quarta-feira, 12 de agosto de 2009

BOSSA NOVA PARA GEORGE ORWELL


BOSSA NOVA PARA GEORGE ORWELL
Com o retorno dos anistiados pela abertura política, em 1984,falava-se muito sobre a possibilidade dos eleitores brasileiros elegerem um presidente civil. As campanhas pelas ELEIÇÕES DIRETAS, fervilhavam pelo país a fora,e não foi diferente em Araçatuba.A cidade e o país pareciam absorvidos por uma eterna manhã de liberdade.Pessoas circulavam esperançosas pelas ruas Cussy de Almeida,Oswaldo Cruz, XV de novembro,Aguapey,Luis Pereira Barreto, Carlos Gomes, Marechal Deodoro,e a praça Rui Barbosa,portando camisetas, carregando cartazes e bonés com a inscrição DIRETAS-JÁ! As pessoas se impressionavam com as atitudes de Fernando Gabeira, muitos estavam lendo seus livros:O CREPÚSCULO DO MACHO,e O QUE É ISSO COMPANHEIRO? Mas Valdir Calixto, Edson José da Silva e eu, estávamos impressionados nesse período com os livros de HERMAN HESSE, NELSON RODRIGUES E NIETZSCHE.Portanto, não acreditávamos em novos messias na área política, não acreditávamos que mesmo um civil fosse iluminar com sabedoria e justiça o cenário político brasileiro. As leituras desses autores citados nos conduziam inconscientemente a certo pessimismo e descrença diante das ambições demasiadamente humanas. Penso que , paradoxalmente,enquanto jovens , tínhamos pretensões mais ousadas para nós e para os brasileiros,algo além da mesquinharia politiqueira. Em Araçatuba surgiu o movimento PLUTÃO, segundo dizem,com o pretexto para as formação de uma nova consciência política que afrontasse o marasmo local. O poeta EDSON JOSÉ DA SILVA e o VALDIR CALIXTO participaram de algumas reuniões;eu desconfiei do aglomerado de pessoas e interesses difusos,e jamais o frequentei. Meses depois, o tal movimento se dissolveu. Sempre desconfiei da pureza desses movimentos, porque a vaidade fala mais alto e as idéias se perdem no calor das discussões. Eu tinha 1984 razões para não acreditar em salvadores da pátria.Naquela ocasião,o poeta negro EDSON me apresentou o arquiteto e baixista MAURO RICO, que residia em frente ao Colégio DOM LUIZ LASAGNA (colégio Salesiano), no qual eu havia estudado até a oitava série. MAURO me surpreendia com o seu jeito meio hippie, bata branca, cabelos longos,colares e sandálias,sorriso espontâneo, cabeça aberta,libertária para os moldes da época. Em sua casa foi-me apresentado também o artista plástico,engenheiro beat norte-americano JOHN HOWARD, o qual , estranhamente nutria uma paixão desenfreada por Araçatuba. Poetas, músicos, outsiders circulavam pela residência do adorável MAURO RICO. Aconteceu no ano Orwelliano: vi pela primeira vez NARA LEÃO,em entrevista concedida a TV CULTURA/SP,fiquei perplexo com a naturalidade,o charme,inteligência e voz de NARA.No ano orweliano, o maestro PAULO GIOVANINI havia me ensinado o rítmo bossa nova ,entregando-me partituras de piano com canções de TOM JOBIM,enquanto eu lhe relatava meu encantamento com NARA. Nâo havia visto uma mulher tão soberana de si, exceto em Xênia Bier. Mas Nara representava toda uma geração reprimida pelos anos de chumbo da ditadura militar,e sobretudo dela transparecia meiguice, e nenhuma essência de ódio ou vingança. Tornei-me seu fã até os dias de hoje.Musicalmente,foi o que de melhor me aconteceu no ano Orwelliano de 84, NARA representava a liberdade não aprisionada pelos meios de comunicação, uma eterna manhã de liberdade como eu jamais havia visto, era mais que uma abertura política, era demasiadamente doce e transgressiva.
EVERI RUDINEI CARRARA
foto (praça rui barbosa/centro-araçatuba/sp) gentilmente cedida por marcelo duarte

Um comentário:

Anônimo disse...

Everi, adorei a crônica... Deu muita saudade da queles tempos, do Calixto, do Astério e de todos que, de uma forma ou de outra, fizeram parte do Projeto Plutão, idealizado por Mário César, e que na essência erra mais um chamariz para eleger pilantra s e malandros do velho MDB. Mas vc está de parabéns!!! Ainda bem que temos algo saboroso para ler sobre aquilo tudo! Gostaria que vc descobrisse algo sobre o velho cine-clube que o Julião, o Paulo Grobe e eu penávamos para tocar, arrastando pessoas a laço para comparecerem às sessões. Não se esqueça de mencionar sobre os anos 80 que sua casa era um "point" difusor de cultura, com vc ao piano mostrando para a gente, Beatles, Stones e Eric Satie... Beijos - José Laércio Verza - P.S. Sua crônica me fez lembrar Noites Tropicais de Nelson Motta