terça-feira, 2 de julho de 2013

ROBERTO ROMANELLI MAIA




 
 
 
 SOBRE PASSEATAS, MANIFESTAÇÕES E PROTESTOS
 
 
Não basta eliminar o câncer que toma conta dos galhos

porque é a árvore que está podre

 e precisa ser extirpada.



 
 
Quando tanto se fala em corrupção de forma genérica, a maioria esquece ou desconhece que ela não fixou residência apenas no governo, mesmo cientes e conscientes que ele é o  braço número um e o mais importante. No entanto, não podemos esquecer nem desprezar os  corruptores ativos, isto é, os grandes grupos de interesse, nacionais, transacionais e multinacionais, que atuam em paralelo nos gabinetes dos políticos, dos governos e dos governantes.

Esse fato, há anos constatável pelos analistas e estudiosos isentos, escapa à maioria das pessoas que discutem o assunto; a mídia não traz à baila a dimensão exta dessa realidade, por razões óbvias: são essas empresas que sustentam essa mídia e gastam fábulas de dinheiro em publicidade e propaganda, em nosso país.

Espera-se idoneidade moral de um político, mas ninguém quer encarar a realidade, que torna essa idoneidade  quase impossível de ser preservada, diante da atuação descontrolada dos grupos de pressão   atuantes em todos os níveis e que representam interesses econômicos ativos nas últimas décadas, no Brasil e no mundo. Ou alguém ignora que políticos isentos e honestos não recebem, durantes as eleições, os apoios financeiros e materiais necessários para se elegerem e evitarem o jogo político do “toma lá, dá cá”?

Desconhecer que muitas dessas empresas são maiores do que os países em que operam, é não ter a exata dimensão e a proporção dos impérios econômicos que estão por trás das suas decisões que objetivam apenas aumentar lucros, para satisfazer os executivos e os acionistas de cada uma dessas empresas.

Da mesma forma, quando se fala em transparência nas contas das empresas de transporte público, que  se revelam como pertencentes a uma real e efetiva máfia, há que se lembrar de que as campanhas municipais e estaduais são claramente dominadas pelo jogo atuante da corrupção das empreiteiras e das companhias de lixo e de transporte, dentre outras.

Mesmo em um nível local, fica claro que o político, por mais que finja não participar de negociatas, de caixinhas, de propinas e de vantagens diretas e indiretas, herda uma estrutura viciada por um sistema perverso de interesses, e dessa forma se vê envolvido nesse “jogo de ratos” onde ética e honestidade passam longe.

Nunca um político realmente digno e sério será convidado a ser patrocinado, para ganhar uma eleição, se ele se mostrar isento e honesto, através dos anos de sua carreira política, por não atender os grandes interesses dessas empresas e desses grupos econômicos.

Ontem, hoje e amanhã, é aceitável  numa agenda de cobranças plural e diversificada, protestos, manifestações e marchas “contra a corrupção”  contra aumentos de tarifas, e pela humanização do espaço público.

Mas uma profunda e autêntica reforma política deverá sempre visar, em primeiro lugar, identificar essa imensa rede de interesses escusos, verdadeiros buracos negros, que distorcem toda a estrutura política ao redor dos governos e dos governantes.

A concentração de dinheiro e influência das multinacionais e transnacionais propiciou e permitiu, no bojo de sua esfera de atuação, que hoje o mundo todo tenha perdido uma efetiva representação da vontade pública.

Um real controle a ser exercitado pelo cidadão, que encontra sempre as portas fechadas, quando se trata de transparência relativa ao dinheiro público  arrecadado pelo governo, fruto do pagamento dos impostos de todos os contribuintes, não acontece de forma séria e responsável, sempre apoiado em diferentes razões, justificativas e pretextos, que culminam com o descontrole das contas públicas e uma maior incidência de corrupção nos níveis técnicos e executivos dos órgãos governamentais.

Estranhável é o fato de que a maioria dos que levantam a bandeira contra a corrupção parece desconhecer que os grupos de interesse criam certos governos e montam algumas campanhas, manipulando, há décadas, todos os poderes, executivo, legislativo e judiciário, sem que uma revolução real tenha existido no Brasil.

Se tal realidade não é exclusiva do país, ela adquire aqui contornos e dimensões inimagináveis, culpando-se apenas pessoas e partidos, esquecendo-se de que os ufanistas e aproveitadores de plantão continuam a comprar seus carros e gadgets, ingerindo substâncias processadas com aparência de comida, vestindo e exibindo sua vaidade ideológica, sem que pareça existir uma luz no final do túnel.

Para tanto contribui em muito a visão do mundo , apresentada diariamente pela mídia que não comporta nem apresenta uma alternativa real de mudança desse quadro em que todos são somente números e peões.

No caso das máfias locais, não há como desconhecer que os prefeitos não são mais do que capatazes de segunda classe das empresas de ônibus, dos transportes em geral, das empresas ligadas ao lixo e das empreiteiras. Eles foram “financiados” e colocados nesses cargos exatamente para ouvir as nossas reclamações e os poucos protestos eficazes, pois sabem os grandes executivos que são eles, prefeitos e governadores, os melhores na arte de enganar, de iludir, de prometer e de manipular o “povo” a as situações que os conduzem ao desespero e desesperança.

Sim, esse é o objetivo para o qual  eles são apoiados e contratados, passando para os mais ingênuos a ideia de que foram eleitos democraticamente.

Por isso não creio que as manifestações no Brasil sejam especificamente brasileiras, já que elas estão claramente vinculadas a várias outras conturbações recentes pelo mundo todo.

Aqui, é claro, encontraram uma vasta população também preocupada com questões tipicamente brasileiras, como o passe livre, a redução das tarifas de ônibus, a PEC 37, Renan Calheiros e a ideia da “corrupção” como um deslize moral, o que de fato é. Só que, no caso brasileiro, ela assume características históricas, endêmicas e epidêmicas.

Sim, elas resumem uma pauta brasileira e são reais e justas. Porém, o próprio foco no governo, nos governantes, nas instituições, e assim por diante, é, se examinamos com cuidado, relativamente inócuo, pois a corrupção dos governos e dos governantes ocorre às margens da lei.

Ela age de forma aparentemente “legal”; não é privilégio brasileiro: é generalizada.

No Brasil, é claro, ela é mais visível, exposta; mostra  sua cara de forma mais declarada e explícita.

A corrupção, no caso brasileiro, nasce da própria realidade das estruturas políticas, sociais e culturais, existentes.

Nossas instituições são permissivas e permeáveis, repletas de buracos negros corporativos com poderes absolutistas.

Exemplo da tal fato é o financiamento público dos eventos esportivos, quase sempre compartilhado com bancos privados, empresas de bebidas, de carros, de combustível e de cigarros, entre tantas outras.

Esse processo de financiamento que permite “maracutaias” diversas,  conduz à certeza, através de uma analise primária, que prefeitos e governadores, deputados estaduais e vereadores, deputados federais e senadores,  por  sua associação e submissão, direta ou indireta, à iniciativa privada, são em sua maioria  representantes e fantoches vinculados a esses interesses.

Quanto ao interesse público, ele é representado somente na medida e nas situações em que ele não afeta o interesse das corporações. Mais do que isso, não são pessoas poderosas que estão no comando verdadeiro dessas empresas; são algoritmos contratuais, determinações legais que afetam dinâmica e permanentemente qualquer autodeterminação que uma das partes humanas poderia ter, como um programa de computador rodando legislação por cima das vontades humanas, até  mesmo as dos participantes.

Se fossem apenas pessoas, seria muito mais fácil, mas as “pessoas sem alma” criadoras e construtoras dessas legislações que permitiram e incentivaram esse algoritmo já morreram todas.

Apesar desse fato, o algoritmo segue rodando, em ritmo cada vez mais intenso e contínuo.

Se, ironicamente, somos todos vítimas dessa realidade aviltante, da mesma forma que na rua somos todos constrangidos e torturados pelos engarrafamentos causado pelo lobby das empresas automotivas, pior é desconhecermos como acontece com tantos, a exploração de nossa consciência e dos valores ligados a nossa autodeterminação e a liberdade pessoal que conduzem a maioria a se vender por um emprego e por um cargo, em busca de um carro de marca novo, do ano.

Algumas vezes acredita-se que corporações, como a Nestlé, a Coca-Cola, os Hipermercados, as empresas de cigarros e de bebidas, etc, são formadas por pessoas dotadas de liberdade e de livre arbítrio em suas decisões empresariais, mas  de fato elas são apenas pessoas que almejam engordar seus lucros, a todo custo. São  acionistas e CEOs que, em certo sentido, ainda são classificados como seres humanos, mas que são incapazes de ferir ou de contrariar as diretrizes e as legislações que moldam as suas ações e decisões que objetivam buscar, para suas empresas, sempre mais e mais lucros e benefícios.

O que une esses elementos, bem pouco humanos, de forma simbiótica, as suas empresas, são os algoritmos contratuais, aos quais todos os participantes estão atados, e sob os quais nem mesmo podem tomar decisões que prejudiquem a companhia naquele ano fiscal.

E mesmo que se situando dessa forma, tal modo de agir e de proceder causasse algo como a destruição do mundo, por exemplo, nada seria alterado porque dentro do quadro interno da empresa,  por necessidade, o fim do mundo seria visto como um mero fato de externalidade.

Sim, vivemos cercados pela ilusão e pela falta de conhecimento, fomentada por sucessivos eventos esportivos oficiais, apoiados e endeusados pelos governantes em todos os níveis, e pela imprensa, de que para países e governos eles são ou poderiam ser relevantes. Exemplo: o Brasil é a pátria do futebol, etc.  Justifica-se, dessa forma, que se gaste cerca de 40 bilhões de reais para que um mega evento desse esporte se realize em nosso país.

Na verdade tais  espetáculos e o teatro que os cerca, criado pelos governos, em todos os níveis, são orquestrados pelos interesses de algoritmos frios, que não se revelam, nem aparecem de forma clara para a maioria do povo brasileiro. 

E quer queiramos ou não, os protestos e as manifestações atuais trazem disfarçados em seu bojo uma critica feroz ao  capitalismo, de forma geral.

Mas a maioria dos seus participantes apenas constata e entende que é antiética e indecente a concentração de renda, nas mãos de um reduzido número de indivíduos. No entanto, esse é um problema menor e secundário, comparado à concentração de influências das grandes corporações.

Essas grandes concentrações de poder e de dinheiro em contratos que criam empresas multinacionais e pessoas transnacionais que não mais pertencem a um país, desprovidas de ética e de consciência, não são benéficas para ninguém e estão a minar e a derrubar  o próprio capitalismo.

A inexistência de uma legislação que permita algum grau de controle real, penalizando seriamente os responsáveis legais humanos pelas ações da corporação, traria uma certa melhoria no quadro atual, onde  a “pessoa” responsável é um contrato, que não vai para a cadeia, e a quem multas (em geral irrisórias) não “doem no bolso”.

Dessa forma a corporação segue, como uma engrenagem cega e avassaladora que é, consumindo o planeta e submetendo os seres humanos a todo tipo de pressão.

Como, por exemplo, fazer com que bilhões vivam como sardinhas em bolhas de lata por várias horas por dia, na direção do ganha-pão nos funis viários.

Fazer com que esses bilhões comam lixo em embalagens coloridas, apoiado por uma publicidade e um entretenimento e lazer vazios, que criam, defendem e cultivam exatamente um mundo e aspirações onde o consumo faz mais sentido do que qualquer outra coisa.

Consumo do que, exatamente?

De carros, em especial.

Então não é chegada a hora H de meditarmos do por quê não se reage contra tudo isso? De nos questionarmos, se  precisamos de mais infraestrutura para carros particulares, ou  se está na hora de incentivarmos o transporte coletivo?

Assim, vejamos e nos convençamos de que esses protestos e manifestações não são por 20 centavos a mais, em uma tarifa de ônibus, mas por algo muito mais importante e fundamental que é a  reconquista do espaço pelos seres humanos.

Não o espaço sideral, e sim o espaço das ruas.

Há que se abandonar ou eliminar de forma definitiva e rápida essa  ideologia do consumo propagada por algoritmos sem coração, que conduz e leva alguns humanos desavisados a se  prostrarem, a se torturarem respirando um ar de péssima qualidade, de ter que se locomover por artérias urbanas entupidas, tendo por consequência  corpos e mentes torturados e entorpecidos.

Não será essa realidade o tão esperado apocalipse zumbi?

Por outro lado, as redes sociais, uma forma de consciência coletiva, que ninguém ainda entende direito, orquestram em resposta outro espetáculo: as manifestações.

Entre a organização popular e a venda de muitas máscaras de Guy Fawkes e bandeiras do Brasil, espera-se já a reação previsível e estratégica das grandes corporações, que mais do que nunca sentem a necessidade urgente de protegerem os seus ganhos através de seus processos automatizados. Seus algoritmos, eternamente famintos de lucros, impedem que elas, seus executivos e acionistas, tenham qualquer tipo de ética ou de consciência.

Ironicamente, nem mesmo as redes sociais escapam de tal realidade, visto que elas  também  são corporações.

Mas em meio a toda essa desordem, pode ser que possamos nos aproveitar e usar esse fato como uma brecha para reconhecer e eliminar o poder de todos esses monstros.

Como contraponto, além do possível acirramento da violência e do caos urbano, está a luta pela manutenção de uma consciência pessoal e popular, livre e engajada.

E se não soubermos realizar  uma crítica construtiva, relativa ao  capitalismo, em especial aos fatores que, a olhos vistos, saíram de controle e impedem a chegada e manutenção de qualquer ética no setor público, não chegaremos a nenhuma representação verdadeiramente livre e democrática da vontade pública.

Essa questão se faz presente e está viva para muitos dos que de fatopensam esse país, e os seus macro e micro problemas.

Ainda mais: esse conceito da “pessoa corporativa”, que permite que algoritmos sem consciência operem acima da vontade de todos os participantes humanos, dentro e fora das empresas, não pode mais ser aceito por esse capitalismo selvagem, nem para o funcionamento das empresas.

Interesses comerciais, industriais e financeiros extremamente concentrados não podem mais ser aceitos nem ignorados;  deverão constituir a principal agenda e o alvo principal de protestos, manifestações e passeatas em nosso país, por serem prioritários, em busca de um destino melhor que desejamos para nós, brasileiros e para o Brasil.

Um comentário:

Maria Tomasia disse...

Quero parabenizar o poeta Roberto Romanelli pelo excelente texto aqui postado sobre o momento em que o povo saiu da "toca" e foi às ruas protestar por tantos desmandos que vêm ocorrendo.
Parabéns!
Fraternalmente,
Maria Tomasia