sexta-feira, 18 de julho de 2008

RÉGIS BONVICINO E ALCIR PÉCORA


ARTE / RISCO
Arte/poesia enquanto ato de risco postula a luta cultural, entendida como combate entre o que se reconhece como arte/poesia e o novo que o próprio legado cultural exige como condição da arte/poesia.
Arte / poesia enquanto ato / de risco
Régis Bonvicino e Alcir Pécora
1.
A idéia do módulo é evidenciar aspectos não-representacionais da arte/poesia: visa a dramatizar a ação que produz a arte/poesia e os efeitos que gera, em vez de interpretar os conteúdos que supostamente veicula. Arte/ poesia não é veículo. Não transporta significado de um lado para outro a fim de obter um sentido, mal ou bem remunerado. No limite, opera para despir o gesto do sentido. A não-representação nada tem a ver com irrealismo ou irracionalismo.
Não se trata de negar a realidade, mas de negar que arte/ poesia seja apenas uma segunda natureza ornamental ou hermenêutica dessa realidade; trata-se igualmente de negar que sua função seja tornar a realidade compreensível ou perceptível para todos pois ela mesma é uma realidade. Arte/poesia não é vassala da filosofia, nem da história, nem do sujeito, nem da comunicação de um sujeito com outro. Arte/poesia não é determinada por nenhuma essência ou fato. Arte/poesia é um ato de indeterminação radical, ato de descoberta da potência anterior ao ato. Arte/poesia não diz, mostra; não reflete, não é gênero, pois existe enquanto presença, energética, evidência, engenho, máquina, matéria, física: “El água es el elemento de los peces”, para concordar com o verso do poeta chileno Gonzalo Millán.Arte/poesia não tem garantias ontológicas. Arte/poesia não tem significado fora de sua forma de vida, peculiar e intransferível, e o que ela primeiro significa é a sua própria existência. Seu ato não é uma terceira coisa. Há, pois, na poesia/arte, uma dimensão irredutível a significado ou conteúdo prévio, pois o que ela diz é o que faz, e o que não faz simplesmente não pode dizer. Não se diz o que não é; Wittgenstein: não há semblante sem rosto. Não há nenhum fato oculto no que arte/poesia faz: arte/poesia é o fato manifesto.
E o que arte/poesia manifestamente faz quando diz?
2.
Neste âmbito, em que a dimensão não-representativa da arte/poesia é acentuada, interessa-nos tão somente o que ela faz como ato de risco, isto é, enquanto ato ainda sem legibilidade artística ou poética constituída ou partilhada: arte que não tenha garantia artística. Isto não significa a proclamação do direito ou do dever do absolutamente novo ou do inteiramente outro, mas a necessidade do risco. Boris Groys: A condição de entrada no campo da arte/poesia é a imersão no legado da cultura. O legado de cultura, entretanto, tem a insubmissão e o confronto como condição da relevância deste ato de Arte/poesia. Arte/poesia enquanto ato de risco postula a luta cultural, entendida como combate entre o que se reconhece como arte/poesia e o novo que o próprio legado cultural exige como condição da arte/poesia. Arte/poesia está nas fronteiras da destruição, para estar nas fronteiras da criação.

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