O
CONTESTADO – RESTOS MORTAIS:
REVELAÇÃO DE UMA GUERRA INSEPUTA
Coincidindo com a efeméride do centenário
da Guerra do Contestado (1912-1916), violento conflito armado pela disputa de
fronteiras (daí a expressão, “contestado”) e posse da terra entre Paraná e
Santa Catarina, encontra-se em lançamento nacional o filme “O Contestado –
Restos Mortais” (118 min., cor/PB), de Sylvio Back, o premiado diretor de
“Aleluia, Gretchen”, “Yndio do Brasil” e “Lost
Zweig”. O longa-metragem está, atualmente, em cartaz em Florianópolis e
Curitiba, desde o dia 19 último; em seguida, entra em Porto Alegre (09/11); e,
simultaneamente, no Rio de Janeiro e São Paulo, dia 23 de novembro.
Na próxima segunda-feira, dia 29/10, haverá
pré-estreia de “O Contestado – Restos Mortais” na Academia Brasileira de Letras
(Teatro “Raimundo Magalhães Jr.”), no Rio de Janeiro. Após a projeção, debates
com o poeta e escritor, Carlos Nejar, o escritor Godofredo de Oliveira Neto e o
diretor do filme.
Tema já tratado ficcionalmente pelo autor em
“A Guerra dos Pelados” (1971), hoje um épico “clássico” sobre a questão fundiária
no Brasil, “O Contestado – Restos Mortais” é o inédito resgate histórico e
mítico (através do transe de 30 médiuns em cena), iconográfico (inéditas músicas
e filmes da época) e oral (a fala forte de descendentes dos rebeldes e de especialistas),
dessa autêntica guerra civil nos sertões do sul até hoje submersa em mistério.
Envolvendo milhares
de posseiros, pequenos proprietários, comerciantes, autoridades municipais, índios,
negros, imigrantes europeus e fanáticos religiosos, e a nada surpreendente
repressão do Exército e forças militares regionais associadas a
"coronéis" e seus jagunços, o inesperado levante, que provocou a
morte de mais de 20 mil pessoas, ensanguentou o centro-oeste de Santa Catarina durante
quatro anos, num território do tamanho do estado de Alagoas.
História desconhecida
“Nesses quarenta e
um anos que separam "A Guerra dos Pelados" deste "O Contestado –
Restos Mortais", filmado entre 2008 e 2010 no próprio teatro de operações
do Contestado, uma sensação de lesa pátria nunca deixou de me assombrar” –
confessa Sylvio Back.
“Sim, não apenas
como cidadão – explica –, mas por ser um cineasta cuja obra é
seduzida pela ânsia de reverter falácias, compromissos políticos-ideológicos
e o esquecimento militante da história oficial. Enfim, quão esquecidos,
ignorados, omitidos, quando menos, minimizados, permanecem personagens, fatos
& atos em torno da Guerra do Contestado. Seja junto à própria memória sobrevivente
em Santa Catarina e no Paraná, seja pela indiferença com que é tratada no meio
acadêmico e de sua explícita pouca importância no ensino escolar, portanto, da historiografia
brasileira. O Contestado está se tornando invisível” – adverte Back.
Separatismo
Quando de sua
eclosão em 1912, com a morte do monge José Maria, líder dos posseiros, e do
coronel João Gualberto, da Polícia Militar do Paraná, no Irani, território da
discórdia, na falta de melhores informações e compreensão do inusitado episódio
e até pela proximidade da tragédia de Vaza Barris (1895-1896), alcunhou-se o
Contestado de "Canudos do Sul".
Ainda que
existam semelhanças, principalmente, na crença da chegada de um Messias,
no fanatismo dos revoltosos e na feroz reação militar da nova República, seu
espectro extravasa em envergadura, recorrência e reflexos nas décadas
seguintes (e até hoje), a trágica epopeia de Antonio
Conselheiro.
Desde seus
aspectos e componentes místicos (a disciplina férrea das “cidades santas” e as
ações predadoras do chamado “Exército Encantado de São
Sebastião”); e bélico (a convocação
e a utilização de 1/3 do exército brasileiro, mais de sete mil homens), ao geopolítico
(separatismo, instalação das empresas multinacionais, Brazil Railway Company e Southern Brazil Lumber & Colonization,
alimentando sentimento coletivo anti-imperialista), socioeconômico (a implantação
do capitalismo na região); ao demográfico (imigrantes alemães, polacos,
rutenos, italianos, comprando terras ocupadas por moradores sem título de
propriedade).
Terra & poder
“Os rebeldes do
Contestado – assevera Back, provecto estudioso do episódio – “almejavam o poder.
Tanto é que cogitaram a fundação de um Estado, a “Monarquia Sul Brasileira”,
que pretendia, inclusive, anexar o Uruguai ao seu território, e se estenderia
até o Rio de Janeiro. O estamento militar da República, vacinado com o desastre
de Canudos, a começar pelo presidente, Hermes da Fonseca, ficou furioso com a
ousadia.
E, diante do
noticiário alarmante da imprensa do Rio de Janeiro, reflexo dos jornais
catarinenses e paranaenses, ordenou ao general Setembrino de Carvalho, que
vinha de aniquilar revolta do padre Cícero no Ceará, que espanasse os fanáticos
catarinenses do mapa. Assim foi executado, a ferro e fogo, implacável cerco e
letal destruição dos redutos rebeldes com moderno armamento (depois utilizado
na I Guerra Mundial), além do uso de avião pela primeira vez no país” – conclui
o diretor dos laureados, “República Guarani” e “Guerra do Brasil”.
Mediunidade
Para rastrear os
mais recônditos segredos do Contestado, muitas deles subentendidos nos
testemunhos e nos “buracos negros” da história factual, “O Contestado – Restos
Mortais” envereda por uma insólita
narrativa cinematográfica, que Back chama de antidoc, por situar-se na
contramão do discurso documental ora em voga que, majoritariamente, investe no
viés “chapa branca”, hagiográfico e turístico de seus temas e personagens. Para
tanto, incorpora o transe mediúnico à linguagem do filme como uma instância do
inconsciente coletivo do homem, e assim, dos eventos do Contestado sendo redescobertos
um século depois.
“O transe mediúnico é pura poesia” – teoriza Back. “No filme a aposta é
nessa direção, imiscuir-se, reinventando através da palavra, pela sua
verbalização cifrada e entrecortada pela fluidez do tempo e do espaço, no que
foi esquecido e no que é preciso lembrar” – completa.
O carisma dos
médiuns, extraído de dezessete horas de gravações, acabou se transformando em
"influxos condutores do ritmo e da invisibilidade do filme”. Conforme acredita
o cineasta, “a incorporação deles em inacreditáveis protagonistas plasmáticos”.
Sylvio Back faz
questão de dizer que não é espírita. “Meu filme passa ao largo da onda do
“cinema espírita”, que merece todo o meu respeito”. Prefere encarar o transe como
algo suprarreal, onde tudo é imaginação e imaginário, “um salto no subterrâneo
anímico de pessoas e acontecimentos como se prestidigitação fora rumo ao mais
denso dos mistérios da alma humana” – conclui.
Elenco do saber
Compõe o elenco de especialistas na Guerra do
Contestado, de fora e de dentro da academia (mestres e doutores), cujos
depoimentos permeiam e dão consistência ao discurso histórico e à polêmica de
“O Contestado – Restos Mortais”, juntamente com o testemunho de descendentes
dos rebeldes, trinta médiuns em transe, a vasta e original iconografia de
imagens fixas e em movimento, como do insólito enterro do coronel João
Gualberto em Curitiba, e da serraria norte-americana da Lumber em funcionamento, então (1915), a maior da América do Sul,
os seguintes especialistas, em ordem alfabética:
Alexandre Assis Tomporoski, historiador
(Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC); general Aureliano Pinto de Moura,
historiador (Instituto Geográfico e Histórico Militar do Brasil–RJ); Celso
Martins da Silveira (SC), historiador e jornalista; Delmir José Valentini,
historiador (Universidade do Contestado–UNC/SC); Eloy Tonon, historiador
(Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória (PR); Euclides
Felippi, historiador (SC); Fernando Tokarski, historiador (UNC/SC); Ivone
Cecília D’Ávila Gallo, historiadora (UNICAMP/PUC/SP); João Batista (JB)
Ferreira dos Santos (SC), jornalista e radialista; Márcia Janete Espig,
historiadora (Universidade Federal de Pelotas–UFPel/RS); Márcia Motta,
historiadora (Universidade Federal Fluminense–UFF/RJ); Marli Auras,
historiadora (UFSC); Nilson Cesar Fraga, historiador (Universidade Federal do
Paraná–UFPR); Nilson Thomé, historiador (UNC/SC); Paulo Pinheiro Machado, historiador
(UFSC); Paulo Ramos Derengoski (SC), jornalista e historiador; Pedro Aleixo
Felisbino (SC), historiador; Rogério Rosa Rodrigues, historiador (UFSC); Todd
Diacon, brasilianista (Kent State University/Ohio–EUA); e Vicente Telles (SC), historiador
e músico.
Equipe
& Produção
Produzido, filmado no
centro-oeste de Santa Catarina, e editado entre 2008 e 2010, o projeto de “O
Contestado – Restos Mortais” remonta a 2004 quando Sylvio Back se deu conta da
necessidade da emprestar mais repercussão regional e nacional ao magno conflito
da Guerra do Contestado. Inclusive, prevendo a data do centenário, neste
outubro de 2012, para cuja comemoração o filme acabou em lançamento.
Compõe a equipe de
realização do filme, profissionais como o diretor de fotografia e câmara, Antonio
Luiz Mendes, que trabalhou com Back em “Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro”,
”Lost Zweig” e no inédito, “O Universo Graciliano”; Margit Richter, produtora
executiva de seus filmes há vinte e cinco anos; Paulo Henrique Souza (PH), diretor
de produção e, também, editor do filme, e o cineasta Zeca Pires, diretor
assistente. Back assina as pesquisas, o roteiro e a direção do filme.
“O Contestado – Restos
Mortais” é uma produção da Usina de Kyno e Anjo Azul Filmes, com o patrocínio
da CELESC (Centrais Elétricas de Santa Catarina), COPEL (Companhia Paranaense
de Energia Elétrica) e SANEPAR (Companhia de Saneamento do Paraná), através da
Lei do Audiovisual (Agência Nacional do Cinema–ANCINE); e apoio da Secretaria
de Estado da Cultura do Paraná, Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte de
Santa Catarina, FAPEU (Fundação de Amparo à Pesquisa Universitária) e da UFSC (Universidade
Federal de Santa Catarina). –
Sylvio Back:
Biobliofilmografia
Sylvio
Back, cineasta, poeta, roteirista e escritor. Filho de imigrantes húngaro e
alemã, é natural de Blumenau (SC). Ex-jornalista e crítico de cinema, autodidata,
inicia-se na direção cinematográfica em 1962, tendo realizado e produzido até
hoje trinta e sete filmes – curtas, médias e onze longas-metragens: "Lance
Maior" (1968), "A Guerra dos Pelados" (1971), "Aleluia,
Gretchen" (1976), "Revolução de 30" (1980), "República
Guarani" (1982), "Guerra do Brasil" (1987), "Rádio
Auriverde" (1991), "Yndio do Brasil" (1995), "Cruz e Sousa
- O Poeta do Desterro" (1999); "Lost Zweig" (2003);
"O Contestado – Restos Mortais" (2010); e "O Universo
Graciliano" (2012, em finalização).
Publicou
vinte e um livros (poesia, contos, ensaios) e os argumentos/roteiros dos
filmes, "Lance Maior", "Aleluia, Gretchen", "República
Guarani", "Sete Quedas", "Vida e Sangue de Polaco",
"O Auto-Retrato de Bakun", "Guerra do Brasil", "Rádio
Auriverde", "Yndio do Brasil", "Zweig: A Morte em
Cena", "Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro" (tetralíngue),
"Lost Zweig" (bilíngue) e "A Guerra dos Pelados".
Obra
poética: "O Caderno Erótico de Sylvio Back" (Tipografia do Fundo de
Ouro Preto, MG, 1986); "Moedas de Luz" (Max Limonad, SP, 1988);
"A Vinha do Desejo" (Geração Editorial, SP, 1994); "Yndio do
Brasil" (Poemas de Filme) (Nonada, MG, 1995), "boudoir" (7Letras,
RJ, 1999), "Eurus" (7Letras, RJ, 2004), "Traduzir é poetar às
avessas" (Langston Hughes traduzido) (Memorial da América Latina, SP,
2005), "Eurus" bilíngue (português-inglês) (Ibis Libris, RJ, 2006);
"kinopoems" (@-book)
(Cronópios Pocket Books, SP, 2006) e "As mulheres gozam pelo ouvido"
(Demônio Negro, SP, 2007).
Com
74 láureas nacionais e internacionais, Back é um dos mais premiados cineastas
do Brasil. Sua obra poética, em especial, os livros de extrato erótico,
coleciona uma vasta fortuna crítica. Em 2011, recebe a insígnia de Oficial da
Ordem do Rio Branco, concedida pelo Ministério das Relações Exteriores pelo
conjunto de sua obra cinematográfica e de roteirista. –
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