A ATROPELADA ELEITORAL
“Na medida em que se aproxima da cabine eleitoral, o eleitor sente uma irresistível vontade de trair...”
Benedicto Valladares
Waldo Luís Viana*
No dia 7 de setembro ficamos a exatamente trinta dias das próximas eleições municipais.
Jamais vi, nesse país, um pleito tão insosso e sem qualquer significado. Aliás, esse descaso é proporcional ao tratamento que
recebem nossas metrópoles no atual momento nacional: falta de
saneamento, lixo à mostra, engarrafamentos monstros, encostas perigosas,
pedágios clamorosos, transporte público insuficiente, defesa civil
incipiente e muitos prefeitos corruptos – tudo isso coadjuvado por um
poder legislativo constituído de vereadores inoperantes, custosos e,
quando não desonestos e ligados à fina bandidagem.
Na
verdade, sofremos do ocaso da representação, com um fosso
extraordinário entre o povo e seus eleitos, que sumirão logo após as
eleições para trás dos cordões de isolamento – que ninguém é de ferro. O
povão, na verdade, nada espera desses bafejados pela sorte, que
trocarão, logo depois, as vistas populares pela rotina bajulatória de
seus gabinetes nas câmaras municipais.
O
status que os vereadores conseguirão, quando eleitos, justifica a
corrida de carros com jingles insuportáveis e plagiatórios, placas nas
casas e cavaletes no chão das ruas, faixas interrompendo o trânsito e a
floresta de santinhos com os eternos pedidos de votos. Desta vez, porém,
uma novidade: com a permissão da Justiça Eleitoral enfatiza-se o número
dos candidatos, em detrimento dos partidos a que pertençam.
E
isto ocorre porque num país com cerca de trinta partidos pouco
interessam programas e intenções. É o número que tem que ser ressaltado
por causa da máquina de votar. E ficam para depois os modos de
administrar ou de representação legislativa. A vida e o interesse
públicos são pequeno detalhe para um momento posterior, em que o povo
não estará presente, a não ser como vítima...
Nessa
atropelada cívica, entram agora os profissionais da política, os
malandros federais e estaduais que apoiarão seus pupilos, neste instante
na liça, com vistas às eleições que realmente valem, em 2014. Afinal, o
aparato de vereadores e prefeitos eleitos agora servirá de estrutura
para os voos futuros dos parlamentares que se elegerão mais tarde, bem
como formará a base de apoio para os candidatos majoritários a
governador, senador e presidente no próximo pleito.
Nesse sentido, o atual certame interessa muito mais aos políticos profissionais do que ao povão.
Vemos
as populações muito atentas, contudo, ao movimento percebido dos
candidatos e muitos se divertem com os seus apelidos ridículos e
desempenhos pirotécnicos para chamar atenção. O horário “gratuito” (que é
ressarcido depois regiamente às televisões comerciais) continua o mesmo
festival de sandices, mentiras, promessas e propostas – muitas delas
inclusive desarticuladas do mero interesse municipal.
Tal
licenciosidade é garantida pela complexa normalização da Justiça
Eleitoral que trata a todos – candidatos e eleitores – como crianças,
além de nos brindar com a crença de que nosso sistema eletrônico de
votação e apuração, com voto sem recibo e fiscalização, é totalmente
confiável. Vivemos no melhor dos mundos, porém, para quem acredita,
porque nossas eleições viraram verdadeiro ato de fé!
A
par disso, vemos a estória eleitoral desdobrando-se com a pletora de
candidatos lutando nas ruas, no corpo a corpo com os eleitores. Todos
acreditam na própria eleição e somam as suas possibilidades a partir das
promessas dos eleitores.
Ocorre
que não percebem que é nessa precisa hora que o eleitor dá o troco. Ele
promete ao candidato com a mesma dose de engano e mentira com que se
comportam com ele. Não se sabe, aliás, quem engana quem, se o sacana do
candidato ou a prostituta do eleitor...
As
promessas entre os dois grupos vão se multiplicando, adensando sempre o
mistério eleitoral, mas, infelizmente, sabemos que os candidatos a
vereador mais votados serão os mais conhecidos por terem verdadeiras
bases sociais, depois os mais aquinhoados pelo capital e por doações de
empresas e políticos e, finalmente, uns poucos jamais eleitos, que
surgirão como surpresa, fazendo a delícia da mídia.
Acredita-se
que uma candidatura a vereador, numa cidade com mais de um milhão de
habitantes, custará entre 300 e 500 mil reais, o que se configura como
enorme prejuízo para os derrotados. Sem dúvida, a eleição para vereador é
a mais difícil dentre todas...
A
história política dos derrotados, entretanto, formula um conteúdo
terrível que não é contado, constituindo-se, no entanto, num
extraordinário drama, rapidamente silenciado nos meios de comunicação,
porque o derrotado eleitoral vira fantasma e os vitoriosos são
festejados pelos aduladores e pelo povo que se finge agradecido.
Na
verdade, por nossas condições subdesenvolvidas de educação e caráter,
arriscaria dizer que nosso povo é muito pior do que os políticos que ele
elege e por isso não adianta reclamar, a não ser nas tradicionais filas
de hospital e banco.
Somos
um povinho bunda com representação de esgoto e o panorama vai continuar
assim, até o momento em que o voto não for mais obrigatório, não for
mais proporcional e uninominal, com o eleitor podendo ser mais
consultado em plebiscitos e referendos, mas isso não irá acontecer, vez
que as elites políticas jamais o permitirão.
Um
processo eleitoral dependente do grande capital e de gastos imensos
pelos candidatos presta-se sempre à representação distorcida e
desfigurada. Tão desfigurada quanto a cara dos candidatos, que aparecem
no horário gratuito como verdadeiro anticlímax, com o povo suspirando
aliviado quando o programa acaba e aparecem os artistas da Rede Globo.
Afinal de contas, ver gente normal e bonita, não eleitoral, faz bem à saúde, que ninguém na planície é de ferro...
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*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e acha que candidato derrotado no Brasil é pior que cão pirento...
Teresópolis, 9 de setembro de 2012.TELA: ticiano/vênus ao espelho
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