“A LINGUAGEM ABJETA DO CINEMA”
Ser um burocrata-palhaço é fácil pela
similaridade com a nossa odiosa classe política. Falta-lhes conteúdo humano,
mas isso pouco importa pois são políticos modernos que lidam com a tragicômica
tecnologia moderna. Claro que o que o que os faz avançar é um constante
retrocesso à barbárie. Cabendo ao burocrata-palhaço servir como instrumento
policial a inventar leis, papelotes, carimbinhos e firulas no seu eterno
disfarce “cinzento” de caça à inteligência. E como o nonsense é que predomina
no país, sempre errando, de vez em quando acertam. Mas o que vem a ser o
burocrata-palhaço? Definiremos o palhaço e o resto fica por conta de cada um.
Em 1988, em “Os Meios de Comunicação Como Extensão do Homem” McLuhan afirmava
com maestria: “O palhaço é um homem integral que arremeda o acrobata numa
mímica elaborada da incompetência”. Heroificado por Partidos medíocres
coligados com o poder, chegam sempre a algum tipo de repartição pública, onde
aperfeiçoam a mesmice para que nada seja alterado.
Falta-nos hoje, plenitude a uma
apropriação poética da desintegração do real. A opção ética no nosso cinema foi
logo assassinada pelo narcisismo de alguns deslumbrados, e pelo capital que ao
satisfazer ao desejo de enganar, comprar e mentir transformou a traição numa
exaltação a ser seguida. Ou seja, cobriu-se a falta de sensibilidade concreta e
real com o dinheiro. E muitas foram as aberrações que vieram em nome do sucesso
a qualquer preço. E onde estão hoje esses virtuosos do capital? Resposta: bem
acolhidos na TV formatando clichês e inventando peruas que se dizem atrizes
vindas do prostíbulo do BBB: o Big Bunda Brasil! O velho realismo forte de “Os
Fuzis” deu lugar a uma zona de bonecas responsáveis pela irresponsabilidade de
sons e imagens sem concepção dramática alguma, a verbalizarem o óbvio na
dessubjetivação do espectador.
Queríamos pensar o Brasil, Poe,
Baudelaire ou Fernando Pessoa. Queríamos desafiar contradições, risos,
silêncios e nossos muito demônios. Queríamos avançar no saber para
ultrapassarmos a nós mesmos. O suporte da solidão num confronto permanente nos
tornou mais fortes frente a decrepitude agonizante dos nossos velhos e novos
inimigos. Lamentamos não terem apreendido nada com os trágicos anos de chumbo. Mas
o ameaçador não é o passado e sim o presente. Esse duplo de ontem e de hoje
ameaçando o futuro. Mas... o eterno esperto se acha engenhoso, insento de
responsabilidade a defender a mesmice que sempre os beneficiou na eterna
sem-vergonhice da nossa trágica política cultura que desde o regime militar,
vive de enxugar gelo. O próprio Celso Furtado citado como exemplo,
inquestionável como economista; como Ministro da Cultura foi um tremendo
enxugador de gelo, justificando até a interdição de um delicado filme de
Godard.
Ou seja, desde o regime militar vive-se
por todos os lados golpes de humilhação e castração. E onde não existe gozo, o
baixo e sujo tornam-se referências. Lamentavelmente a televisão se tornou o
nosso único campo perceptivo de uma história do esquecimento. Inseriu-se no
cinema para nos tornar ainda mais idiotas como realizadores e espectadores.
Basta que se veja os seus “filmes” de sucesso: um desacordo total com o cinema
de Humberto Mauro, Mario Peixoto ou Glauber Rocha, para nos limitarmos ao
trabalho com a linguagem e o saber. E o que passa do bom cinema brasileiro na
TV/ Pouco ou quase nada. E quando raramente passa é de madrugada. Claro que
aliaram-se as companhias estrangeiras e solidificaram a melancolia, a
burocracia e a barbárie. Só filmam os bem comportadinhos, adesistas, histéricos
e idiotas. Sensibilidade e investigação lingüística estão fora da “grade” –
terminologia imunda da TV.
Ora, não escolhemos o cinema para
sofrer ou morrer. Não cultuamos a depressão ou a tristeza, e sim a vida
satisfeita para todos. Fomos sempre críticos em relação a burocracia, mas
sabemos reconhecer seus avanços (quando avançam) e conquistas. Também nunca
subestimamos a força dos velhos inimigos, e sempre os confrontamos com
argumentos cabíveis. Já até os defendemos quando achávamos que não eram tão
baixos e oportunistas de plantão. Não temos uma visão infantil nem apaziguadora
dos tantos mal-entendidos como propostas veladas em defesa para que nada mude.
Fizemos e fazemos apesar desse fascismo também velado que nos domina da TV ao
Cinema-Espetáculo. Mas...a quem serve a TV e o Cinema-Espetáculo?
Onde a história se repete como
tragédia, traição e como farsa. Como essa advertência à Ancine publicada no dia
4 de dezembro último, no jornal O Globo, metonímia ou ataque ao cinema
brasileiro? Nossa triste história está repleta de tais situações ou
malabarismos lingüísticos e de posicionamentos de concepções. O que torna mais
abjeta a história do cinema e a nossa própria história. Toda vez em que se
tenta alguma mudança ou que se projeta alguma possibilidade para muitos, alguns
pensadores duvidosos, policiais e militares ganham as ruas, incentivadas ou
metonimizadas para nada acontecer. Situações a que a imprensa única atendeu
sempre. A voz do dono.
Particularmente, não somos personagens
de bastidores e louvamos a imprensa quando alguma liberdade se expressa, não
somente para o óbvio mas, para tematizações mais do que necessárias e que, no
cinema, só aparecem, depois dos bastidores! Como agora. A de possíveis alterações
nas Leis de Incentivo ao cinema. Que tem sido ativadas por situações muito
parcimoniosas, deixando o cinema mais vitimado do que compensado. No passado
ainda contávamos com o Sindicato Nacional da Indústria, ativo em suas
responsabilidades, com as Associações e outros movimentos. Hoje contamos com os
malabarismos dos peões da mídia e pouco mais. Que, na sofreguidão do sugar, se
embaralham nas tetas, temendo secar.
Nosso cinema periférico, carente e
dependente não pode abrir mão de decisões menos óbvias do governo para o setor.
Principalmente, como proteção e fomento. E nossa infraestrutura está pronta
para uma independência que, no futuro, será um forte suporte do próprio governo
e em nossa sustentabilidade. Como profissionais e como um mercado rentável
econômico e cultural.
E se o Brasil em sua essência carece de
reformas, estas Leis de Incentivo, se tornam fundamentais bastando para
atendê-las, reinverter os “argumentos” estampados e bem grafados na referida
matéria de O Globo. Indiscretamente escrita para os mesmos de sempre. O dono e
a voz! Pelas enumerações contraditórias e antagônicas. As de um cinema mais
privado do mundo. E nem precisamos discutir ou repetir o já defendido ao longo
dos anos em Simpósios e decisões. A defesa do cinema, do mercado e da cultura.
E de nossa autonomia e identidade. Com liberdade, independência e sem evasões:
econômicas e culturais.
E os sabujos conhecedores de mitos e oferendas,
conhecem também de feudos, monarquias e burguesias. O que Marx define em “18
Brumário”. Estes sabujos são os nossos Napoleões brasileiros. Que depois de
varrerem independência, escravidão e monarquia varreram o país, como Napoleão
varreu a Europa, como o seu domínio burguês de exploração e privatismo.
Conhecemos bem o “liberalismo” desses Napoleões. E em nossas lutas pelo cinema
o que se conseguiu foi graças aos movimentos como este da Ancine, definindo as
ações para uma autonomia de necessidades. Com o que possuímos de melhor:
recursos, capacidade e mercado. Ações de um rigor temático, histórico e
cultural.
Quando as companhias estrangeiras decidiam,
diretamente, os seus interesses na administração do cinema brasileiro. E nenhum
governo, como agora, pode ser insensível às intenções humanas e nobres da
Ancine; as de avançar numa área digna e imprescindível como a do cinema e do
audiovisual. Traduzindo mito, poder e prepotência na cultura das metrópoles,
becos e guetos de subproletarizados, dominados por tropas de ocupação e
limpando a área para o controle dos meios de produção, enquanto a exploração e
a exclusão não chegam. Preservando espaços para o cinema-televisivo ruim da
Globo. Não devemos nos envolver em discursividades ocas e evasivas, as de uma
subliteratura e as de uma subcultura. Nossa infraestrutura é política,
econômica e cultural. E é com ela que vamos lutar! E toda realidade só existe,
quando questionada e testada como existência. A do nosso cinema expropriado.
No Brasil, a defesa do nosso cinema precisa acompanhar
discussões como as de Jean Claude Carrière na França. Que em reuniões do GATT
acusou os Estados Unidos de estar liquidando o cinema no mundo. Sangrando como
diversão, cultura, controle e remessa de lucros. Deixando um rastro e uma
identidade esfacelada, comprometendo as ações do próprio governo. E o cinema
brasileiro ainda precisa de um olhar atento e sério sobre ele. Mais atento e
substancial do que o cinema 3D. Um olhar humano de afeto, dimensão e
significações. E sem negligenciar o mercado, um dos melhores do planeta,
esquecido e, diretamente controlado pelos meios de produção de teles e
celulares. Cujo mercado tornou-se a sala de espera e de exibições para nada. A
do mercado, a partir da própria produção. De produtos e seus entendimentos.
Produzidos como lixo.
E os incentivos são sim, recursos públicos de que fazemos
uma renúncia fiscal. E, se a fazemos, antes de chegar à Receita Federal, foi no
sentido de evitar burocracias e ao atendimento de urgências e necessidades. Por
isso, os recursos foram parar nas mãos de empresas estrangeiras. Um erro e
articulação da história que, conhecemos bem! E que precisam ser corrigidos com
a máxima urgência! Como os retidos nas companhias, sendo transferidos para o
BNDES ou outra instituição pública, com as dificuldades sendo socorridas pelo
Congresso, onde podemos negociar a maioria, pela legitimidade, e o sentido
grandioso de tais iniciativas políticas e culturais.
O cinema
e toda ação política, econômica e cultural acompanham um projeto do governo, em
favor do povo e da Nação e todos temos que cumprir essa tarefa. E despertar o
pequeno e grande público para acompanhá-la. E nada como o cinema para fazê-lo.
Vamos em frente! Lutamos definindo realidades. Coisa mais dura e mais onerosa!
E fundamentalmente contra os eternos inimigos de um cinema para todos.
Luiz
Rosemberg Filho e Sindoval Aguiar
RJ, 2012
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