sexta-feira, 14 de outubro de 2011

CARLOS LÚCIO GONTIJO


O poder dos “homens-Zeus”

Carlos Lúcio Gontijo


Os que sabem de nossos defeitos e continuam nos amando são apenas os familiares e os amigos verdadeiros, pois, na imensa maioria das vezes, os tão-somente “conhecidos” não passam de utilitários, ou seja, se mantêm por perto à medida que tiram alguma vantagem da convivência. Infelizmente, a conduta humana, seja do ponto de vista social, político ou psicológico, permanece mais que nunca guiada pelo ganho material, com forte predominância do complexo de Zeus.

Explicando ao leitor, elucidamos que Zeus (também conhecido como Júpiter) era tido como um deus supremo nas mitologias romana e grega, detendo o poder de lançar raios, dissipar nuvens e fazer chover. Talvez, aí resida a origem dos mandachuvas que regem a República Federativa brasileira como se entronizados em sistema imperial ou ditatorial. Os “homens-Zeus” são, em síntese comportamental, aqueles que querem, ao mesmo tempo, possuir a vontade e o arbítrio, sujeitos que são a explosões coléricas, se nos apresentando hábeis em matéria de fazer alianças, galanteadores e amantes contumazes, agindo como se as pessoas não passassem de peças expostas num grande tabuleiro de xadrez – o mundo.

São os “homens-Zeus” que se encontram no comando dos destinos brasileiros há mais de 500 anos, marcados pela desigualdade e pela escravidão introduzidas pelos colonizadores e que se transformaram em práticas habituais no campo e na cidade, uma vez que muitos senhores do capital ou patrões ainda tomam os baixos salários e a escravização como sinônimo de bem exercer liderança ou chefia. Nossa falta de memória talvez tenha raiz na facilidade com que desfazemos laços e jogamos no lixão do passado ações “radioativas” que possuem o poder de contaminar nossa infraestrutura social por anos a fio.

Ninguém, ou pouca gente, se lembra de que a prática da escravidão no campo tornou-se ainda mais rotineira a partir de 1964, quando os sucessivos governos militares, através da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), direcionou volumosos recursos para as regiões Centro-Oeste e Amazônia. Altas quantias de dinheiro, somadas aos incentivos fiscais, atraíram para a zona rural grandes grupos empresariais de capital financeiro e industrial daquele tempo, ampliando a gravidade da concentração de terras, ao possibilitar a formação de latifúndios de até 150 mil hectares.

Para que bem possa ser detectada a dimensão da importância assumida por aquela decisão dos “homens-Zeus” da época – então trajando amedalhados e reluzentes uniformes verdes-oliva –, recordamos aos nossos casuais leitores que foi viabilizada a inserção entre os novos donos de terra do Bradesco, do grupo Atlântica-Boavista, do Bamerindus, do Econômico e da Volkswagen, que de uma hora para outra foram arrebatados por uma incontida vocação agrária, germinada sob o privilégio de uma fertilizadora liberação de verbas públicas, em que a quantidade de recursos dependia do tamanho do imóvel: assim, a ditadura militar financiava de forma desabrida tanto o latifúndio quanto a exploração dos trabalhadores rurais.
É por essas e outras que o povo brasileiro deve prestar muita atenção nos que comentam sobre política nos veículos de comunicação, pois em alguns casos os tais analistas cometem o desplante de ponderar dentro da ótica utilitária, avaliando os governos segundo os benefícios que proporcionaram a eles mesmos ou ao grupo a que achavam ligados em determinada ocasião, sem qualquer compromisso social ou visão do todo da nação brasileira, que precisa libertar-se dos “homens-Zeus” que a governam através de planos econômicos estapafúrdios, reinando sobre a realidade refletida por águas turvas, fétidas e rasas.
Os “homens-Zeus” são os mesmos que tomam o investimento no social como um desperdício de recursos públicos, que não aceitam ser governados por político nascido fora de berço oligárquico de maciço ouro capitalista, que protestam contra o programa bolsa-família, que esbravejam contra a abertura de espaços para o acesso de gente pobre ao ensino universitário, que pregam a completa privatização do atendimento médico-hospitalar, enfim tudo o que inconfessavelmente almejam é que o povo exploda, sob a ação de seus raios desprovidos de sentimento coletivo e amor ao próximo.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br

Um comentário:

Efigênia Coutinho disse...

ARTIGO - O poder dos "homens-Zeus" - Carlos Lúcio Gontijo
Um Artigo que deve ser lido e relido, já no começo uma realidade sem margem de erros:
só servirmos se tiverem vantagens de alguma coisa, raro exceções como descreve.
REPASSANDO - Efigênia Coutinho