FILMES
RECENTES DE WOODY ALLEN
Convencionalismo
e Irrelevância
Guido
Bilharinho
Poucas e Boas
O filme Poucas e Boas (Sweet and Lowdown, EE. UU., 1999), de Woody Allen, a
respeito de hipotético guitarrista estadunidense de jazz, demonstra competência
formulativa e direcional, incidindo aquela nas imaginosas situações vividas
pela personagem e esta no domínio da direção. Requisitos, aliás, exigidos de
qualquer filme, por mais comercial seja, que é o caso, no qual, tirante os
atributos citados, nada mais resta do que passatempo digerível entre
selecionada musicalidade e peripécias e extravagâncias nas quais se envolve o
protagonista, mercê de forte desorientação vivencial atribuída por Allen, autor
da estória, tanto a temperamento caótico quanto à formação desordenada,
temperados e liquidificados filmicamente com habilidade e leveza à margem da
arte cinematográfica, não, porém, da musical, que exalta e exalça.
Ponto
Final
Ponto Final (Match Point, Grã-Bretanha/EE.UU.,
2005), de Woody Allen, não passa de novelão dramático criminal que, como todo
seu congênere, assenta-se unicamente em clichês e situações muitas e muitas
vezes tratadas ficcionalmente.
A par disso, por isso e
também causa disso, é de acentuada indigência mental, já que carece até mesmo
daquela engenhosidade encontrável vez por outra nos filmes mais recentes do
diretor que, juntamente com as personagens Davi (de Igual a Tudo na Vida) e Bóris (de Tudo Pode Dar Certo), constituem os únicos aspectos que neles, às
vezes, despertam algum interesse.
Nesse filme há esquema
conflituoso - que não só é o ponto final, mas seu ponto central - entre
protagonista e amante parecido em tudo por tudo, afora a diversa
contextualização, com o de Crimes e
Pecados (Crimes and Misdemeanors, 1989).
O
Grande Furo
O Grande Furo (Scoop, Grã-Bretanha/EE.UU., 2006) pretende ser filme
policial e ao mesmo tempo comédia. Não que um não possa ser também o outro.
Mas, nele, a saga jornalística de perseguição a assassino serial não chega a
essa mesclagem, já que não é nenhuma nem outra coisa.
Até seu pequeno período de
suspense nas investigações procedidas pelos protagonistas na sala reservada da
mansão do suspeito, além de destoar do ritmo leve e previsível do fio
narrativo, repete situação parecida à do filme Interlúdio (Notorius, EE.UU., 1946), de Hitchcock.
A par isso, à semelhança do
antagonismo entre o protagonista e a amante dos filmes Crimes e Pecados e Ponto
Final, neste O Grande Furo também
sucede circunstância análoga, resolvida, por sinal, da mesma maneira da
ocorrida nos citados filmes.
A anotar, apenas, a diferença
de direção e interpretação da atriz (Scarlett Johansson) que protagoniza três
desses filmes em papéis totalmente diferentes (em Ponto
Final, a sedutora que desencaminha os homens; neste O Grande Furo, a alegre e disponível
jornalista idealista; e, em Vicky, a
desfrutável turista fotógrafa), demonstrando tanto a flexibilidade direcional
de Allen quanto a versatilidade interpretativa dessa atriz.
O Sonho
de Cassandra
O
Sonho de Cassandra (Cassandra´s Dream, 2007) perfaz a mais
drástica tragédia escrita e dirigida por Woody Allen. Independentemente de seu
gênero, não excede, como os demais filmes desse diretor desde Um Misterioso Assassinato em Manhattan (Manhattan
Murder Mystery, 1993), o nível de realização convencional e comercial.
Nele, do mesmo modo do
verificado em outros de seus filmes, incide também a eliminação de personagem
incômoda e incomodativa, neste caso de possível testemunha de irregularidades
administrativas e fiscais de outra personagem.
Os relacionamentos amorosos
de seus jovens protagonistas não se distinguem de outros tantos mais.
A destacar, o paulatino
descontrole de um dos irmãos, ecoando Raskolnikov, o paradigma máximo em casos
da espécie, que é, acima mesmo do impacto da tragédia, o ponto nevrálgico do
filme, seu nervo exposto.
Vicky
Cristina Barcelona
Vicky Cristina Barcelona (Idem, Espanha/EE.UU., 2008) constitui um
dos filmes em que a filmografia de Allen atinge o fundo do poço.
Não passa de turismo filmado com
conotação sexual às avessas. Ao invés de homens, duas estadunidenses – sob o
pretexto de uma delas efetuar pesquisa para tese a respeito da Cataluña - não
fazem outra coisa do que se relacionar com pintor espanhol.
Aí entram os ingredientes
apimentados para dar mais sabor a esse filme arrumadinho, totalmente anódino,
inserido e paradigma do domínio do espetáculo e do entretenimento destinado a
faturar, para e por isso agradando e mantendo o público e a mídia
instrumentalizada onde sempre estiveram, ou seja, simples consumidores uns e
promotores outros dos produtos dessa rendosa indústria.
Não há nem possibilidade de
se comentar os condimentos desse P.F. (prato feito) de visualização de cartão
postal e mera promoção comercial–turística de Barcelona, cuja administração, ao
que consta, o teria financiado.
Os “amores”, as “paixões” e
os descompassos entre umas e outras de suas personagens compõem estereótipos e
clichês conhecidos.
A tantas se chega. Nada de
nada.
Além de tudo, arma-se o
reiterado e reincidente preconceito anti-latino, semelhante ao de Hitchcock em Ladrão de Casaca (To Catch a Thief,
EE.UU., 1955). Aqui o casal espanhol tem relacionamento tão tempestuoso que
entre eles se interpõem facadas e tiros, enquanto as duas ianques são calmas, civilizadas
e cordiais.
Você
Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos
O filme Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos (You Will Meet a Talk Dark
Stranger, EE. UU., 2010) não foge ao esquema usual da produção cinematográfica
de Woody Allen, que há tempos opera apenas ao nível do prosaico quando não do
banal. Ou seja, da naturalidade dos acontecimentos e dos atos de suas
personagens, destituídos de elaboração intelectual e de formatação artística.
Tanto o tema, o assunto, a
estória, quanto sua condução e tratamento submetem-se à formulação convencional
e linearizada, contemplando o óbvio e ressaltando sua manifestação aparente,
conquanto profissional e competentemente.
À semelhança de seus demais
filmes desde Um Misterioso Assassinato em
Manhattan (Manhattan Murder Mystery, EE.
UU., 1993), de cunho apenas comercial e promocional, por isso,
superficial, este também obedece à cartilha do trançamento habilidoso – mas,
não mais do que isso – de problemáticas existenciais sérias, porém, dessoradas,
desidratadas, diluídas e espetacularizadas para se transformarem em produtos
palatáveis, de fácil ingestão e leve digestão, daí seu êxito popular. Não Mais.
Meia-Noite em Paris
Woody Allen reúne em Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris,
França, 2011) todos os ingredientes indispensáveis ao espetáculo
cinematográfico, desde a infraestrutura de produção com sua parafernália
técnica, tema apelativo, caro a intelectuais, e habilmente articulado, até a décors adequados, passando, nesse
itinerário, pelos óbvios e universais recantos e monumentos parisenses,
banhados por música suave e apropriada. Na década de 1920 convoca para o centro
do palco ninguém menos do que Scott e Zelda Fitzgerald, Cole Porter, Hemingway,
Picasso, Gertrude Stein, Buñuel, Man Ray, Dali, além de outros, ou seja, os
artistas estadunidenses e espanhóis que residiram ou passaram pela cidade e se
tornaram famosos ícones e símbolos da primeira metade do século XX, aduzindo,
nesse tour-de-force, para maior
reforço apelativo de sua fantasia, breve escapada ao início da Belle Époque em
1890 com Gauguin, Degas, Lautrec, Moulin Rouge e Maxim’s.
A série de filmes europeus comerciais e
turísticos empreendida pelo diretor nos últimos anos não poderia, no seu gênero
e nas suas limitações, ter melhor coroamento. Contudo, não por “artes” de
Allen, mas, pelo lugar, época, ambientação cultural-etílica e galeria de
extraordinárias personalidades. Eles é que são e fazem o filme para diversão
leve de todos e deleite “cultural” de intelectuais nostálgicos. Nada, pois, de
criativo e artístico. Apenas reconstituição habilidosa, inteligente e
competente e, conquanto convencional, de lugar, época e pessoas altamente
especiais.
(do
livro inédito O Cinema de Hitchcock e
Woody Allen)
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Guido
Bilharinho é advogado atuante em Uberaba e editor da revista internacional de
poesia Dimensão de 1980 a 2000, sendo ainda
autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.
(Publicação
autorizada pelo autor)
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