segunda-feira, 10 de setembro de 2012

WALDO LUÍS VIANA

A  ATROPELADA ELEITORAL

            “Na medida em que se aproxima da cabine eleitoral, o eleitor sente uma irresistível vontade de trair...”
Benedicto Valladares

Waldo Luís Viana*

         No dia 7 de setembro ficamos a exatamente trinta dias das próximas eleições municipais.
Jamais vi, nesse país, um pleito tão insosso e sem qualquer significado. Aliás, esse descaso é proporcional ao tratamento  que recebem nossas metrópoles no atual momento nacional: falta de saneamento, lixo à mostra, engarrafamentos monstros, encostas perigosas, pedágios clamorosos, transporte público insuficiente, defesa civil incipiente e muitos prefeitos corruptos – tudo isso coadjuvado por um poder legislativo constituído de vereadores inoperantes, custosos e, quando não desonestos e ligados à fina bandidagem.
         Na verdade, sofremos do ocaso da representação, com um fosso extraordinário entre o povo e seus eleitos, que sumirão logo após as eleições para trás dos cordões de isolamento – que ninguém é de ferro. O povão, na verdade, nada espera desses bafejados pela sorte, que trocarão, logo depois, as vistas populares pela rotina bajulatória de seus gabinetes nas câmaras municipais.
         O status que os vereadores conseguirão, quando eleitos, justifica a corrida de carros com jingles insuportáveis e plagiatórios, placas nas casas e cavaletes no chão das ruas, faixas interrompendo o trânsito e a floresta de santinhos com os eternos pedidos de votos. Desta vez, porém, uma novidade: com a permissão da Justiça Eleitoral enfatiza-se o número dos candidatos, em detrimento dos partidos a que pertençam.
         E isto ocorre porque num país com cerca de trinta partidos pouco interessam programas e intenções. É o número que tem que ser ressaltado por causa da máquina de votar. E ficam para depois os modos de administrar ou de representação legislativa. A vida e o interesse públicos são pequeno detalhe para um momento posterior, em que o povo não estará presente, a não ser como vítima...
         Nessa atropelada cívica, entram agora os profissionais da política, os malandros federais e estaduais que apoiarão seus pupilos, neste instante na liça, com vistas às eleições que realmente valem, em 2014. Afinal, o aparato de vereadores e prefeitos eleitos agora servirá de estrutura para os voos futuros dos parlamentares que se elegerão mais tarde, bem como formará a base de apoio para os candidatos majoritários a governador, senador e presidente no próximo pleito.
         Nesse sentido, o atual certame interessa muito mais aos políticos profissionais do que ao povão.
Vemos as populações muito atentas, contudo, ao movimento percebido dos candidatos e muitos se divertem com os seus apelidos ridículos e desempenhos pirotécnicos para chamar atenção. O horário “gratuito” (que é ressarcido depois regiamente às televisões comerciais) continua o mesmo festival de sandices, mentiras, promessas e propostas – muitas delas inclusive desarticuladas do mero interesse municipal.
         Tal licenciosidade é garantida pela complexa normalização da Justiça Eleitoral que trata a todos – candidatos e eleitores – como crianças, além de nos brindar com a crença de que nosso sistema eletrônico de votação e apuração, com voto sem recibo e fiscalização, é totalmente confiável. Vivemos no melhor dos mundos, porém, para quem acredita, porque nossas eleições viraram verdadeiro ato de fé!
         A par disso, vemos a estória eleitoral desdobrando-se com a pletora de candidatos lutando nas ruas, no corpo a corpo com os eleitores. Todos acreditam na própria eleição e somam as suas possibilidades a partir das promessas dos eleitores.
         Ocorre que não percebem que é nessa precisa hora que o eleitor dá o troco. Ele promete ao candidato com a mesma dose de engano e mentira com que se comportam com ele. Não se sabe, aliás, quem engana quem, se o sacana do candidato ou a prostituta do eleitor...
         As promessas entre os dois grupos vão se multiplicando, adensando sempre o mistério eleitoral, mas, infelizmente, sabemos que os candidatos a vereador mais votados serão os mais conhecidos por terem verdadeiras bases sociais, depois os mais aquinhoados pelo capital e por doações de empresas e políticos e, finalmente, uns poucos jamais eleitos, que surgirão como surpresa, fazendo a delícia da mídia.
         Acredita-se que uma candidatura a vereador, numa cidade com mais de um milhão de habitantes, custará entre 300 e 500 mil reais, o que se configura como enorme prejuízo para os derrotados. Sem dúvida, a eleição para vereador é a mais difícil dentre todas...
         A história política dos derrotados, entretanto, formula um conteúdo terrível que não é contado, constituindo-se, no entanto, num extraordinário drama, rapidamente silenciado nos meios de comunicação, porque o derrotado eleitoral vira fantasma e os vitoriosos são festejados pelos aduladores e pelo povo que se finge agradecido.
         Na verdade, por nossas condições subdesenvolvidas de educação e caráter, arriscaria dizer que nosso povo é muito pior do que os políticos que ele elege e por isso não adianta reclamar, a não ser nas tradicionais filas de hospital e banco.
         Somos um povinho bunda com representação de esgoto e o panorama vai continuar assim, até o momento em que o voto não for mais obrigatório, não for mais proporcional e uninominal, com o eleitor podendo ser mais consultado em plebiscitos e referendos, mas isso não irá acontecer, vez que as elites políticas jamais o permitirão.
         Um processo eleitoral dependente do grande capital e de gastos imensos pelos candidatos presta-se sempre à representação distorcida e desfigurada. Tão desfigurada quanto a cara dos candidatos, que aparecem no horário gratuito como verdadeiro anticlímax, com o povo suspirando aliviado quando o programa acaba e aparecem os artistas da Rede Globo.
         Afinal de contas, ver gente normal e bonita, não eleitoral, faz bem à saúde, que ninguém na planície é de ferro...
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*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e acha que candidato derrotado no Brasil é pior que cão pirento...
Teresópolis, 9 de setembro de 2012.TELA: ticiano/vênus ao espelho

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