terça-feira, 18 de março de 2008

FELLINIANA


Felliniana
Para quem, como eu, acostumou-se a discutir a coisa pública com seriedade, assistir à sessão de ontem na câmara dos vereadores de Cotia foi um ato de penitência. Ou, para sair da esfera católica e sua carga repressiva, cheia de mea culpa, foi um momento de pôr à prova a paciência e a tolerância. A indignação crescente, sem ter como se expressar -- o público não pode se manifestar --, tinha de ser sufocada. E sublimada, para evitar efeitos nocivos à saúde, como hipertensão e taquicardia. Sim, a câmara de vereadores de Cotia também é um caso de saúde pública!
Que o diga o senhor de cabelo branco da última fila que, farto daquela gororoba, levantou-se e, aos berros, denunciou a farsa. Admoestado pelo presidente da câmara e pelos seguranças, ainda exigiu ser tratado como cidadão dentro da casa que supostamente é do povo mas que, na verdade, foi-lhe surrupiada por uma prática política apoiada em séculos de clientelismo e manipulação. Qual o quê! Levaram-no para fora, e do saguão ouvíamos seus argumentos -- corretíssimos.
Quanto a mim, decidi por uma sublimação que, embora freudiana, foi buscar inspiração em Fellini. A trilha sonora de Amarcord soava em minha cabeça enquanto os olhos assistiam àquela peça farsesca. A caricaturização dos personagens, a ênfase -- ora carregada de ironia, ora de compaixão, ora um misto de tudo isso -- em seus pontos mais marcantes, características do cinema de Fellini, estavam ali, a minha frente. E, para ficar em Amarcord, a imagem do Duce e sua trupe desfilando na cidade substituíram a imagem do crucifixo esquecido numa das paredes da câmara.
Nem Cristo agüentaria. E diria: "Perdoai-os, pai. Eles só sabem o que fazem".
Que na leitura das atas os senhores edis se distraíssem, é compreensível. Já as leram e assinaram. Mas que continuassem a se comportar como se estivessem num embalo de sábado à noite enquanto a Mesa lia o PL do novo zoneamento é inadmissível. Mortificada, constatei o pouco-caso com que grande parte deles trata os nossos interesses. Com exceção do presidente da câmara, Moisezinho (que de "inho" não tem nada), do dr. Laércio, do Almir (que apareceu por lá) e do Kalunga, que acompanhavam a leitura, os demais riam, andavam, conversavam. Um atentado contra a cidadania, a coisa pública, o papel que representam.Dos 81 artigos da lei de zoneamento, apenas 11 foram lidos. A meia hora regulamentar para a leitura do projeto não foi respeitada. Além disso, havia muita coisa a ser votada que foi adiada para daqui a (pasmem!) 15 sessões. Houve manobra para levar à falta de quórum, com a desculpa de que, ao pedir a palavra, o vereador conhecido como Tagarela (entendi o apelido: ele fala pelos cotovelos e não presta atenção à sessão) iria partir para o ataque pessoal. Um teatro. Uma farsa.Escrevi uma moção, protestando contra a atitude desrespeitosa dos vereadores. Assinada por representantes de movimentos que estavam na platéia, ela foi entregue ao Kalunga, que a encaminhou à Mesa.De bom, só a maciça participação popular e os protestos finais, na forma de vaias. E de uma recomedação, digamos, médica: um cidadão, caixa de medicamentos ao alto, receitava Viagra aos vereadores. Pra eles elevarem o nível.
Terça-feira que vem estarei lá de novo. Com filmadora e cronômetro. Adoro Fellini.
BABY SIQUEIRA ABRÃO/COTIA-SP

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