rio Grande do Sul, ganhou da República quinze quilômetros
de cada lado do traçado. Um autêntico maná.
No entanto, ao
invés de povoar com colonos europeus as terras vizinhas à ferrovia, segundo
obrigação contratual, a Brazil Railway decidiu otimizar seus lucros,
criando a Southern Brazil Lumber and Colonization Company, conhecida por
Lumber – uma gigantesca serraria que rapidamente transformou-se na maior da
América do Sul.
Enquanto as
discussões sobre fronteiras entre catarinenses e paranaenses se arrastavam
nos tribunais, os construtores da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, os
administradores da Lumber e os
grandes proprietários de terras dos dois Estados (na época, “províncias”),
investiam no aumento de seus respectivos horizontes tanto para a extensiva
expropriação das riquezas naturais (araucária, imbuía, cedro, plantações de
erva-mate, e pastagens férteis para o gado) como para a cobrança de impostos.
A expulsão da caboclada e que tais (milhares deles
contratados no Nordeste e no Rio de Janeiro, sem trabaho após a conclusão da
ferrovia em 1910) de seus ranchos, plantações e pinheirais, fazia parte do negócio.
E para quem ocupava aqueles imensos e ricos sertões, título de propriedade era
uma ficção ou então encarado com um instrumento dos “coronéis” para enganá-los.
Mas naqueles idos
de 1912, quando a arbitrariedade no campo era moeda corrente, nem o latifúndio
nem os estrangeiros contavam com uma súbita, depois gradativa, organizada e
ferrenha reação armada dos espoliados. O alento provinha de um catolicismo rústico
mesclado a nebulosas convicções mitológicas rememoradas por dois “monges”
viandantes e curandeiros, João e José Maria, cada um a seu tempo, líderes
carismáticos convertidos pelos fiéis em “santos guerreiros”, mesmo depois de
mortos. Instigado e municiado por cismas políticos regionais, o segundo
deles, José Maria, que “vendia” fraudulentamente terras devolutas aos
posseiros, pregava e prometia à multidão de seguidores a implantação de uma “monarquia
celestial” (inspirado na mitológica figura de Carlos Magno) para se contrapor
à República, execrada como sendo uma “invenção do diabo”, responsável pela
fome, miséria e êxodo a que tinham sido condenados.
No princípio revestido e travestido de um messianismo
de corte ordeiro e autodefensivo, mas que logo foi evoluindo para uma luta de
vida e morte tanto de caráter reivindicatório quanto de poder, com laivos terroristas
na afirmação social e enfrentamento bélico – um cenário institucional
desconhecido numa região até então rara e ralamente habitada.
Assim, a Guerra do Contestado acabou adubando com
sangue e selvageria inaudita o chão onde antes viviam pacificamente milhares
de famílias, de vez em quando visitadas pela Igreja, cujos padres, pura ironia,
ora benziam as armas das tropas, como durante o conflito alcaguetavam ao
Exército as prelazias dos caboclos para os ataques do general Setembrino de
Carvalho, que desconhecia topograficamente a região.
Rodeados hoje por gigantescas e silenciosas extensões
de pinus elliottii, onde antes se
viam vastas populações de animais silvestres, de pinheiro, plantações de
erva-mate e milharais, criação e lavouras de subsistênica, atualmente, cruzeiros
fantasmas de “pelados” e soldados insepultos continuam clamando por salvação
divina e justiça terrena. –
O Diretor
Sylvio Back é cineasta, poeta, roteirista e escritor. Filho de Imigrantes húngaro e
alemã, é natural de Blumenau (SC). Ex-jornalista e crítico de cinema, autodidata,
inicia-se na direção cinematográfica em 1962, tendo escrito, dirigido e
produzido até hoje trinta e oito filmes – entre curtas, médias e onze
longas-metragens, esses, a saber: “Lance Maior” (1968), “A Guerra dos Pelados” (1971), “Aleluia, Gretchen” (1976), “Revolução de 30” (1980), “República Guarani” (1982), “Guerra do Brasil” (1987), “Rádio Auriverde” (1991), “Yndio do Brasil” (1995), “Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro” (1999), “Lost
Zweig” (2003), “O Contestado – Restos Mortais” (2010); e “O Universo
Graciliano” (2012, em finalização).
Tem editados vinte e um livros – entre poesia, ensaios, contos e os argumentos/roteiros dos filmes, “Lance Maior”, “Aleluia, Gretchen”, “República Guarani”, “Sete Quedas”, “Vida e Sangue de Polaço”, “O Auto-Retrato de Bakun”, “Guerra do Brasil”, “Rádio Auriverde”, “Yndio do Brasil”, “Zweig: A Morte em Cena”, “Cruz e Sousa – O Poeta do
Desterro” (tetralíngüe), “Lost Zweig” (bilíngue) e “A Guerra dos Pelados”.
Obra poética: “O caderno erótico de Sylvio Back” (Tipografia do Fundo de Ouro Preto,
Minas Gerais, 1986); “Moedas de Luz” (Max Limonad, São Paulo, 1988); “A Vinha do Desejo” (Geração
Editorial, SP, 1994); “Yndio do Brasil” (Poemas de Filme) (Nonada, MG, 1995); “boudoir” (7Letras, Rio de Janeiro,
1999); “Eurus” (7Letras, RJ, 2004); “Traduzir é poetar às avessas”
(Langston Hughes traduzido) (Memorial da América Latina, SP, 2005), “Eurus” bilíngüe
(português-inglês) (Ibis Libris, RJ, 2006); “kinopoems” (@-book) (Cronópios Pocket
Books, SP, 2006); e “As mulheres gozam pelo ouvido” (Demônio Negro, SP, 2007).
Com 74 láureas nacionais e internacionais, Sylvio Back é um dos mais
premiados cineastas do Brasil. Em 2011, recebe a insígnia de Oficial da Ordem
do Rio Branco, concedida pelo Ministério das Relações Exteriores, pelo conjunto
de sua obra cinematográfica e de roteirista. –
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