terça-feira, 17 de janeiro de 2012

CLAUDIO WILLER


Homenagens a Robert Desnos

claudio willer in Artigos, Opniões e Provocações. Etiquetado:Robert Desnos, surrealismo.

Eu havia enviado aos participantes do meu mais recente curso de surrealismo este trecho a seguir de ‘La liberté ou l’amour!’ de Robert Desnos: obra prima, parágrafo de uma frase só que destrói a relação de significação. Mostra que Desnos entendeu Lautréamont; assimilou e desenvolveu magistralmente suas hipérboles, perífrases e demais exageros. Resolvi democratizar, postar em meu blog. E resolvi mais: vou fazer série, com mais informações sobre Desnos.

‘La liberté ou l’amour’ foi traduzido por Eclair Antonio Almeida Filho – tradução rodou por editores, não aconteceu nada. Assim são as coisas nessa pujança cultural brasileira. É o máximo do relato urbano onírico. O protagonista segue o Corsário Soluço, que segue Luisa Lâmina, por quem é apaixonado, observados por Bebé Cadum, gigantesco reclame luminoso de um creme. Pontos culminantes, a chuva de luvas (vou postar), a visita do Corsário ao Clube dos bebedores de esperma, e o trecho em que Bebé Cadum se engalfinha com o boneco gigante dos pneus Michelin.

Dados biográficos de Robert Desnos (1900-1945) – o surrealista do transe, do sono hipnótico, do mundo onírico, das aliterações, da capacidade de expressar-se através de todas as formas literárias, morto em um campo de concentração (foi da resistência francesa) – na próxima postagem, ou em uma das próximas postagens. Há seleções de Desnos em http://cantarapeledelontra.blogspot.com/2011/04/poemas-de-robert-desnos-ii.html e http://www.revistazunai.com/traducoes/robert_desnos1.htm – traduções de Eclair e outros, publicadas por Claudio Daniel.

Trecho de La liberté ou l’amour! de Robert Desnos (frase-parágrafo ao final do capítulo V)

Como querem que o trigo, preocupação principal das pessoas que desprezo, possa germinar lá.

Mas o Corsário Soluço, a cantora de music-hall, Luísa Lâmina, os exploradores polares e os loucos, reunidos por inadvertência na planície árida de um manuscrito, içarão em vão do alto dos mastros brancos os pavilhões negros anunciadores da peste se não tiverem antes, fantasmas jorrados da noite profunda do tinteiro, abandonado as preocupações caras àquele que, dessa noite líquida e perfeita, nunca fez outra coisa senão manchas nos dedos, manchas próprias para a aposição de impressões digitais sobre as paredes laqueadas do sonho e por isso capazes de induzir ao erro os serafins ridículos da dedução lógica, persuadidos de que só um espírito familiar às majestosas trevas tenha podido deixar um rastro tangível da sua natureza indecisa através da fuga diante da aproximação de um perigo como o dia ou o despertar, e longe de pensar que o trabalho do contador e aquele do poeta deixem finalmente os mesmos estigmas sobre o papel e que apenas o olho perspicaz dos aventureiros do pensamento seja capaz de fazer a diferença entre as linhas sem mistério do primeiro e o grimório profético e, talvez sem que o saiba, divino do segundo, pois as pestes temíveis não passam de tempestades de corações que se entrechocaram, e convém afrontá-las com as ambições individuais e um espírito desprendido da estúpida esperança de transformar em espelho o papel através de uma escrita mágica e eficaz.

Nenhum comentário: