quarta-feira, 22 de abril de 2015

WALDO LUÍS VIANA






     A CORRUPÇÃO SOB CONTROLE
 
                     "Quem ama o dinheiro nunca estará farto 
de dinheiro, quem ama a abundância nunca terá vantagem."
Eclesiastes 5:9                                                                 

Waldo Luís Viana*

Parece ser consenso que a corrupção é um mal, sobretudo transformando-se em problema prioritário dos países em desenvolvimento. Muitos antropólogos e economistas, porém, desejaram ultrapassar esse eventual consenso, procurando colocar o problema como objeto de pesquisa.
         Existe corrupção quando um indivíduo coloca ilicitamente interesses pessoais acima dos das pessoas e ideais que ele está comprometido a servir. É um comportamento desviante dos deveres formais de uma função pública devido a interesses privados de natureza pecuniária, visando a melhoria do status individual ou de um grupo fechado.
         Muitos pesquisadores, desvestidos de preconceitos, concordam que, em certos casos, a corrupção é até benéfica. Ela introduz, em países pobres, mecanismos de mercado, competição e alocação de bens segundo a capacidade dos cidadãos de pagar. Com a corrupção, os bens e serviços podem ser alocados de modo mais eficiente. Quando ela ocorre, pode contribuir para a alocação de bens e se torna socialmente útil. Do mesmo modo, quando a burocracia é rígida, ultracentralizada, ineficiente, desonesta e quase intransponível, ela encarrega-se de estabelecer um mercado paralelo pelo qual a população possa conseguir alguns benefícios. Em suma, se o sistema vigente é ruim, a corrupção é benéfica.
         Pelo contrário, quando a corrupção é generalizada, surgem  ceticismo, desconfiança, cinismo e apatia nos povos. Subornos e propinas são socialmente aceitos e se tornam graves quando se tornam parte da ritualística dos poderes públicos. Contaminam os políticos, autoridades do executivo, legislativo e judiciário bem como a polícia. No Brasil, inclusive, existem grupos típicos de corrupção, que são os agiotas, traficantes de drogas e milicianos, que são grupos paramilitares que exploram os subúrbios pobres em nossas cidades. Já os traficantes alimentam os subornos e as propinas nos aparelhos policiais regionais, contribuindo para que a repressão às drogas seja soberanamente inútil.    
         No entanto, a corrupção passa a ser especialmente prejudicial e tóxica, quando contamina os mecanismos de governo e gera males públicos. Nesse contexto, os ricos e privilegiados aumentam o próprio poder à custa da exploração da máquina pública e dos pobres. Do mesmo modo,  assistimos aos empreiteiros desonestos a receber contratos em troca de subornos, incentivando os empreiteiros não corruptos a imitá-los para sustentar os próprios negócios. Por outro lado, nessa atmosfera, os cidadãos pagarão preços muito altos por bens e serviços, enquanto os funcionários públicos irão procurar usar a própria autoridade para criar dificuldades para vender facilidades.
         Particularmente, nosso país foi prejudicado pelo patrimonialismo herdado do espírito colonialista português, que instituiu um sistema clientelista de compadrio e nepotismo na máquina pública. Apesar de todas as nossas instituições de controle, nossa burocracia é contaminada por esses valores distorcidos, a ponto de nossos políticos medirem o próprio poder pela capacidade de nomear afilhados.
         A corrupção brasileira, contudo, chegou ao paroxismo com o aparelhamento completo da máquina pública pelo partido que está no poder. Os cargos de confiança foram distribuídos entre os companheiros e o resultado está aí: as empresas públicas tornaram-se ineficientes e pacientes de uma corrupção sistêmica. A operação lava-jato, capitaneada pelo ministério público, o judiciário e a polícia federal, demonstrou que nenhum negócio na Petrobras poderia ser resolvido sem subornos, propinas, aditivos licitatórios e superfaturamentos para as empreiteiras. Nesse contexto, sabe-se que outras estatais copiaram o mesmo modelo, com o objetivo de financiar os custos políticos de permanência do partido no poder.
         Nossas instituições formais favorecem os ricos, porque, mesmo apanhados com a “boca na botija”, podem pagar caros advogados para defendê-los e, através da chicana jurídica e das brechas das leis produzidas pelos próprios políticos que são seus ventríloquos, adiar quaisquer punições. Nesse sentido, o “mensalão” levou sete anos para produzir punições e presume-se que o “petrolão”, que envolve o comando dos principais executivos das empreiteiras nacionais, deverá gastar muitos anos para ser julgado.
         Nesse cenário, parece que a corrupção seria impossível de ser mitigada e atingir um nível tolerável e controlável pela cidadania. Os países que conseguiram controlá-la dotaram seus governos de notáveis atividades de busca de informações: os cadastros financeiros dos funcionários públicos e suas famílias podiam ser examinados à vontade; quaisquer “recursos inexplicáveis” tinham de provar que foram adquiridos por meios legais e o ônus da prova passou a recair sobre o funcionário suspeito.
         A corrupção tem verdadeira alergia à sã concorrência, preferindo o monopólio, o cartel e o conluio. A lei brasileira de licitações contém brechas  que contaminam os sistemas de aquisição e venda de serviços. Tudo pode ser objeto de aditivos contratuais e superfaturamentos, enquanto os que frequentam a máquina pública por mandato acham que podem se apropriar do dinheiro público, porque afinal “esse dinheiro não é de ninguém”.
         Nesse sentido, é preciso convencer os políticos de que serão mais aceitos e populares se combaterem, de fato, a corrupção. Devem “ser educados” para entender a onda popular contra ela, que tem sido moda em nossas cidades. Também devem ser aperfeiçoados os mecanismos de penalidades, que possam dissuadir as elites corruptas de manter seus imorais procedimentos. Romper a cultura de corrupção em nosso país significa não dar tréguas aos corruptos em sua habitual tranquilidade para roubar e combater o cinismo, que toma conta verticalmente o espírito da Nação, tornando os golpes de corrupção populares, desde os mais pobres até os mais sofisticados representantes das elites, compreendendo aí, políticos, autoridades, banqueiros e empreiteiros.
         Se convencermos nossos políticos de que bom mesmo é ser honesto, de que o Brasil ganhará eficiência e poder em suas instituições e empresas, capacidade de competir internacionalmente e que poderá construir uma burocracia profissional, livre dos arreglos, das propinas e comissões indevidas – poderemos acreditar que seremos ainda um grande país.
         Mas se os céticos predominarem, com aquela mentalidade de que a corrupção é um mal inextirpável e que nada quanto a isso poderá ser feito, o clima de podridão governamental e social será multiplicado, criando externalidades negativas, como o desperdício de bens e recursos, além de manter imensa desigualdade social, com o tempero da violência e opressão dos mais pobres.
         O Brasil, portanto, vive um grande dilema: ou reduz a corrupção a níveis toleráveis (porque o coeficiente zero de corrupção é humanamente impossível) ou submergirá na escuridão da recessão, da ineficiência e da perda de credibilidade internacional – que é o que parece estar ocorrendo ainda hoje.
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*Waldo Luís Viana é escritor, economista e poeta. Esse artigo baseou-se no brilhante livro do economista Robert Klitgaard, “A Corrupção sob Controle”, publicado no Brasil por Jorge Zahar Editor, 1994.