quarta-feira, 30 de julho de 2014

CELSO LUNGARETTI




A TRAGÉDIA DO ORIENTE MÉDIO

Celso Lungaretti (*)

Era uma vez o Oeste: mocinho de branco e bandido de preto.
Os folhetins, o cinema e a TV nos acostumaram a observar os complexos dramas das pessoas, povos e nações a partir de uma ótica simplista: heróis-vilões-vítimas.

Ou, simplificando mais ainda, a acreditarmos que quem causa sofrimento às vítimas são os bandidos e quem as defende, os mocinhos.

No fundo, trata-se do velho e obtuso maniqueísmo, a que os pensadores marxistas contrapuseram a dialética: Bem e Mal não existem como instâncias metafísicas que, desde os píncaros do paraíso celestial ou das profundezas do inferno, teleguiam a práxis humana, mas sim como resultado das decisões e ações adotadas pelos homens em cada situação.

No primeiro caso, alguns encarnam o Bem absoluto e o Mal absoluto, sem nuances: os mocinhos são sempre mocinhos e os bandidos, eternamente bandidos.

Na análise marxista, os papéis vão sendo assumidos a cada instante, de forma que o mocinho de ontem poderá ser o bandido de hoje, e vice-versa.

A esquerda mundial até hoje não se recuperou do pesadelo stalinista, que, como Isaac Deutscher bem assinalou, foi um amálgama do pensamento sofisticado dos revolucionários europeus com a religiosidade primitiva da Santa Mãe Rússia.

A esquerda retrocedeu ao maniqueísmo
E a História, infelizmente, favoreceu essa perda de densidade crítica por parte da esquerda. O nazifascismo parecia mesmo encarnar o Mal absoluto, colocando os que o combatiam na condição de cruzados do Bem absoluto.

Veio a guerra fria e a estreiteza de visão se consolidou definitivamente, de ambos os lados. A política mundial se tornou um mero western daqueles tempos em que os mocinhos se vestiam sempre de branco e os bandidos só usavam trajes negros.

Então, desde a década de 1950, quando os EUA se colocaram como protetores de Israel e os soviéticos se compuseram com o líder egípcio Gamal Abdel Nasser, ficou estabelecido que a única forma progressista de encararmos os conflitos do Oriente Médio era beatificando os árabes e satanizando os judeus.

A questão no Oriente Médio é muito mais complexa.

Em primeiro lugar, temos um povo (o judeu) milenarmente perseguido, não só devido à maldade intrínseca dos poderosos de todos os tempos, mas também a uma certa vocação para o martírio: nunca quis misturar-se aos outros povos e conviver harmoniosamente com eles, fazendo, pelo contrário, questão de preservar sua identidade cultural/religiosa e de ostentá-la aos olhos de todos.

Então, mais do que a outros povos, fazia-lhe imensa falta um território próprio. Constituindo uma colônia minoritária em outros países e segregando-se rigidamente dos naturais desses países, neles despertava previsível hostilidade.

Ademais, os judeus eram invejados pelos gênios da cultura e da ciência que produziam (Marx, Freud, Einstein e tantos outros) e por seu êxito nas finanças, além de despertarem a hostilidade dos governos pela participação marcante que tinham em movimentos libertários/revolucionários.

É sintomático, aliás, que a esquerda hoje esqueça ou omita a importantíssima contribuição do Bund (União Judaica Trabalhista da Lituânia, Polônia e Rússia) para a gestação do movimento revolucionário russo, no início do século passado.

Gueto de Varsóvia: vítimas ontem, algozes hoje em Gaza. 
HOLOCAUSTO – Ao buscar um inimigo comum contra o qual unir a nação alemã, Hitler não precisou pensar muito: os judeus eram a opção óbvia.

Finda a II Guerra Mundial, a indignação que o Holocausto provocou na consciência civilizada fez com que a ideia de um lar para os judeus passasse a ser vista com simpatia generalizada.

Foi quando estes cometeram seu maior erro de todos os tempos: aceitando a liderança espúria de fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários, implantaram seu estado nacional numa região em que se chocariam necessariamente com outros fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários.

A Inglaterra, império decadente, bem que tentou impedir este desvario, em vão. E as pombas desnorteadas, judeus imbuídos dos melhores ideais, acabaram aderindo em massa ao projeto sinistro dos falcões.

Então, uma das experiências socialistas mais avançadas que a humanidade conheceu, a dos kibbutzim (comunidades coletivas voluntárias israelenses), acabou sendo tentada num país que logo viraria campo minado – e, melancolicamente, foi definhando, até quase nada diferir hoje em dia das cooperativas dos países capitalistas.

As nações árabes só não exterminaram até agora o estado judeu porque jamais o enfrentaram juntas e disciplinadas, sob um verdadeiro comando militar. Mesmo quando vários exércitos combateram Israel, como na guerra dos seis dias, atuaram praticamente como unidades independentes, em função das querelas e disputas de poder entre os reis, sheiks, sultões, califas, emires, etc., de países cuja organização política e social ainda é feudal.

Kibbutzim: os belos ideais se foram, o militarismo ficou.
Os israelenses, por enquanto, têm compensado sua inferioridade numérica com a superioridade de seus quadros e equipamentos militares, bem como com a repulsiva prática de promover massacres intimidatórios, reagindo de forma desproporcional e freqüentemente genocida aos ataques que sofre.

Os movimentos fundamentalistas/terroristas árabes agem como provocadores: sabem que jamais conseguirão enfrentar de igual para igual Israel, mas atraem retaliações contra seus povos, na esperança de que isto acabe trazendo as nações para o campo de batalha. Querem ser o estopim de uma guerra santa e não hesitam em sacrificar os seus em nome dos desígnios de Alá.

Os governantes feudais árabes, entretanto, têm mais medo de serem desalojados dos seus palácios do que ódio por Israel. Sabem que, da mobilização contra o inimigo externo, as massas podem evoluir para o questionamento da desigualdade gritante e dos privilégios odiosos dos tiranetes de seus países. Preferem preservar o status quo, ao preço de fecharem os olhos a atrocidades como as cometidas contra os palestinos em Gaza.

Não se trata de nenhum filme de mocinho-e-bandido, pois só há vilões entre os atores políticos; ninguém que mereça nossa simpatia e aplauso.

Hoje, é esta a 'contribuição' de Israel à humanidade...
Quanto às vítimas, estas sim são indiscutíveis: os civis que, desde 1948, têm sido abatidos como moscas, devido à cegueira e (sejamos francos) imoralidade monstruosa desses atores políticos.

No fundo, a solução sensata seria o estabelecimento dos judeus noutro território qualquer – quantos países paupérrimos não lhes cederiam terras e autonomia administrativa, em troca de recursos e cooperação para seu desenvolvimento?

Mas não é a sensatez que rege o mundo e sim, como Edgar Allan Poe notou, o horror e a fatalidade.

Então, os Hamas da vida seguirão semeando ventos e os israelenses desencadeando tempestades. E os civis que não estão em guerra com ninguém, inclusive velhos, mulheres e crianças, deverão continuar sendo os mais atingidos, para horror do mundo civilizado, até que surja um novo T. E. Lawrence e consiga levar à vitória a guerra santa sonhada pelos fundamentalistas/terroristas árabes.

Em sua arrogância míope, cada vez mais desumanizados, os israelenses esquecem a frase lapidar de Napoleão Bonaparte: "Com as baionetas pode-se fazer tudo, menos uma coisa: sentar-se sobre elas". Ao tornarem o estado judeu um bunker, predispuseram-no ao destino habitual dos bunkers. Mais dia, menos dia, acabam sendo tomados pelos inimigos. Quantos morrerão até lá?

O que temos no Oriente Médio é, portanto, uma tragédia: os acontecimentos marcham insensivelmente para o pior desfecho e nada podemos fazer, exceto atenuar, tanto quanto possível, os banhos de sangue.

* jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com

HEITOR SCALAMBRINI COSTA






Pernambuco e os conflitos socioambientais

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Em Pernambuco, o mais mesquinho dos egoísmos é como o governo tem tratado mal a questão ambiental e descuidado da qualidade de vida de sua população, pois não protege a natureza e nem respeita as pessoas. Aqui impera o racismo ambiental.
O crédito público associado às isenções e aos incentivos fiscais e financeiros são armas poderosas que poderiam ser usadas para induzir um novo tipo de comportamento, exigindo integral e verdadeira responsabilidade social das empresas que viessem a se instalar no Estado. Quase a metade do crédito, todo de longo prazo e módicos juros, vem de bancos públicos muitas vezes avalizados pelo governo estadual. Logo, se o governo quisesse, outra forma de desenvolvimento (humano e social) seria possível: bastava induzir boas práticas através de sua força econômica, mudando os incentivos.
Ao invés disso, o governo estadual é o maior promotor de conflitos socioambientais, como nas remoções forçadas dos moradores para as obras da Copa, provocando também degradação ambiental. Merece também destaque a violência praticada pela empresa pública Suape contra os moradores nativos do território abrangido pelo Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS), e o desmatamento local de Mata Atlântica, manguezais e restingas. Somente para citar dois exemplos.
Os primeiros quatro anos de gestão do ex-governador, agora candidato presidencial, foi uma verdadeira catástrofe ambiental, se caracterizando como um governo autoritário, com promessas ilusórias, sem dialogo com os setores da população (quem participou dos seminários do Todos por Pernambuco sabe bem como funcionou), desconsiderando completamente as argumentações daqueles que ousaram apontar as mazelas que estavam ocorrendo em função do crescimento econômico desordenado e predatório, particularmente com relação ao território do CIPS. O autoritarismo aliado à completa falta de dialogo distanciou a gestão estadual dos movimentos sociais.
Foram inúmeras medidas desastrosas adotadas em nome do crescimento econômico, obedecendo a uma mentalidade que tem base na visão ultrapassada do “crescimento a qualquer preço”, ignorando a dimensão sócio-ambiental. O mais lamentável foi o Projeto de Lei Ordinária n1496/2010 (17 de março) enviado pelo executivo a Assembléia Legislativa (Alepe) referente à maior supressão de mata nativa já ocorrida em Pernambuco (e talvez no Nordeste). Inicialmente previa desmatar cerca de 1.076 hectares (equivalentes a 1.000 campos de futebol) de vegetação nativa em áreas de preservação permanente para obras de ampliação do CIPS. Após pressão e indignação popular este montante foi reduzido para 691 ha (508 de mangue, 166 de restinga e 17 de Mata Atlântica).
A aprovação ocorreu mesmo com o parecer contrário da Comissão de Meio Ambiente da Alepe, que já questionava a supressão dos 88,7 ha de mangue e restingas entre 2007 e 2008, cujas compensações ambientais não haviam sido cumpridas pela empresa Suape, que por sucessivos anos desdenhou do Ministério Público, assinando Termos de Ajustes de Condutas (TAC´s) que não foram respeitados.
Outro empreendimento, em nome de um crescimento econômico a cada dia mais questionado, que resultou na agressão ao que ainda resta da vegetação da Mata Atlântica (somente 3,5%), foi à implantação e pavimentação do contorno rodoviário do município do Cabo de Santo Agostinho, a chamada “Via Expressa”. Dos 11,8 ha suprimidos, 2,6 ha estão localizados em áreas de preservação permanente.
Outra decisão também equivocada na área ambiental, que mostra claramente a inequívoco desprezo pelo meio ambiente e pelas pessoas, foi à opção por tornar Pernambuco um pólo de termoelétricas consumidoras de combustíveis fosseis (o vilão do aquecimento global). A tentativa de trazer para o Estado a maior (e a mais poluente) termelétrica a óleo combustível do mundo, anunciada pomposamente, em julho de 2012, como Suape III (1.450 MW), foi rechaçada pela sociedade pernambucana. Se tal construção fosse realizada, em pleno funcionamento iria despejar, segundo cálculos preliminares, em torno de 20 mil toneladas dias de gás carbônico (CO2). Todavia, a termoelétrica Suape II (320 MW), construída para ser acionada apenas em situações de emergência, funciona diariamente. Ainda na área energética/ambiental, merece destaque o interesse do governador, agora presidenciável, pela vinda da usina nuclear, anunciada inicialmente para o município de Itacuruba, a 512 km de Recife, no sertão, às margens do Rio São Francisco. Com uma biografia dessas na área ambiental, no seu segundo mandato o ex-governador tentou colorir de verde o seu governo. Para isso cooptou seu ex-adversário, candidato do PV a governador, oferecendo-lhe a recém-criada Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade.
Algumas ações foram possíveis, utilizando a figura pública do ex-secretario, que atuou e militou, até então, nas causas ambientais. Com o apoio intensivo da propaganda e do marketing político foi divulgado alguns projetos nesta área. Foram criadas reservas de proteção permanente “de papel”, foi lançado o projeto Suape Sustentável (que até agora não disse para que veio), dentre algumas medidas de caráter midiático. Além disso, foram abertas algumas portas para a projeção a nível nacional e internacional da figura do governador como amigo da natureza, já que a Conferencia Rio+20 se aproximava e se tinha que fazer algo pela imagem do governo na área ambiental.
De 13 a 15 de abril de 2012, aconteceu no Recife uma reunião denominada “Pernambuco no Clima” com o patrocínio do Governo Estadual, da Prefeitura do Recife e da Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco (CHESF). Este evento, como anunciado pelos seus organizadores, foi uma reunião preparatória do Rio-Clima (The Rio Climate Challenge), que ocorreria paralelo a Conferencia Rio +20, no Rio de Janeiro. Nesta reunião, como atestou à relação de participantes, a sociedade civil organizada ficou de fora. Marcaram presença entidades e personalidades com fortes vínculos com o governo nas três esferas, além de personalidades e cientistas nacionais e internacionais que contribuíram para avalizar o aspecto técnico do referido encontro.
Para tornar Pernambuco uma das sedes dos jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, não foram medidos esforços no comprometimento financeiro do Estado e na tomada de medidas socioambientais injustas. Segundo a Secretaria Geral da Presidência da República 1.830 desapropriações ocorreram, sendo 1.538 residências e 292 imóveis comerciais, terrenos, para as obras ligadas a Copa do Mundo de 2014. A truculência das expulsões e as irrisórias indenizações caracterizaram este triste e inesquecível episodio imposto pelo governo do Estado. Somente a construção da Arena Pernambuco e da Cidade da Copa resultou no desmatamento de uma área considerável do fragmento da Mata Atlântica no município de São Lourenço da Mata, situado a 20 km de Recife. O projeto previsto da Cidade da Copa (não executado) abrangeu uma área de 239 ha para construção de todos os equipamentos (prédios residenciais e um hospital). A Arena, única construção existente no local, ocupou cerca de 40 ha desse total.
Hoje a situação não mudou. O que era já planejado na época se concretizou com o lançamento do ex-governador como candidato a presidente. A ex-senadora e ex-ministra do meio ambiente do presidente Lula foi incorporada na chapa que disputará as eleições de outubro próximo. Algo de um pragmatismo exemplar na política brasileira diante das diferenças abismais entre os pensamentos e as ações de ambos em suas respectivas vidas públicas. Mas a politicagem brasileira sempre nos reserva surpresas.
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade segue não mãos do partido Verde. E este tem demonstrado o quanto é utilizado, dirigindo uma secretaria de quinto escalão. Problemas ambientais gravíssimos existem em todas as regiões do Estado, e a SEMAS segue o seu caminho.
Apesar das recentes promessas, que não são poucas, a chapa da “nova política” , como se denominam seus integrantes, não é confiável na área ambiental. Mais recentemente demonstrou total desrespeito a inteligência alheia, quando no dia mundial do meio ambiente (5 de junho) a população foi convocada, pelo agora defensor da natureza, o ex-governador pernambucano, a se manifestar através das redes sociais contra o “retrocesso ambiental” do governo federal. A convocação tinha sentido, mas não tinha quem a convocou.