terça-feira, 17 de novembro de 2009

ELZA BEATRIZ


ELZA BEATRIZ E SUA PAISAGEM INVENTADA

“ELZA Beatriz é de Minas, por certo. Mineral e etérea. Possui sutileza drummondiana, e torna-se impossível não revelar: poeta capaz de tornar o homem mais digno da palavra.” (Cleide Simões

Conheci ELZA BEATRIZ (Von Dolingen) quando diretora de Cultura/Secretaria Municipal de Cultura da PBH. Nosso encontro de conhecimento aconteceu por causa da premiação de meu primeiro livro de poemas, Ver de Boi, escolhido para o Prêmio Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte. Era dezembro de 1973. Lá, conheci e também fiz amizade com Mário Garcia de Paiva, contista singular, Max Portes, poeta, ficcionista, artista gráfico, entre outros. Algum tempo depois, fui convidado, pelo Governador Hélio Garcia, para assumir a Divisão de Editoria da Imprensa Oficial de Minas Gerais, por indicação direta de Elza Beatriz. Na IO, por dezoito anos, muito ia trabalhar e aprender na área que sempre me acompanhou e encantou: Jornalismo, Literatura, Gráfica e pessoas marcantes de humanismos sem rebuços. Ali na IO. Elza participou, em companhia de Duílio Gomes, Yeda Prates Bernis, Jaime Prado Gouveia, Carlos Herculano Lopes, de um dos últimos encontros com Oswaldo França Jr., numa entrevista para o SLMG.
Nos anos subsequentes, nas décadas de 70 e 80, numa talvez rara efervescência da Literatura Brasileira até hoje, notadamente com o Conto e a Poesia, no País e especialmente em Minas Gerais. Curtíamos Literatura em mesas de bar, na Redação do SLMG, na PUC e na UFMG, numa e noutra casa, como no apartamento da Elza, na Praça Cairo, em BH. Lá, compareciam Adão Ventura, Chico Motta, Carminha Ferreira, Márcio Almeida, Antônio Barreto, Yeda Prates, Geraldo Reis, Ronald Claver e outros escritores. Além da própria Elza, poesia feita gente (lugar-comum, mas indispensável), o apartamento dela, pode-se dizer, transbordava Arte. Em cada compartimento da casa, Você encontrava poemas em quadros emoldurados entre desenhos e pinturas na maioria de temática mineira. O marido da Elza, o Udson, participava desses encontros, não muitos, de fins de semana com sua cordialidade e generoso vinho da adega. Ali, um espaço livre e disponível para tocar em assuntos de Política (o momento era indigesto), Literatura e variedades do nosso cotidiano.
Elza nos legou sete livros, entre de poemas e infanto-juvenis.
Os anos seguintes recrudesceram dolorosos para Elza Beatriz, física e emocionalmente. Elza padecia perdendo familiares de perto e a própria vida por causa de um mal sem cura... E também a nós, que a admirávamos e amávamos (e amamos), parodiando, assim, aqui, Virgílio e Castilho...

(Paschoal Motta)

1.
PARTILHA

Na meação da riqueza
garante a cama e a mesa,
o resto seja da sorte.

Tendo pão e tendo amante
já tens mentira bastante
contra a certeza da morte.

(de Tempo Suspenso, Imprensa Oficial / MG, 1973)

2.
A PARTIR DE UMA JANELA

A partir de uma janela
a paisagem se inventa
o sol de mentira tocado
no céu mais longe e cinzento

A partir de um passarinho
o canto existe em promessa
dueto de asa ensaiado
nas grades de mil silêncios

A partir de uma roseira
a rosa é questão de tempo
flor acesa, tocaiada,
em cada espinho de dentro.

“Se muero
Dejad el balcón abierto...”
sol de invento, céu e sonho
canto, pássaro, rosa, reza
a partir de uma ventana.

(O verso em aspas é de García Lorca)

(de Fio Terra, Livraria São José, Rio de Janeiro, 1975)

3.
AVAL

Antes
quando as casas
tinham varandas
e a infância corria
entre jardim e quintal
viver, acreditem,
era bastante normal
e ser poeta não era
esse ofício mortal
de extrair uma flor
de uma pedra
de sal.

(De Silêncio Armado, Editora Comunicação, BH, 1978)

4.
BABÉLICA

Com mens sana in corpore sano
vivia-se ladinamente,
com a vida cabendo
em nosso latim.

Hoje, consulto um alopata,
sexólogo, homeopata,
pratico ioga, ingiro drogas,
vou ao ortodontista, fico arquiotimista,
engulo cultura, agulho acupuntura,
bebo raízes, volto às matrizes
e vivo insone, morro insana
só para dizer – não ou sim –
se a vida me cobra
saber assim.

(de Líquido e Certo, Editora Vigília, BH, 1983)


5.
BRINQUEDOS

Eu fiz de papel dobrado
um barquinho e naveguei.
Fiz um chapéu de soldado
e soldadinho – e marchei.
Fiz avião, fiz estrela
embarquei dentro – voei.
Agora fiz um brinquedo
– o melhor que já brinquei –
guardei num papel dobrado
o primeiro namorado
(o seu nome eu inventei...)

(de A Menina dos Olhos)

ELZA BEATRIZ, A ARTE E O HOMEM A PARTIR DE SUA JANELA

DE UMA ENTREVISTA com a Professora Cleide Simões para o Suplemento Literário do Minas Gerais, quando sob nossa direção, edição 1.145, de 5 de maio de 1990, destacamos poemas e alguns pensamentos da entrevistada.

1) Na transparência da palavra, ou velada nas silentes reentrâncias,
é nua que a poesia se entrega à comunhão do leitor.

2) Procuro cristalizar as intermináveis perguntas que a maturidade
apenas penteia nas nossas cabeças não mais revoltas de juventude.

3) No mundo adulto, cheio de chaves e muros, s linguagem humana
cada vez mais monologa sua solidão.


4) O ser político que todos somos é em mim muito forte por postura
social e formação.

5) A Arte, como expressão maior da criatividade humana, tem um poder
de transgressão do discurso vigente.

6) Somos inacabadíssimos, felizmente.

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