NO BRASIL, NA ESCOLA NÃO SE
APRENDE
ROBERTO ROMANELLI MAIA
ESCRITOR, JORNALISTA E
POETA
Mentem e mentem
acintosa e despudoramente, quando afirmam que você irá aprender algo de útil
e
de precioso na atual escola brasileira, em todos os níveis.
Mentem seu pai,
sua
mãe, as professoras e todo mundo. E não é por mal: eles realmente ainda
acreditam nisso.
Mas as mentiras
não
param por aí; várias outras serão transmitidas ao longo da sua vida,
incutindo dentro de você um programa que roda sem parar dentro de sua
cabeça.
Programa esse
planejado, criado e desenvolvido para manter a maioria de nossa população em
níveis mínimos de exigência globais, que permitem à maior parte das elites e
das
classes dominantes manter o “status quo” possibilita o controle e o domínio
real
dos cidadãos do Brasil.
Esse processo de
massificação da ignorância, através de falsos ou de precários conhecimentos, e da falha
iniciação cultural, começa, é claro, na escola. Você aprende meias verdades e muitas
mentiras, além de
condicionamentos
negativos. Pior: preparam você para ser “obediente, pacífico, politicamente
correto, etc", para não questionar nem reagir, mesmo quando necessário.
Esse sistema
tenta
mostrar que resistir é inútil, deixando claro, desde o começo, que muito
pouco
ou quase nada pode ser alterado por você, mesmo que acompanhado por
outros.
Pode-se espernear
à
vontade, mas, no outro dia, você terá que voltar porque
“aprender” no Brasil é se sentar
e
ouvir: nada semelhante a criar ou a ser livre.
Sim, você está
sendo
preparado, diariamente, para acreditar que alguém, lá em cima, é quem sabe e quem
decide por você.
Claro que não se
discute nesse artigo afirmações como essa: a teoria ensina muito mais que a
prática, porém a maioria de nós está ciente que certos
conteúdos são importantes, como a
matemática, a
física, a história e o português.
O que
questionamos
está no fato de que inexiste o interesse, entre outros, em ensinar música,
artes, etc., como se tais assuntos não possam ter valor e relevância na nossa vida adulta.
Vende-se a falsa
concepção de que a competição faz mais sentido que a cooperação, e que se
fizermos tudo direitinho, conforme previsto por outros e pelo
sistema, seremos
recompensados, bem sucedidos e felizes.
Claro que nada
disso
é verdadeiro, contudo diante dos condicionamentos que foram
realizados o estrago está feito.
Depois de anos na
escola, saímos devidamente condicionados e prontos para seguir e
reproduzir
sistema. Esse, em
que
vivemos, hierárquico e baseado essencialmente, nas entranhas do sistema, na
manipulação,
no poder e no controle.
Conta que essas
pessoas que reproduzem comportamento semelhante, os que aprendem na
escola
de hoje, deformam
completamente o campo social em que vivem:
“Elas acham que o
mundo social só pode ser interpretado por meio de um conjunto de crenças
básicas
de referência, que
tomam por verdades evidentes por si mesmas, axiomas que não carecem de
corroboração.
Exemplos dessas
crenças são:
– o ser humano é
inerentemente (ou por natureza) competitivo.
– as pessoas
sempre
fazem escolhas, tentando maximizar a satisfação de seus próprios interesses
materiais (egotistas).
– sem líderes
destacados não é possível mobilizar e organizar a ação
coletiva.
– nada pode
funcionar
sem um mínimo de hierarquia.”
Ocorre que desde
muito cedo, agimos com base nessas crenças comuns e nada científicas, de
forma a
reproduzir uma
realidade deformada.
De fato, o que
ocorre
é que, em conjunto,
estamos perpetuando uma cultura patriarcal europeia, onde
continuamos inseridos.
“Em nossa cultura
patriarcal, repito, vivemos na desconfiança da autonomia dos outros.
Apropriamos-nos o tempo todo do direito de decidir o que é ou não legítimo
para
eles, no contínuo propósito de controlar suas vidas. Em nossa cultura
patriarcal, vivemos na hierarquia, que exige obediência.
Afirmamos que uma
coexistência ordenada requer autoridade e subordinação, superioridade e
inferioridade, poder e debilidade ou submissão. E estamos sempre prontos
para
tratar todas as relações, humanas ou não, nesses termos. Assim, justificamos
a
competição, isto é, o encontro na negação mútua como a maneira de
estabelecer a
hierarquia dos privilégios, sob a afirmação de que a competição promove o
progresso social, ao permitir que o melhor apareça e
prospere.”
É por aí, mas nem
tudo está perdido!
Estamos diante
de um período intenso de transição, que envolve a passagem de
uma
sociedade hierárquica para uma sociedade em
rede, prestes a descobrir que essa
sociedade, que começou a se apresentar há duas décadas, funciona baseada em
uma
outra lógica de abundância e de cooperação onde, nós como seres
sociais que somos, reconhecemo-nos e ajudamos, em um ciclo de trocas
constantes.
Custamos a
acreditar
nela porque suportamos, desde pequenos, o “programa pré estabelecido”
pelo patriarcado
e
pela hierarquia
que
nos tenta convencer, todos os dias, que somos meros números e figuras
passivas,
de cabeça baixa, diante do poder e da autoridade que nos é
imposta.
Com o exemplo das
escolas, vislumbramos o malware que opera na nuvem social; é através desse
mesmo exemplo que enxergamos o começo de uma revolução.
Embora poucos,
vemos
alguns que já começam a questionar
esse
sistema tradicional de
ensino, sempre presente há
décadas, e o que
entendemos por escola.
Todos nós
pensamos em
mudanças, alternativas e novos meios de ensinar e aprender.
São
esses questionamentos que deveriam mostrar uma
ideia
clara para os políticos, governos e governantes: eles
devem assimilar e entender que não são
só
as escolas que estão sendo questionadas, mas toda
uma
estrutura politica, social e econômica que existe em nosso
país.
Ninguém quer
mais, se
puder de fato ser livre para decidir, que nesse novo milênio só
seja autorizado a reproduzir e a obedecer.
Queremos ter
outras
opções e mais liberdade pessoal e coletiva, para pensar e decidir por nós
próprios.
Queremos ter o
direito de questionar o que nos dizem, trilhar nossos próprios caminhos e
criar
novos.
Isso se reflete
na
crise do ensino tradicional, nos antigos modos de trabalho e
nas estruturas
das
grandes corporações.
Não estamos
falando
de entidades separadas, mas interdependentes que se integram sob várias
formas.
É chegada a hora
de
entender que aprender é sinônimo de inquietude;
a ideia
fundamental
contida nessa
afirmação é constatar que muitos já começam a abandonar os empregos seguros,
para embarcar numa outra lógica e num outro caminho de vida, onde a
qualidade
supera o mero conceito de um consumismo desenfreado, de abundância ou de uma
eventual escassez; de colaboração, ao invés de competição. De um
conhecimento
mais livre, diversificado e não, engajado, ao invés daquele pronto,
programado,
limitado e encaixotado.
Sim,
aprender nada tem a ver com essa escola brasileira,
tradicional, conservadora e falida, que não se transforma nem
se
atualiza, permanecendo imune às mudanças que o tempo e o desenvolvimento
humano
trouxeram e incorporaram, já inserida, aproveitadas e desenvolvidas nos
sistemas
sociais, políticos, econômicos e educacionais de outros
países.
Tem a ver com
gente,
com encontro, troca e conexão. Tem a ver com aquela fagulha que faz nascer e
surgir coisas boas e novas, para que essas possam vir à tona.
Que desperta uma
vontade grande de descobrir algo mais, conhecendo mais e mais pessoas
diferentes, não enquadradas nem cooptadas pelo sistema, em busca de novas
opções, referências, alternativas e possibilidades.
Frequentar novos
lugares, procurando novos desafios de vida. Começando um outro
livro, ou escrevendo um poema de vida, que retrate de fato sentimentos,
emoções
e sensações reais e não aquelas de ocasião.
Aprender é
abrir um mundo de possibilidades, que fará você mudar de óculos para
enxergar
aquilo
que não enxergava antes.
É o que fará
você preparar-se
para
viver, ser, pensar, sentir e amar mais do que pode conseguir em qualquer
aula,
na atual escola brasileira.