segunda-feira, 1 de outubro de 2012

LUIZ ROSEMBERG FILHO

                      “A LINGUAGEM ABJETA DO CINEMA”

         Ser um burocrata-palhaço é fácil pela similaridade com a nossa odiosa classe política. Falta-lhes conteúdo humano, mas isso pouco importa pois são políticos modernos que lidam com a tragicômica tecnologia moderna. Claro que o que o que os faz avançar é um constante retrocesso à barbárie. Cabendo ao burocrata-palhaço servir como instrumento policial a inventar leis, papelotes, carimbinhos e firulas no seu eterno disfarce “cinzento” de caça à inteligência. E como o nonsense é que predomina no país, sempre errando, de vez em quando acertam. Mas o que vem a ser o burocrata-palhaço? Definiremos o palhaço e o resto fica por conta de cada um. Em 1988, em “Os Meios de Comunicação Como Extensão do Homem” McLuhan afirmava com maestria: “O palhaço é um homem integral que arremeda o acrobata numa mímica elaborada da incompetência”. Heroificado por Partidos medíocres coligados com o poder, chegam sempre a algum tipo de repartição pública, onde aperfeiçoam a mesmice para que nada seja alterado.
         Falta-nos hoje, plenitude a uma apropriação poética da desintegração do real. A opção ética no nosso cinema foi logo assassinada pelo narcisismo de alguns deslumbrados, e pelo capital que ao satisfazer ao desejo de enganar, comprar e mentir transformou a traição numa exaltação a ser seguida. Ou seja, cobriu-se a falta de sensibilidade concreta e real com o dinheiro. E muitas foram as aberrações que vieram em nome do sucesso a qualquer preço. E onde estão hoje esses virtuosos do capital? Resposta: bem acolhidos na TV formatando clichês e inventando peruas que se dizem atrizes vindas do prostíbulo do BBB: o Big Bunda Brasil! O velho realismo forte de “Os Fuzis” deu lugar a uma zona de bonecas responsáveis pela irresponsabilidade de sons e imagens sem concepção dramática alguma, a verbalizarem o óbvio na dessubjetivação do espectador.
         Queríamos pensar o Brasil, Poe, Baudelaire ou Fernando Pessoa. Queríamos desafiar contradições, risos, silêncios e nossos muito demônios. Queríamos avançar no saber para ultrapassarmos a nós mesmos. O suporte da solidão num confronto permanente nos tornou mais fortes frente a decrepitude agonizante dos nossos velhos e novos inimigos. Lamentamos não terem apreendido nada com os trágicos anos de chumbo. Mas o ameaçador não é o passado e sim o presente. Esse duplo de ontem e de hoje ameaçando o futuro. Mas... o eterno esperto se acha engenhoso, insento de responsabilidade a defender a mesmice que sempre os beneficiou na eterna sem-vergonhice da nossa trágica política cultura que desde o regime militar, vive de enxugar gelo. O próprio Celso Furtado citado como exemplo, inquestionável como economista; como Ministro da Cultura foi um tremendo enxugador de gelo, justificando até a interdição de um delicado filme de Godard.
         Ou seja, desde o regime militar vive-se por todos os lados golpes de humilhação e castração. E onde não existe gozo, o baixo e sujo tornam-se referências. Lamentavelmente a televisão se tornou o nosso único campo perceptivo de uma história do esquecimento. Inseriu-se no cinema para nos tornar ainda mais idiotas como realizadores e espectadores. Basta que se veja os seus “filmes” de sucesso: um desacordo total com o cinema de Humberto Mauro, Mario Peixoto ou Glauber Rocha, para nos limitarmos ao trabalho com a linguagem e o saber. E o que passa do bom cinema brasileiro na TV/ Pouco ou quase nada. E quando raramente passa é de madrugada. Claro que aliaram-se as companhias estrangeiras e solidificaram a melancolia, a burocracia e a barbárie. Só filmam os bem comportadinhos, adesistas, histéricos e idiotas. Sensibilidade e investigação lingüística estão fora da “grade” – terminologia imunda da TV.
         Ora, não escolhemos o cinema para sofrer ou morrer. Não cultuamos a depressão ou a tristeza, e sim a vida satisfeita para todos. Fomos sempre críticos em relação a burocracia, mas sabemos reconhecer seus avanços (quando avançam) e conquistas. Também nunca subestimamos a força dos velhos inimigos, e sempre os confrontamos com argumentos cabíveis. Já até os defendemos quando achávamos que não eram tão baixos e oportunistas de plantão. Não temos uma visão infantil nem apaziguadora dos tantos mal-entendidos como propostas veladas em defesa para que nada mude. Fizemos e fazemos apesar desse fascismo também velado que nos domina da TV ao Cinema-Espetáculo. Mas...a quem serve a TV e o Cinema-Espetáculo?
         Onde a história se repete como tragédia, traição e como farsa. Como essa advertência à Ancine publicada no dia 4 de dezembro último, no jornal O Globo, metonímia ou ataque ao cinema brasileiro? Nossa triste história está repleta de tais situações ou malabarismos lingüísticos e de posicionamentos de concepções. O que torna mais abjeta a história do cinema e a nossa própria história. Toda vez em que se tenta alguma mudança ou que se projeta alguma possibilidade para muitos, alguns pensadores duvidosos, policiais e militares ganham as ruas, incentivadas ou metonimizadas para nada acontecer. Situações a que a imprensa única atendeu sempre. A voz do dono.
         Particularmente, não somos personagens de bastidores e louvamos a imprensa quando alguma liberdade se expressa, não somente para o óbvio mas, para tematizações mais do que necessárias e que, no cinema, só aparecem, depois dos bastidores! Como agora. A de possíveis alterações nas Leis de Incentivo ao cinema. Que tem sido ativadas por situações muito parcimoniosas, deixando o cinema mais vitimado do que compensado. No passado ainda contávamos com o Sindicato Nacional da Indústria, ativo em suas responsabilidades, com as Associações e outros movimentos. Hoje contamos com os malabarismos dos peões da mídia e pouco mais. Que, na sofreguidão do sugar, se embaralham nas tetas, temendo secar.
         Nosso cinema periférico, carente e dependente não pode abrir mão de decisões menos óbvias do governo para o setor. Principalmente, como proteção e fomento. E nossa infraestrutura está pronta para uma independência que, no futuro, será um forte suporte do próprio governo e em nossa sustentabilidade. Como profissionais e como um mercado rentável econômico e cultural.
         E se o Brasil em sua essência carece de reformas, estas Leis de Incentivo, se tornam fundamentais bastando para atendê-las, reinverter os “argumentos” estampados e bem grafados na referida matéria de O Globo. Indiscretamente escrita para os mesmos de sempre. O dono e a voz! Pelas enumerações contraditórias e antagônicas. As de um cinema mais privado do mundo. E nem precisamos discutir ou repetir o já defendido ao longo dos anos em Simpósios e decisões. A defesa do cinema, do mercado e da cultura. E de nossa autonomia e identidade. Com liberdade, independência e sem evasões: econômicas e culturais.
E os sabujos conhecedores de mitos e oferendas, conhecem também de feudos, monarquias e burguesias. O que Marx define em “18 Brumário”. Estes sabujos são os nossos Napoleões brasileiros. Que depois de varrerem independência, escravidão e monarquia varreram o país, como Napoleão varreu a Europa, como o seu domínio burguês de exploração e privatismo. Conhecemos bem o “liberalismo” desses Napoleões. E em nossas lutas pelo cinema o que se conseguiu foi graças aos movimentos como este da Ancine, definindo as ações para uma autonomia de necessidades. Com o que possuímos de melhor: recursos, capacidade e mercado. Ações de um rigor temático, histórico e cultural.
Quando as companhias estrangeiras decidiam, diretamente, os seus interesses na administração do cinema brasileiro. E nenhum governo, como agora, pode ser insensível às intenções humanas e nobres da Ancine; as de avançar numa área digna e imprescindível como a do cinema e do audiovisual. Traduzindo mito, poder e prepotência na cultura das metrópoles, becos e guetos de subproletarizados, dominados por tropas de ocupação e limpando a área para o controle dos meios de produção, enquanto a exploração e a exclusão não chegam. Preservando espaços para o cinema-televisivo ruim da Globo. Não devemos nos envolver em discursividades ocas e evasivas, as de uma subliteratura e as de uma subcultura. Nossa infraestrutura é política, econômica e cultural. E é com ela que vamos lutar! E toda realidade só existe, quando questionada e testada como existência. A do nosso cinema expropriado.
No Brasil, a defesa do nosso cinema precisa acompanhar discussões como as de Jean Claude Carrière na França. Que em reuniões do GATT acusou os Estados Unidos de estar liquidando o cinema no mundo. Sangrando como diversão, cultura, controle e remessa de lucros. Deixando um rastro e uma identidade esfacelada, comprometendo as ações do próprio governo. E o cinema brasileiro ainda precisa de um olhar atento e sério sobre ele. Mais atento e substancial do que o cinema 3D. Um olhar humano de afeto, dimensão e significações. E sem negligenciar o mercado, um dos melhores do planeta, esquecido e, diretamente controlado pelos meios de produção de teles e celulares. Cujo mercado tornou-se a sala de espera e de exibições para nada. A do mercado, a partir da própria produção. De produtos e seus entendimentos. Produzidos como lixo.
E os incentivos são sim, recursos públicos de que fazemos uma renúncia fiscal. E, se a fazemos, antes de chegar à Receita Federal, foi no sentido de evitar burocracias e ao atendimento de urgências e necessidades. Por isso, os recursos foram parar nas mãos de empresas estrangeiras. Um erro e articulação da história que, conhecemos bem! E que precisam ser corrigidos com a máxima urgência! Como os retidos nas companhias, sendo transferidos para o BNDES ou outra instituição pública, com as dificuldades sendo socorridas pelo Congresso, onde podemos negociar a maioria, pela legitimidade, e o sentido grandioso de tais iniciativas políticas e culturais.
         O cinema e toda ação política, econômica e cultural acompanham um projeto do governo, em favor do povo e da Nação e todos temos que cumprir essa tarefa. E despertar o pequeno e grande público para acompanhá-la. E nada como o cinema para fazê-lo. Vamos em frente! Lutamos definindo realidades. Coisa mais dura e mais onerosa! E fundamentalmente contra os eternos inimigos de um cinema para todos.


       Luiz Rosemberg Filho e  Sindoval Aguiar
                                    RJ, 2012 

Nenhum comentário: