segunda-feira, 1 de outubro de 2012

LIVRO DE WHISNER FRAGA

A Carne Transposta Para o Verbo e Verso
Rubens Shirassu Júnior
Seguindo o conselho de Drummond, mais do que na emoção, Whisner Fraga procura a poesia na carne das próprias palavras da Bíblia e, dentro delas, nas letras que a compõem antes do verbo, compondo estes versos da celebração de um período de sua vida. O Livro da Carne: livro das palavras nuas, letras franciscanamente despojadas que se agrupam em palavras medidas, sonoras, capazes de retomar jogos e brincadeiras, de reinventar a infância mineira dividida em três fases: a inocência, a descoberta e o desgosto, com o despertar da consciência e do encontro. A matéria torna-se fortemente expressiva e marcante na sua vida, enquanto a composição revela um mundo sitiado, regrado por leis repressivas e povoado pelos dogmas, o fundamentalismo, o ecumenismo e o maniqueísmo religioso pelas imagens surrealistas, vingativas e fatalistas, além das costumeiras contradições encontradas em doutrinas religiosas ou filosóficas. Mas é sempre desse tempo, dessa fase sem lirismo, romantismo e saudosismo piegas, diferente de um Marcel Proust e suas reminiscências sentimentais de “Em Busca do Tempo Perdido”, mas semelhante na unidade temática como faz João Cabral de Mello Neto.
Os poemas que compõem o livro expressam a condição e a educação sentimental do menino institucionalizado, imerso em um mundo opaco, governado por normas morais que cultivam o medo, a culpa que o alienam e oprimem. De uma maneira, Fraga mostra que o universo está carregado de mitos seculares e enraizados no gene que nos lançam na claustrofobia sufocante de uma sociedade que cobra as tarefas-padrão inumanas. Um universo poético em que os tradicionais conceitos de culpabilidade e inocência valem menos do que o próprio funcionamento da lei moral – indiscernível, relativa, acima da vontade e do entendimento dos homens.
Podemos interpretar O Livro da Carne vendo-o como uma alegoria do milenar pensamento de controle, em que todos estão submetidos a uma lógica cega. Whisner Fraga é poeta cônscio do seu ofício de plasmador de signos, mitos e ritos. Se a sua obra ficasse no plano projetivo das angústias e, no seu desafogo, por certo não teria ultrapassado o limiar da poesia de confidência e evasão que marcou quase toda a prosa e a poesia romântica. Mas ela vai além da projeção: tematiza os escuros desvãos da memória em torno de ambientes, fantasias, brincadeiras, jogos desde a infância até a adolescência, personagens e molda-se no nível da palavra descritiva de imagens surreais, fantásticas ou absurdas.
A distância que vai da vida à arte é palmilhada pelo estilista rigoroso que formou seus ideais artísticos à sombra do construtivismo de João Cabral de Mello Neto, ora recai sobre as situações vividas, sentidas e imaginárias. O poeta experimenta verdadeiro duelo com os abismos das situações grosseiras tão frequentes nas fases de infância, pré-adolescência e adolescência, entre as imagens do ousado libertino, transgressivo e o comedido ou regrado religioso.
Jogo da Sinceridade
Whisner Fraga faz o jogo da sinceridade e manipula a eloquência escrita como arma do instinto. A religião é a sombra de “O Livro da Carne” e a representação mais bem realizada do autoritarismo, da dúvida confusa como instituição está relacionada aos tabus. Ela entra nos nervos do subconsciente do poeta, que através da linguagem poética, camufladamente, usa de uma precisão talentosa de carpinteiro, o poeta revela suas próprias cismas, sufocadas pela filosofia cristã e pela sociedade. Se faltou coragem a Fraga para matá-la dentro de si, parafraseando Freud: “a arte é uma das formas de sublimação dos recalques da libido” sobrou o que chama de “princípio de prazer”,para a satisfação dos impulsos primários transfigurados pelo autor em manifestação poética de superação.
*Poeta, Ficcionista e Crítico Literário

Nenhum comentário: