quarta-feira, 3 de outubro de 2012

CINEMA

FILMES RECENTES DE WOODY ALLEN
Convencionalismo e Irrelevância

Guido Bilharinho

Poucas e Boas

             O filme Poucas e Boas (Sweet and Lowdown, EE. UU., 1999), de Woody Allen, a respeito de hipotético guitarrista estadunidense de jazz, demonstra competência formulativa e direcional, incidindo aquela nas imaginosas situações vividas pela personagem e esta no domínio da direção. Requisitos, aliás, exigidos de qualquer filme, por mais comercial seja, que é o caso, no qual, tirante os atributos citados, nada mais resta do que passatempo digerível entre selecionada musicalidade e peripécias e extravagâncias nas quais se envolve o protagonista, mercê de forte desorientação vivencial atribuída por Allen, autor da estória, tanto a temperamento caótico quanto à formação desordenada, temperados e liquidificados filmicamente com habilidade e leveza à margem da arte cinematográfica, não, porém, da musical, que exalta e exalça.

Ponto Final
                   Ponto Final (Match Point, Grã-Bretanha/EE.UU., 2005), de Woody Allen, não passa de novelão dramático criminal que, como todo seu congênere, assenta-se unicamente em clichês e situações muitas e muitas vezes tratadas ficcionalmente.
                   A par disso, por isso e também causa disso, é de acentuada indigência mental, já que carece até mesmo daquela engenhosidade encontrável vez por outra nos filmes mais recentes do diretor que, juntamente com as personagens Davi (de Igual a Tudo na Vida) e Bóris (de Tudo Pode Dar Certo), constituem os únicos aspectos que neles, às vezes, despertam algum interesse.
                   Nesse filme há esquema conflituoso - que não só é o ponto final, mas seu ponto central - entre protagonista e amante parecido em tudo por tudo, afora a diversa contextualização, com o de Crimes e Pecados (Crimes and Misdemeanors, 1989).

O Grande Furo
                   O Grande Furo (Scoop, Grã-Bretanha/EE.UU., 2006) pretende ser filme policial e ao mesmo tempo comédia. Não que um não possa ser também o outro. Mas, nele, a saga jornalística de perseguição a assassino serial não chega a essa mesclagem, já que não é nenhuma nem outra coisa.
                   Até seu pequeno período de suspense nas investigações procedidas pelos protagonistas na sala reservada da mansão do suspeito, além de destoar do ritmo leve e previsível do fio narrativo, repete situação parecida à do filme Interlúdio (Notorius, EE.UU., 1946), de Hitchcock.
                   A par isso, à semelhança do antagonismo entre o protagonista e a amante dos filmes Crimes e Pecados e Ponto Final, neste O Grande Furo também sucede circunstância análoga, resolvida, por sinal, da mesma maneira da ocorrida nos citados filmes.
                   A anotar, apenas, a diferença de direção e interpretação da atriz (Scarlett Johansson) que protagoniza três desses filmes em papéis totalmente diferentes (em Ponto Final, a sedutora que desencaminha os homens; neste O Grande Furo, a alegre e disponível jornalista idealista; e, em Vicky, a desfrutável turista fotógrafa), demonstrando tanto a flexibilidade direcional de Allen quanto a versatilidade interpretativa dessa atriz.

O Sonho de Cassandra
             O Sonho de Cassandra (Cassandra´s Dream, 2007) perfaz a mais drástica tragédia escrita e dirigida por Woody Allen. Independentemente de seu gênero, não excede, como os demais filmes desse diretor desde Um Misterioso Assassinato em Manhattan (Manhattan Murder Mystery, 1993), o nível de realização convencional e comercial.
                   Nele, do mesmo modo do verificado em outros de seus filmes, incide também a eliminação de personagem incômoda e incomodativa, neste caso de possível testemunha de irregularidades administrativas e fiscais de outra personagem.
                   Os relacionamentos amorosos de seus jovens protagonistas não se distinguem de outros tantos mais.
                   A destacar, o paulatino descontrole de um dos irmãos, ecoando Raskolnikov, o paradigma máximo em casos da espécie, que é, acima mesmo do impacto da tragédia, o ponto nevrálgico do filme, seu nervo exposto.

Vicky Cristina Barcelona
                   Vicky Cristina Barcelona (Idem, Espanha/EE.UU., 2008) constitui um dos filmes em que a filmografia de Allen atinge o fundo do poço.
                   Não passa de turismo filmado com conotação sexual às avessas. Ao invés de homens, duas estadunidenses – sob o pretexto de uma delas efetuar pesquisa para tese a respeito da Cataluña - não fazem outra coisa do que se relacionar com pintor espanhol.
                   Aí entram os ingredientes apimentados para dar mais sabor a esse filme arrumadinho, totalmente anódino, inserido e paradigma do domínio do espetáculo e do entretenimento destinado a faturar, para e por isso agradando e mantendo o público e a mídia instrumentalizada onde sempre estiveram, ou seja, simples consumidores uns e promotores outros dos produtos dessa rendosa indústria.
                   Não há nem possibilidade de se comentar os condimentos desse P.F. (prato feito) de visualização de cartão postal e mera promoção comercial–turística de Barcelona, cuja administração, ao que consta, o teria financiado.
                   Os “amores”, as “paixões” e os descompassos entre umas e outras de suas personagens compõem estereótipos e clichês conhecidos.
                   A tantas se chega. Nada de nada.
                   Além de tudo, arma-se o reiterado e reincidente preconceito anti-latino, semelhante ao de Hitchcock em Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, EE.UU., 1955). Aqui o casal espanhol tem relacionamento tão tempestuoso que entre eles se interpõem facadas e tiros, enquanto as duas ianques são calmas, civilizadas e cordiais.

Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos
                   O filme Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos (You Will Meet a Talk Dark Stranger, EE. UU., 2010) não foge ao esquema usual da produção cinematográfica de Woody Allen, que há tempos opera apenas ao nível do prosaico quando não do banal. Ou seja, da naturalidade dos acontecimentos e dos atos de suas personagens, destituídos de elaboração intelectual e de formatação artística.
                   Tanto o tema, o assunto, a estória, quanto sua condução e tratamento submetem-se à formulação convencional e linearizada, contemplando o óbvio e ressaltando sua manifestação aparente, conquanto profissional e competentemente.
                   À semelhança de seus demais filmes desde Um Misterioso Assassinato em Manhattan (Manhattan Murder Mystery, EE. UU., 1993), de cunho apenas comercial e promocional, por isso, superficial, este também obedece à cartilha do trançamento habilidoso – mas, não mais do que isso – de problemáticas existenciais sérias, porém, dessoradas, desidratadas, diluídas e espetacularizadas para se transformarem em produtos palatáveis, de fácil ingestão e leve digestão, daí seu êxito popular. Não Mais.

Meia-Noite em Paris
         Woody Allen reúne em Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, França, 2011) todos os ingredientes indispensáveis ao espetáculo cinematográfico, desde a infraestrutura de produção com sua parafernália técnica, tema apelativo, caro a intelectuais, e habilmente articulado, até a décors adequados, passando, nesse itinerário, pelos óbvios e universais recantos e monumentos parisenses, banhados por música suave e apropriada. Na década de 1920 convoca para o centro do palco ninguém menos do que Scott e Zelda Fitzgerald, Cole Porter, Hemingway, Picasso, Gertrude Stein, Buñuel, Man Ray, Dali, além de outros, ou seja, os artistas estadunidenses e espanhóis que residiram ou passaram pela cidade e se tornaram famosos ícones e símbolos da primeira metade do século XX, aduzindo, nesse tour-de-force, para maior reforço apelativo de sua fantasia, breve escapada ao início da Belle Époque em 1890 com Gauguin, Degas, Lautrec, Moulin Rouge e Maxim’s.
         A série de filmes europeus comerciais e turísticos empreendida pelo diretor nos últimos anos não poderia, no seu gênero e nas suas limitações, ter melhor coroamento. Contudo, não por “artes” de Allen, mas, pelo lugar, época, ambientação cultural-etílica e galeria de extraordinárias personalidades. Eles é que são e fazem o filme para diversão leve de todos e deleite “cultural” de intelectuais nostálgicos. Nada, pois, de criativo e artístico. Apenas reconstituição habilidosa, inteligente e competente e, conquanto convencional, de lugar, época e pessoas altamente especiais.

(do livro inédito O Cinema de Hitchcock e Woody Allen)
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba e editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000, sendo ainda autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.
(Publicação autorizada pelo autor)

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