quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

WALDO LUIS VIANA


O MANSO TRUQUE DE AÉCIO NEVES

“São Paulo não tem horizonte,
simplesmente não tem horizonte. Ou por outra: o horizonte paulista
está a cinco metros do sujeito e é uma parede.”
Nélson Rodrigues

Waldo Luís Viana*

Aécio Neves é mineiro e, por isso mesmo, atavicamente teatral. Desistiu, num gesto bissexto, da pré-candidatura à presidência da República. Já a candidatura mesma é outra coisa. E ser presidente no Brasil significa ter sorte e destino, não é mera questão de estratégia ou quantificação eleitoral. A mineiridade é sóbria e não permite erros. Uma mansidão calculada, que poucos conhecem ou compreendem. Ela concede aos sofismas, aos adiamentos, adula sem pressa as mentiras táticas, mas jamais confere a desistência. E mineiro é hospitaleiro, matreiro, não briga de frente e gosta de bancar o idiota, principalmente diante dos que pensam que são inteligentes.Ao desistir formalmente da “pré-candidatura”, que é uma entidade fantasmagórica, não legitimada pela Justiça Eleitoral, o governador ofereceu, dialética e psicanaliticamente, o espelho ao seu contendor, como se dissesse: “Toma, ó Serra, olhe agora de frente suas reais condições sobre o que tanto deseja!”. E o governador de São Paulo pode ser tudo, menos burro. Sabe que não tem o carisma do nosso atual presidente (também egresso da política paulista, tal como o antecessor, aquele da “herança maldita”), é careca e pouco mercadológico em matéria de mídia nacional e não se livra daquele ar eterno de mordomo de vampiro, que tão bem o caracteriza. Além disso, sabe que Lula tem muita dificuldade de transferir para a sua atual candidata a monumental popularidade de que dispõe, mas concorda em que a máquina lulista é infernal, abarrotada de dinheiro, aqui e no exterior, e é capaz de triturar vivo qualquer adversário. O lulismo, aliás, é acatado por empresários, banqueiros nacionais e internacionais, empreiteiros de obras e detém controle informal sobre as mídias de pesquisas, que fabricam e depõem candidatos ao sabor dos interesses do sistema. E interessa bastante ao sistema que o candidato José Serra seja incensado bem antes, surpreenda como favorito na corrida presidencial, parecendo possuir uma popularidade invulnerável, impossível de não ser desprezada como candidatura exequível às sedentas e jejuantes oposições. Enquanto isso, a candidata do status quo não decola antes, tem rejeição enorme e parece não crescer como desejava o atual presidente. Tudo muito bem arranjado e convincente demais para qualquer um, quanto mais para um mineiro desconfiado.Serra é o preferido, inflado na própria vaidade, a ponto de, num gesto de desprendimento, desistir de uma candidatura tranquila à reeleição em São Paulo, fazendo exatamente o que o sistema quer: sair candidato à presidência, num oba-oba infernal, descendo finalmente do muro para ser fragarosamente derrotado, depois, na eleição maior. Com isso o atual dispositivo de poder ganharia duas vezes: uma possível vaga em São Paulo para o partido oficial e a continuidade do esquema de poder no plano presidencial.Só que o Brasil, feliz ou infelizmente, não é São Paulo, cujo orgulho regional e bairrista é de todos conhecido. São Paulo pode até ser “a locomotiva do país”, mas não é o trem todo. E de trem, quem entende mesmo é Minas Gerais. Minas recusou a derrama e o quinto dos infernos, tendo coragem de conjurar-se no século XVIII. Hoje, temos contra os brasileiros um estado totalitário, que impõe muito mais do que uma derrama e o dobro do quinto dos infernos. E tal como a antiga coroa portuguesa, que levava o ouro, o suor e o sangue da colônia brasileira para financiar seus déficits, o executivo corta o couro da população até o meio do ano, extraindo impostos sem conta para financiar uma orgia de gastos jamais vista, para custeio da máquina pública e do fausto dos “cumpanheiros”. E essa “nova classe” que tomou conta do Brasil, quer continuar pendurada no poder, saqueando o povo brasileiro ainda muito mais...E a sedução por Serra é, por conseguinte, a maior armadilha produzida pelo esquema governamental para autoperpetuar-se nas próximas eleições. Mediante um processo eleitoral eletrônico sem recibo de voto na urna, processo não aceito por dezenas de nações desenvolvidas, vamos para um período eleitoral cansativo, com o insuportável “horário gratuito eleitoral” e mais uma campanha que dividirá o país novamente entre ricos e pobres. Naturalmente os primeiros são da oposição e os últimos, propriedade e objetos de amor do governo que aí está. Dessa forma, nem é preciso disputar eleições, porque no país mais desigual do mundo, os pobres são e permanecerão convenientemente como maioria e massa eterna de manobra. Foi talvez pensando em tudo isso que Aécio Neves, com mansidão mineira, ofereceu o espelho a Serra. Olhe-se bem, candidato, e veja o que está preparado para você, amanhã. As nuvens da política mudam, mas certas leis devem ser compreendidas como fixas, porque pressupõem como se comportam os que conduzem as manadas. O governo quer Serra como candidato, talvez até mais do ele próprio. As razões foram aqui expostas e são quase lineares. Por sua vez, Aécio Neves, provisoriamente saindo do cenário, deixa de se desgastar, num panorama partidário de homens fúteis, que quiseram fazer sangrar Lula em 2005 e acabaram jantados pelo presidente em 2006. 2010, que se avizinha, é, porém, outra história. O governo tem várias cartas na manga e vai utilizá-las todas, a partir de março, porque antes do Carnaval nada se decide neste país, que terá ainda Semana Santa e Copa do Mundo. Aliás, fazer coincidir as eleições gerais com o certame, é sempre uma tentativa de adequar os interesses do sistema aos resultados em outubro que se deseje obter.São Paulo já nos governa há dezesseis anos e sempre foi núcleo dos partidos hegemônicos, que querem mexicanizar a política brasileira, transformando os pleitos presidenciais num mero jogo de compadres. A diferença entre o PT e o PSDB é a mesma entre a Coca e a Pepsi: todo mundo sabe que já não cola. E o predomínio de um Estado da federação sobre os outros nos encaminha perigosamente para uma nação unitária, destruindo de vez uma federação esquálida, com flagrante desequilíbrio entre poderes. Todos sabem, historicamente, onde isso desemboca: em mandonismo, autoritarismo e culto à personalidade, origem e fim de todos os totalitarismos que ensanguentaram o mundo.Aécio Neves prova, com seu manso truque, que quer evoluir além do estágio do espelho, de que falavam Freud, Jung e Lacan. Ao olhar os próprios defeitos e a imensa impossibilidade que o cerca, na imagem refletida, o governador de São Paulo talvez reflita e não caia na armadilha, refluindo para seu Estado para servir à Nação de outro modo.Resta saber se o jogo não é combinado e as cartas marcadas. Se existem mesmo adversários ou todos são mocinhos e todos são bandidos. Quem viver verá. Feliz Ano Novo a todos!
*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta, é carioca e adora assistir, visto da ponte, o panorama...

Teresópolis, 27 de dezembro de 2009.

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